terça-feira, 23 de setembro de 2008

Ser vencido pela razão não é uma derrota


“Concordo e cedo sempre que me falam com argumentos. Tenho prazer em ser vencido quando quem me vence é a Razão, seja quem for o seu procurador.”

Fernando Pessoa


Antes de se decidir pelo título “Mensagem” Fernando Pessoa tinha pensado chamar “Portugal” a esse livro. No entanto, um amigo convenceu-o a pôr de lado esse título, com argumentos que agora não vêem ao caso (mas que podem ser facilmente encontrados na Internet, por exemplo em http://books.google.pt/books?id=NTr92RrFDOsC&pg=PA147&lpg=PA147&dq).


Foi ao justificar essa mudança que Fernando Pessoa escreveu as palavras citadas, que também poderiam ter sido ditas por Sócrates ou por qualquer outro filósofo digno desse nome.


Curiosamente, o autor de tais palavras é considerado um dos maiores poetas de um país em que se valoriza muito pouco a atitude crítica e a discussão livre e imparcial de ideias.


Um país em que muitas pessoas dizem “isso é discutível” não para iniciar um debate mas para declarar o debate inútil e acabar com a conversa. Um país em que, perante uma divergência de ideias publicamente assumida, é comum dizer-se “isso é a tua opinião, não é a minha” e depois não perguntar porque é que o interlocutor tem essa opinião nem fazer – cruzes canhoto! – qualquer esforço para a refutar (como se todas as opiniões valessem o mesmo e não fizesse sentido discuti-las e confrontá-las).


Nesse país muitas pessoas ficam ofendidas e sentem-se pessoalmente postas em causa se alguém discute e critica as suas ideias, acabando isso por conduzir à autocensura daqueles que estavam dispostos a discutir e debater. Nesse país é frequente as pessoas, depois de numa conversa terem divergido um pouco do seu interlocutor, se apressarem a esclarecer “mas isto não é uma crítica”. Nesse país é raro alguém ouvir esse “esclarecimento” e depois – à maneira da criança que disse “Olhem! O rei vai nu.” – perguntar: “Mas e se fosse uma crítica, que mal é que teria?”


Essa desvalorização da atitude crítica e da discussão livre e imparcial de ideias não ocorre apenas nos estádios de futebol (onde não surpreende encontrá-la), mas também na vida política, no jornalismo, em grupos profissionais tão importantes como os juízes e os médicos e nas escolas. Sim, nas escolas também.


Esse país provavelmente não mereceria que um livro tão belo e inteligente como a “Mensagem” se chamasse Portugal.


2 comentários:

Anónimo disse...

Segundo o meu ponto de vista, ser vencido pela razão não é uma derrota, muito pelo contrário, considero-o mesmo uma vitória. Eu concordo plenamente com as frases de Fernando Pessoa (“Concordo e cedo sempre que me falam com argumentos. Tenho prazer em ser vencido quando quem me vence é a Razão, seja quem for o seu procurador.”), dado que um dos nossos grandes objectivos de vida é saber, saber mais e o melhor possível. A concretização dos referidos objectivos é, na minha ideia, o que nos guia para a felicidade.
Se tivermos uma ideia e essa ideia for errada, devemos ficar contentes se alguém chegar junto de nós e nos disser que não temos razão, devido a isto ou àquilo. Devemos ficar contentes, porque aí sim, somos detentores de algum saber. E aí, uma pequena parte de um dos nossos objectivos de vida será concretizada.
Concordo ainda com a ideia que vem implícita no texto, de que estamos num país de pessoas que vivem na base de uma atitude dogmática. Posso entender que seja muito mais fácil pensar que tudo o que nós achamos está correcto e que contrariar os outros é uma perda de tempo, mas para mim, fazer isto, é ser-se ignorante. É não se ser detentor da verdade e do saber. É não se ser uma pessoa concretizada.
É NÃO SE SER FELIZ!

Joana Alexandra Santos Teixeira
Nº15
10ºC

Semedo disse...

Uma das palavras mais mal-tratadas em Portugal é a palavra "crítica". Frequentemente confundida com insulto, derrota, rebaixamento, etc. Até por quem tem a obrigação intelectual de agradecer receber uma ao invés de se sentir insultado. Mas também se confunde com opinião lançada ao acaso. Uma crítica é uma opinião fundamentada por quem estudou e/ou pensou no assunto. Outra situação, ainda, é considerar crítica uma mera opinião arrasadora. Enfim, palavra mal-tratada porque ainda temos muito para evoluir no uso da Razão.