domingo, 21 de setembro de 2008

A propósito da questão filosófica do sentido da vida


«Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam, não duro nem para metade da livraria.

(…) Comprei um livro de filosofia. Filosofia é a “ciência” que trata da vida; era justamente do que eu necessitava – pôr ciência na minha vida.

Li o livro de filosofia, não ganhei nada, Mãe! Não ganhei nada.

(…) Imaginava eu que havia tratados da vida das pessoas, como há tratados da vida das plantas, com tudo tão bem explicado, assim parecidos com o tratamento que há para os animais domésticos, não é?

(…) Um livro que dissesse tudo, claro e depressa, como um cartaz, com a morada e o dia.

Não achas Mãe? Por exemplo: há um cão vadio, sujo e com fome; cuida-se deste cão e ele deixa de ser vadio, deixa de estar sujo e deixa de ter fome. Até as crianças lhe fazem festas.

Cuidaram do cão porque o cão não sabe cuidar de si – não saber cuidar de si é ser cão.

Ora eu não queria que cuidassem de mim, mas gostava que me ajudassem, para eu não estar assim, para que fosse eu o dono de mim (…).

Mas eu andei a procurar por todas as vidas uma para copiar e nenhuma era para copiar.»

Almada Negreiros, Obras Completas, Vol. I, Lisboa, Imprensa Nacional, 1990, pp. 153-4.

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