segunda-feira, 17 de junho de 2013

A greve e as condições de trabalho dos professores

Fiz e greve às avaliações e amanhã farei greve ao exame. Convictamente, por razões que passarei a explicar.

Há mais de vinte anos que sou professora. Faço greve a pensar nas condições de trabalho que tive este ano (mais de cem alunos, cinco turmas, três níveis e uma direção de turma) e que irão ser ainda piores no próximo ano, caso as medidas propostas pelo ministro Nuno Crato se venham a concretizar.

O principal motivo que me leva a fazer greve amanhã não é o congelamento da carreira (que dura há muitos anos), nem a burocracia asfixiante, nem o sistema de avaliação de desempenho injusto, nem a diminuição arbitrária da carga horária de várias disciplinas (decidida sem que tenham sido explicados os critérios que fizeram algumas delas perder horas, mesmo sem os programas terem mudado - como a Filosofia e todas as disciplinas de opção do 12º ano dos cursos científico humanísticos).

O principal motivo que me leva a fazer greve é porque quero ter tempo para preparar aulas, estudar as matérias que leciono, elaborar e corrigir testes. Quero poder fazer aquilo que é essencial no ensino, sem sacrificar permanentemente a minha vida pessoal, sem passar os fins de semanas e feriados a trabalhar horas sem fim (muito mais do que as 40 semanais). Quero ter condições para responder às solicitações dos meus alunos, da escola e dos meus filhos. Quero não me sentir exausta e desalentada, pois por muitas horas que trabalhe, ainda assim não cumpri tudo aquilo que esperavam que eu fizesse. Quero que respeitem a minha profissão e ter condições decentes para a exercer.

Sei que há professores com piores condições que as minhas e outros com melhores. Ao contrário do que se diz e escreve - e o ministério também não esclarece junto da opinião pública - os professores têm condições de trabalho muito diferentes. Mesmo entre os professores do ensino secundário (falo do que conheço diretamente), há situações muitos dispares devido às diferentes cargas horárias das disciplinas e aos cargos exercidos. Por exemplo, há os que com apenas duas turmas têm o horário completo e os que precisam de cinco, seis, sete ou mais turmas para que isso aconteça. Há até professores que para completar o seu horário se deslocam entre diferentes escolas.

Apesar de pertencermos a uma mesma classe profissional nem todos estamos no mesmo barco, os interesses imediatos divergem muito e, portanto, não é fácil que todos se unam em torno de objetivos comuns. É por isso que não tem sido difícil atacar e dividir a “classe” dos professores.

Com o poder centralizado no diretor, um sistema de avaliação dependente de uma estrutura hierárquica, muitas contratações de professores decididas ao nível de escola e um elevado número de candidatos desempregados para os poucos lugares vagos… tudo isso contribui para que muitas escolas se tenham tornado lugares de subserviência e submissão. Esta passou a ser a melhor estratégia para garantir o emprego ou a melhor classificação na avaliação de desempenho.

Esta é verdadeira pressão que existe nas escolas: o medo. O ministério da educação sabe isso e explora a frágil situação laboral de muitos docentes, sem parecer preocupar-se com a qualidade do ensino ministrado aos alunos.

Professores obedientes, acéfalos e assustados. Foi com isso que o ministro Nuno Crato contou ao pensar que resolveria o problema da greve convocando todos os professores para vigiar o exame de Português. E se calhar até conseguirá fazê-lo. O que não faz é alterar as condições de trabalho degradantes e humilhantes de muitos professores.

Reconheço que na minha profissão, como aliás em qualquer outra, há os que fazem o que devem e são competentes e os que são incompetentes (e que o sistema atual de avaliação não permite distinguir), os que têm condições de trabalho muito boas e os que não as têm. Mas, na prática, algumas direções das escolas, alguns professores, alguns avaliadores, alguns pais, alguns alunos, o ministério, ignoram este facto, fazem de conta que não existe. Cada um que se arranje, que não se queixe, que não falhe, pois se o fizer têm muita gente a exigir-lhe explicações e a atribuir-lhe responsabilidades.

É por isso que os mais prejudicados pelas medidas propostas por este governo são aqueles que procuram ensinar bem os seus alunos. A mobilidade, o aumento da carga horária para 40 horas – como se ser professor fosse um trabalho análogo aos dos outros funcionários públicos – e a passagem das direções de turma para a componente não letiva constituem uma degradação ainda maior das atuais condições de trabalho dos professores. Não se entende como é que o exercício de um cargo exigente em termos de perfil e fulcral para o sucesso do ensino e da aprendizagem dos alunos, como é o do diretor de turma, seja tirado da componente letiva, obrigando os professores que antes o exerciam a ter mais turmas para completar o seu horário. Parece óbvio que a ideia é poupar mais uns tostões e colocar os professores com reduções da componente letiva a exercê-lo a custo zero.

Eu não sou sindicalizada e discordo muitas vezes dos sindicatos. A ideia de que estou a ser manipulada pelos sindicatos é ofensiva. Quero também referir que fiquei contente com a nomeação do ministro Nuno Crato por admirar a qualidade do seu trabalho. Mas há limites para a humilhação.

Faço greve porque respeito os meus alunos e preciso de ter condições para ensiná-los condignamente.

11 comentários:

Aires Almeida disse...

É textos como este que as pessoas precisam de ler e não de gritos de indignação vazia.

Isabel Rodrigues disse...

Concordo plenamente. Acresce dizer que lutamos, muito se nós, pelo direito ao trabalho e recusa em aceitar que se assine de mão leve o destino de muitas famílias.

RioD'oiro disse...

"O principal motivo que me leva a fazer greve é porque quero ter tempo para preparar aulas, estudar as matérias que leciono, elaborar e corrigir testes."

Mantendo a burocracia asfixiante para a qual pensa não valer a pena "lutar"?

Mas, leciona coisas que nunca estudou?

Unknown disse...

Prof.ª Sara:
Como diz o Prof. Aires de Almeida, precisamos muito de textos como este seu, que irei divulgar junto de todos os meus amigos.
Mas fico perplexo com 2 coisas:
1.ª - Apesar de todas as evidências durante 2 anos, a sua veneração por Nuno Crato, uma pessoa que, antes de ocupar o cargo já tinha dado bastas indicações do que pretendia: a destruição da Escola Pública.
E por 2 vias:
a) pela promoção a todo o custo do ensino privado, veja como o dinheiro para os colégios privados em regime de contrato de associação, mesmo onde não são necessários, onde a rede pública cobre as necessidades: Caldas da Rainha, Coimbra, etc., aumentou, em tempo de dieta radical no ensino público;
b) pelo que decorre da sua visão perfeitamente passadista, anacrónica, da escola, dos currículos, dos métodos pedagógicos, etc.
Quer um exemplo, uma humilhação mais para os professores do ensino público: porquê estes terem que levar os seus alunos a fazer exames na sede dos agrupamentos enquanto os colégios privados os fizeram dentro de portas? São mais sérios? Mais competentes?
2.ª – Mesmo a Prof.ª Sara, uma pessoa que considero muito profissional, séria e muito esclarecida, não se foca no essencial do aumento do tempo de trabalho para 40 horas.
Se os professores já trabalham mais de 40 horas qual é o problema de se aumentar as actuais 35 para 40?
Nenhum.
Ora, o problema não é verdadeiramente esse, o que Crato quer é aumentar o tempo lectivo de todos os professores, isso é que poupará mais uns cobres. Esta passagem para as 40 horas, embrulhada no pacote geral da FP, é uma etapa intermédia que serve para isso.
E a Prof.ª Sara também não esclarece isso.
A política de Crato, em minha opinião, levará à criação de uma escola dual: a privada, apoiada no máximo pelo Estado (a vaca das 7 tetas) onde todos querem mamar (mesmo o que na retórica o abominam), para quem a puder pagar e a escola pública mínima, para os pobrezinhos.
É a isto que Crato veio, a sua treta do anti-eduquês não passou de um ecrã branco, intensamente iluminado pelos «media» para nos cegar com a sua luminosidade.
Felizmente que hoje são publicados anualmente instrumentos internacionais credíveis: Education at a Glance, PIRLS, TIMMS, que nos comparam com bastantes países.
Eles confirmarão ou infirmarão os meus pressentimentos. E lá se mostrará também os gastos com a Educação, a privada e a pública, assim como outros aspectos.
Coisa que não tínhamos há décadas, o que tem permitido o discurso demagógico da «boa escola» de antigamente contra a «má escola» de hoje. Como se se pudesse comparar assim, de forma simplista, realidades tão díspares e ainda por cima «a olhómetro», sem instrumentos comparativos credíveis e objectivos.
Fiquei deliciado com o ministro Crato a dizer nas televisões: «não podemos alterar o calendário dos exames porque ele obedece a TODA uma lógica…». Estou a citar de memória, mas o «TODA uma» foi dito.
Eu ficaria muito preocupado se o calendário obedecesse a «TODA duas» lógicas, felizmente que só obedece a «TODA uma».
E Crato aprendeu na «boa escola».
Este exemplo serve apenas para mostrar que a realidade é muito mais complexa do que a mensagem simplista que o anti-eduquês tem passado, que muito mais do que o que se ensina e se aprende há o que se aprende informalmente nos «media», os verdadeiros «guias» da norma em tantos aspectos das nossas vidas.

Anónimo disse...

Isto é uma vergonha nacional

Bruno Cardoso disse...

Sinto-me um pouco revoltado com alguns comentários que estão aqui pelo simples fato de algumas pessoas não conseguirem perceber o que está em jogo. Não está em jogo uma simples duzia de professores desempregados, nao está em jogo umas simples horas por semana que os professores se sentem obrigados a cumprir... está em jogo todo o trabalho de milhares de professores em todo o Portugal. Eu sou aluno do 11º do professor Carlos Pires e senti-me na "obrigação" de passar o meu comentário... Eu acho que quem não e professor ou aluno não consegue perceber o que se está a passar realmente, de fato este ministério da educação fez coisas inexplicáveis e, espero que não esteja a fazer uma derrapagem, tornaram os professores num simples objeto de "escravidão". Eu lembro me perfeitamente antigamente quando faziamos os testes e na aula seguinte recebia mos logo e agora? agora só recebemos passado 2/3 semanas. e pq? porque os professores estão sobrecarregados enquanto que alguns andam ai desempregados. E eu pergunto, que raio de país é este que sobrecarrega os professores de "propósito" para que outros nao tenham emprego?
O ministerio prejudicou os professores durante este ano e agora os alunos tambem vao sair prejudicados graças ao ministerio, nao aos professores. Acho que tem o direito de fazer greve porque se ninguem fizer nada isto continuara a piorar.
So queria responder á pergunta do RioD´oiro... Não está em causa aqui so o fato de leccionarem coisas que já sabem ate porque as matérias mudam de ano para o ano e o professor nao tem que leccionar sempre as mesmas coisas da mesma ordem mas o problema nem é esse.. acha que os professores conseguem chegar a uma sala de aula e dizer tudo o que disseram sobre uma certa materia de à 1 ano atras? ninguem consegue.. tem que preparar as aulas é como as apresentações de trabalhos, uma pessoa consegue fazer um trabalho para apresentar mas se nao o treinar sera que o consegue apresentar com clareza.. duvido.. e para alem disso os professores tem vida propria e pessoal e eu pergunto acha mesmo que eles conseguem ter essa vida agora? sabe o que é receber testes corrigidos com erros? e eu pergunto porque? pense nisso.
cumprimentos

F. Pinheiro disse...

Olá, Sara!

Subscrevo na íntegra o conteúdo do artigo. Na verdade, as condições de trabalho dos professores vão-se degradando progressivamente com a passagem dos anos. Foi também por isso que fiz greve. É também verdade que as escolas estão organizadas no sentido de promover a subserviência em detrimento do espírito crítico. A maneira como a escola está organizada em torno da figura do diretor também não ajuda a melhorar a situação.
F. Pinheiro

Anónimo disse...

Partilho inteiramente das suas palavras,preocupações e reflexão. Só poderia fazer greve, quando em outras alturas acreditei ingenuamente que os propósitos da tutela seriam,realmente, melhorar o ensino público. Nada disso!Está claro, e nós estamos sobrecarregados e incapazes de fazer face a tantos desafios! É um desalento...Obrigada pela sua clareza e expressão do que tantos pensam!

Unknown disse...

Tenho uma colega que trabalha em duas escolas tem 15 (sim QUINZE) turmas e mesmo assim não tem horário completo!

regina jeronimo disse...

Também eu,Sara, partilho inteiramente a tua reflexão e confesso-me traída por este ministro, mais um...como tantos outros...

Anónimo disse...

O que faz as pessoas reagirem tão mal à greve prende-se com inúmeras razões, mas deixo aqui apenas duas:
Cá em casa não somos professores, mas trabalhamos muito mais de 40 horas semanais e também sacrificamos a família. Mas somos trabalhadores do privado e, ou estamos calados, ou ficamos sem emprego.
E o que lixa mesmo as pessoas (comentários ouvidos muitas vezes esta semana) são as folgas semanais de que usufruem... como imagina, nós, os trabalhadores privados e restantes funcionários públicos não sabemos o que isso é. Já para não falar de que usufruo apenas (e é mesmo apenas) de 22 dias de férias anuais.
Não pense que não gosto de professores: pelo contrário, estimo muito a profissão e recordo os meus com muito carinho. Tive o privilégio de ter convivido com profissionais espectaculares. Sei que não é uma profissão fácil mas, acredite, a grande maioria das pessoas também sofre horrores nos seus empregos.
E é por isso que tantas vozes se levantam com esta greve.
Muito obrigada,
Rita