Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje
Assim calmo, assim triste, assim magro,
Nem estes olhos tão vazios,
Nem o lábio amargo
Eu não tinha estas mãos sem força,
Tão paradas e frias e mortas;
Eu não tinha este coração
Que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
Cecília Meireles
Coral
Ia e vinha
E a cada coisa perguntava
que nome tinha
Sophia de Mello Breyner Andresen
3 comentários:
Pois a mim lembra-me deste:
O Poema Pouco Original do Medo
O medo vai ter tudo
pernas
ambulâncias
e o luxo blindado
de alguns automóveis
Vai ter olhos onde ninguém os veja
mãozinhas cautelosas
enredos quase inocentes
ouvidos não só nas paredes
mas também no chão
no tecto
no murmúrio dos esgotos
e talvez até (cautela!)
ouvidos nos teus ouvidos
O medo vai ter tudo
fantasmas na ópera
sessões contínuas de espiritismo
milagres
cortejos
frases corajosas
meninas exemplares
seguras casas de penhor
maliciosas casas de passe
conferências várias
congressos muitos
óptimos empregos
poemas originais
e poemas como este
projectos altamente porcos
heróis
(o medo vai ter heróis!)
costureiras reais e irreais
operários
(assim assim)
escriturários
(muitos)
intelectuais
(o que se sabe)
a tua voz talvez
talvez a minha
com certeza a deles
Vai ter capitais
países
suspeitas como toda a gente
muitíssimos amigos
beijos
namorados esverdeados
amantes silenciosos
ardentes
e angustiados
Ah o medo vai ter tudo
tudo
(Penso no que o medo vai ter
e tenho medo
que é justamente
o que o medo quer)
*
O medo vai ter tudo
quase tudo
e cada um por seu caminho
havemos todos de chegar
quase todos
a ratos
Sim
a ratos
in "Alexandre O'Neill - Poesias Completas 1951/1983”
André,
Agradeço-lhe muito o envio do poema, que não conhecia.
Cumprimentos.
Estou a cair lentamente aos pedaços
sou como um espelho que apenas reflectia o que via.
As minhas boas razões foram perdidas
O vento suprou-as para uma terra distante
Com um sorriso partido,
coração desfeito, passado distorçido,
hoje diferente daquilo que era suposto ser
Já não consigo nem a minha expressão descrever
Perdi a noite, o céu e o chão
e a lenta madrugada
A manhã é sombria e o dia frio
Não consigo ver o mundo com outros olhos
Já nem eu própria consigo ser.
Diana
Prefiro o poema de Florbela Espanca, uma incrível poetisa, mas o seu poema lembrou-me de um meu que o tinha escrito, num passado distante, quase perdido...
Enviar um comentário