“As nossas crenças mais justificadas não têm qualquer outra garantia sobre a qual assentar, senão um convite permanente ao mundo inteiro para provar que carecem de fundamento.”
John Stuart Mill
Esta prova consegue ser ainda pior do que a da 1ª fase. Mais uma vez se deixa de fora uma parte importante do programa: estética e filosofia da religião. E mais uma vez se insiste na inutilidade bacoca da retórica/argumentação, ainda por cima com um texto sobre lógica e argumentação em que os erros se atrapalham uns aos outros. Mais uma vez se faz a mesma pergunta (só que de outra maneira) para comparar (blá, blá blá) Descartes e Hume a que se acrescenta outra sobre a importantíssima questão filosófica das características da dúvida cartesiana, que curiosamente é (dizem eles) voluntária, provisória e hiperbólica, mas não metódica. E, já agora, por que não também estratégica, anterior (como lhe chamou Hume), racional e outras coisas mais?
Mas o pior de tudo é que, a seguir a prova de exame, nos próximos anos toda a gente vai dar muita retórica e pseudo-argumentação.
A propósito, texto sobre a argumentação é de um tal Michel Meyer, figura que rigorosamente nenhum livro de lógica de referência cita ou refere e que nenhum estudioso sério da lógica sabe sequer quem é. Fala muito de lógica mas nada sabe do que fala. Chega mesmo a ponto de opor a lógica à argumentação. Nem sequer se trata apenas de as distinguir, mas de as opor. Assim, eu gostaria muito de saber como ficam aqueles professores que andam todo o tempo a enganar os alunos dizendo-lhes que a lógica é, em termos gerais, o estudo da argumentação. Ou, mais precisamente, o estudo da validade, sendo que a validade (e a invalidade) são propriedades de argumentos. Todos eles ficam a saber, através de Meyer e do exame, que isso está tudo errado.
Mais, os professores têm de deixar de chamar argumentos ao modus ponens, modus tollens, etc. E têm de deixar de dizer que há argumentos válidos e inválidos. Curiosamente, logo no grupo seguinte se pede aos alunos (em contradição directa com o que diz o texto de Meyer e se testa neste grupo) o seguinte: "teste a validade do argumento...", em que o argumento é, afinal, um silogismo e, novamente, em que o argumento é um modus ponens. Mas não tinha acabado de se dizer que isso não é argumentação mas antes lógica?
Enfim, uma loucura completa!
E, nesse mesmo grupo, ainda há, mais uma vez, uma escolha múltipla em que nenhuma opção é verdadeira. Na 1.1 pretende-se que a resposta certa é a D (Versão 1), mas essa é falsa. Eles pensam que um modus ponens, por exemplo, é uma inferência necessária. Mas isso é errado, pois não é a inferência que é necessária; é a conclusão que se segue necessariamente das premissas, o que é completamente diferente. O exemplo dado no grupo seguinte sobre Cícero, por exemplo, não é uma inferência necessária: não é necessário que alguém infira tal coisa. Alguém fazer aquela inferência é um facto contingente do mundo. O meu gato tem necessariamente coração; mas o meu gato não é uma entidade ou um ser necessário, pois podia não ter nascido.
Haveria mais para dizer, mas nem sequer tenho paciência. E nem quero imaginar a paciência que tenho de ter para corrigir os que esperam mim na segunda-feira.
Este exame parece-me excessivamente fácil e insuficientemente pertinente. Peca pela repetição. É certo que não deveria ser muito mais difícil do que o da primeira fase (para não criar situações de injustiça), mas não deveria ser tão fácil como é.
A distinção e mesmo oposição entre argumentação e demonstração está sugerida no Programa: demonstração, “domínio do constringente”; argumentação, “domínio do verosímil”, a procura (incondicional?) da “adesão do auditório”... A confusão está aí, no programa, nessa "Argumentação e Retórica" apresentada como argumentação ou demonstração...
Quanto à distinção entre "inferência necessária" e "a conclusão que se segue necessariamente das premissas", tenho que admitir a minha estupidez, pois sou de facto incapaz de enxergar onde se quer chegar. Porque não sou hábil a perceber que, quando “se infere necessariamente”, não há uma “inferência necessária”, nem na verdade a distinguir entre "seguir-se necessariamente das premissas" e "inferir-se necessariamente"...
No argumento de Cícero, por exemplo, o que está em causa não é qualquer abordagem metafísica, mas tão só lógica. Isto é: qualquer mundo possível, que seja ou não seja o caso, onde o que é seja o que é, não sendo o que não é, seja o que for que aí seja o caso, há-de ser (verdade) que, se Cícero cativa o auditório se é um orador persuasivo, então, se Cícero é um orador persuasivo, necessariamente Cícero cativa o auditório. Não há, nem pode haver, qualquer condição pensável em que essa inferência não seja necessária – excepto no domínio do não ser, do que não é pensável, do qual nada se pode dizer, nem sequer que essa inferência não é válida. Existam ou não cíceros, um cícero, ou nenhum cícero, a verdade é que, se for necessário que um cícero orador persuasivo cative auditórios, então, se for o caso (quer seja ou não seja de facto o caso) de ocorrer um cícero orador persuasivo, então ele cativa o auditório. E isto é independente da existência ou não existência do cícero em causa. A inferência é que é necessária, não a ocorrência da mesma. Não é necessário que ocorra um cícero qualquer para que a inferência seja. A->B; A; Logo, B. Mesmo num mundo em que não existam A’s. E mesmo num mundo em que não existam B’s, desde que também não existam A’s.
Também se tem dito que não se justificam falácias. Mas, se é verdade que se pode dizer que não é a falácia que se justifica, mas sim o juízo que classifica um argumento como falácia, não é verdade que não se possa justificar a resposta na qual se identificou uma falácia, pois aí o que se deve fazer é justificar essa identificação. Isto é, apontei, depois devo dizer o que me permitiu saber para onde apontar.
a) A lógica como disciplina que tem por objetivo a avaliação sistemática de argumentos quanto à sua validade dedutiva;
b) A noção de argumento válido como aquele em que a conclusão é uma consequência lógica das premissas tomadas em conjunto.»
Está aqui chapado que a lógica tem por objectivo a avaliação sistemática de argumentos. Portanto, o objecto da lógica é a argumentação. O texto de Meyer é que se opõe claramente a isto e opõe-se também ao que é indisputado entre os próprios lógicos.
Aliás, basta abrir qualquer manual do 11º ano e lá encontramos (aposto que em todos, se bem que não me tenha dado a esse trabalho) claramente a afirmação de que a lógica estuda a argumentação ou a validade, sendo que esta é uma propriedade dos argumentos.
Essa história sobre o domínio do constringente e sobre o domínio do verosímil, além de ser uma enorme confusão baseada numa incompreensão do que dizia Aristóteles, não significa que de um lado está a lógica e do outro está a argumentação.
Mais, Meyer não diz simplesmente que são coisas diferentes, vai ao ponto de dizer que se opõem. Ora, isto é uma completa tontice de quem diz a primeira coisa que lhe passa pela cabeça.
Quanto ao exemplo de Cícero, Luís, não se trata efectivamente de uma inferência (ou argumento) necessária. O Luís limita-se a provar que em qualquer mundo possível em que Cícero é tal e tal, se segue NECESSARIAMENTE que P. Mas o Luís está a confundir a ideia de que a conclusão seguir-se necessariamente das premissas é o mesmo que a inferência ser necessária. Mas não é assim, Luís. O que é necessária é a relação de consequência lógica entre aquela conclusão e aquelas premissas, não a própria inferência. Uma coisas é necessitar uma dadas relação entre afirmações e outra bem diferente é necessitar a própria inferência. E isto é independente de se tratar de necessidade metafísica, nómica (física, natural), lógica ou conceptual.
Já agora, só mais um pormenor acerca do que diz. As inferências (ou argumentos) não existem por aí à espera de serem descobertas. Somos nós que inferimos (ou argumentamos), pelo que uma dada inferência ou argumento não existe antes de o produzirmos (isto é, antes de argumentarmos).
Quanto às falácias, claro que se justificam! Se alguém me apontar que o que digo é uma falácia, terá de me explicar porquê. Não basta dizer que se trata da falácia tal, sem mais, até porque pode estar enganado.
Luis, há uma passagem importante do seu comentário que acabei por não comentar, apesar de lhe ter respondido indirectamente. Mas acho que vale a pena esclarecer melhor as coisas.
Diz o Luís:
«Quanto à distinção entre "inferência necessária" e "a conclusão que se segue necessariamente das premissas", tenho que admitir a minha estupidez, pois sou de facto incapaz de enxergar onde se quer chegar. Porque não sou hábil a perceber que, quando “se infere necessariamente”, não há uma “inferência necessária”, nem na verdade a distinguir entre "seguir-se necessariamente das premissas" e "inferir-se necessariamente"...»
Vou tentar esclarecer a distinção com uma analogia que torna as coisas mais claras. Imagine que o que está em causa é a possibilidade (o outro operador modal), em vez da necessidade. Repare nas seguintes duas afirmações:
1. Posso não dar aula na próxima sexta-feira. 2. Não posso dar aula na próxima sexta-feira.
Como pode ver, ambas as frase são compostas exactamente pelas mesmas palavras, com uma pequena diferença: na 2, a negação (não) vem antes do operador modal de possibilidade (posso), ao passo que na 1, a negação vem depois do operador modal de possibilidade. Isto é irrelevante? Claro que não, pois o âmbito da negação é diferente nas duas afirmações: na 2 nega-se a possibilidade de algo ocorrer (eu dar a aula de sexta-feira), na 1 não se nega tal possibilidade.
É por isso que se eu afirmar 2 e nenhum aluno aparecer na sala de aula, tudo certo. Mas se eu tiver afirmado 1 e nenhum aluno aparecer na sala de aula, algo estranho se passou.
Ora, do mesmo modo, dizer da inferência que é necessária não é o mesmo que dizer que a conclusão se segue necessariamente das premissas. A necessidade em causa é, nos dois casos, atribuída a entidades diferentes. Num caso é atribuída à própria inferência; no outro ao tipo de relação que há entre aquela conclusão e aquelas premissas. Dizer que a inferência é necessária é o mesmo que dizer que ela existe em todos os mundos possíveis. Ora, isso é manifestamente falso. Por sua vez, dizer que a conclusão se segue necessariamente daquelas premissas é o mesmo que dizer que: em qualquer mundo possível em que aquelas premissas sejam verdadeiras, a conclusão também o será. Como vê, coisas distintas.
Espero ter ajudado a esclarecer melhor as coisas. Será?
Suponho que o que o Aires pretende então dizer é que a implicação não é necessária. Ou seja, o Aires pretende dizer que: que A implique B não é necessário. Será que é isto que o Aires está a dizer? Pois se é, concordo plenamente. E claro que não há nenhuma implicação por aí a voar. Somos nós que dizemos encontrá-las na regularidade das sucessões... Mas isto era de algum modo posto em causa na pergunta de escolha múltipla visada? Não me parece. O aluno tinha apenas que perceber que, segundo o texto, a demonstração é qualquer coisa que procede por inferências simultaneamente válidas e necessárias. E esta distinção entre argumentação e demonstração, independentemente de estar certa ou errada, está no texto. Venha isso de uma má leitura do que diz Aristóteles ou do que diz São Tomás!
Ainda não percebi, de facto... pois, parece-me que, em qualquer mundo pensável, se
A implica B, e
A ocorre, então
B ocorre necessariamente.
O que me parece não ser necessário não é a inferência, isto é, B, uma vez que A, dado que A->B. Pois a inferência de B há-de ser necessária em qualquer mundo que o Aires possa pensar.
Se falamos da implicação de A->B; então, estou perfeitamente de acordo: nem neste mundo onde estamos é necessário que A->B. Por isso mesmo ela é dada por premissa. Premissa que poderá ter sido induzida a partir de um conjunto de observações, mais ou menos coincidentes, acerca de A e B, etc.
Luís, o exemplo que dá acaba por ser esclarecedor. Diz:
«Ainda não percebi, de facto... pois, parece-me que, em qualquer mundo pensável, se
A implica B, e
A ocorre, então
B ocorre necessariamente.»
Veja lá onde meteu o operador modal de necessidade? Diz que ocorre necessariamente a conclusão (caso ocorram as premissas), mas NÃO diz que a inferência ocorre necessariamente.
Estou a tentar explicar isto sem recorrer à formalização na linguagem da lógica modal, pois talvez não seja adequado usar aqui isso. A formalização torna a diferença claríssima.
Mas, evitando os símbolos modais, o que o Luís confunde é isto:
Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.)
com isto:
(P -> Q e P) -> Necessariamente Q
A formalização acima exprime uma falsidade ao passo que a formalização abaixo exprime uma verdade.
Mas o Luís insiste que são a mesma coisa. Só que não são, pois o âmbito do operador modal de necessidade aplica-se, no primeiro caso, a toda a fórmula e, no segundo caso, apenas à consequente da condicional.
Será que, de uma forma menos intuitiva, consegui desta vez tornar clara a diferença?
Note que eu não me estou a referir ao que se diz ou escreve sobre o assunto. Estou a referir-me àquilo que podemos ou não podemos pensar, sem nos contradizermos. E neste sentido, de facto, não vejo nenhuma clareza naquilo que diz.
Por mim, pode utilizar a linguagem modal, mas suspeito que ela mantém exactamente o mesmo véu sobre o assunto.
Claro que Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.)
é diferente de
(P -> Q e P) -> Necessariamente Q
O que eu não percebo de todo, porque não o consigo pensar, é que
(P -> Q e P) -> Não Necessariamente Q
Percebe onde quero chegar? Não estou, obviamente, a pedir que me explique o que alcance dos operadores!
Então, colocando (P -> Q e P. Logo, Q.) como P, será que o Aires está a dizer que
P -> (P V ~P)
?
Ou está simplesmente a dizer que não é necessário que qualquer coisa como "->" ocorra? Isto é, será que o Aires está a colocar em suspensão, não que A -> B, mas que exista de todo em todo algo a que chamar "->"?
Espero estar a ser claro no ponto que quero colocar em questão.
Luís, deixe-me dizer-lhe que insiste em não olhar para o que é relevante. Por exemplo, quando escreve:
«Claro que Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.)
é diferente de
(P -> Q e P) -> Necessariamente Q»
reconhece aqui que são afirmações diferentes. Ora, quando diz que a inferência tal é necessária, está a afirmar o que está acima. E essa é uma afirmação FALSA, Luís!
A de baixo é verdadeira, mas não é a tradução correcta (eu aqui tive de condicionalizar os argumentos para as coisas ficarem mais claras) do que o Luís e o exame afirmam.
Mas o Luís acrescenta algo que não se entende bem:
«O que eu não percebo de todo, porque não o consigo pensar, é que
(P -> Q e P) -> Não Necessariamente Q
Percebe onde quero chegar? Não estou, obviamente, a pedir que me explique o que alcance dos operadores!»
Ora, Luís, o que tem esta sua última fórmula a ver com a discussão? Ela é uma falsidade lógica e nem sequer me passa pela cabeça afirmar tal coisa. Basta compreender a diferença entre as formulações acima para ficar esclarecida a diferença entre
1. A inferência tal é necessária.
e
2. Na inferência tal, a conclusão segue-se necessariamente das premissas.
Dizer que a inferência tal é necessária é o mesmo que dizer que essa inferência concreta não poderia deixar de ser produzida.
Dizer que a conclusão se segue necessariamente das premissas é dizer que, afirmando tais premissas, segue-se necessariamente aquela conclusão.
Se continuar a não ver diferença, não sei o que lhe posso dizer mais. Isto é apenas uma questão de lógica.
Tal como é uma questão de lógica a diferença entre dizer que Sócrates existiu necessariamente ou que se Sócrates existiu ele era necessariamente um ser humano. A primeira afirmação é claramente falsa e a segunda é verdadeira.
"Dizer que a inferência tal é necessária é o mesmo que dizer que essa inferência concreta não poderia deixar de ser produzida."
Aqui está alguma coisa que eu consigo perceber.
Eu não disse que eram a mesma coisa. Estava a perguntar o queria o Aires dizer por não ser a inferência verdadeira. Porque a afirmação não é clara. Se é, então eu assumo que sou eu que sou limitado.
Mas se o que o Aires estava a dizer era que:
tomemos um mundo onde comer implica engordar. Nesse mundo, quem come, engorda. É necessário que engorde quem come. Mas não é necessário que a implicação ocorresse. Isto é, o mundo em questão poderia ser diferente daquilo que é. Poderia ser que comendo-se, não se engordasse. Podia ser que não se engordasse, mesmo comendo-se.
O que me parece é que aqui o que não é necessário é que esse caso particular (digamos p) implique outra ocorrência (digamos q).
Que p -> q não é necessário. Mas ainda aí nesse mundo (se ele for pensável), se P -> Q, e P; logo Q. E nesse mundo, se ele é algo do qual alguma coisa se pode dizer,
Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.)
Ou seja, se podemos falar disso que estamos a falar, dizendo alguma coisa com as palavras, isto é assim. Nesse mundo esta regra é necessária. O que nesse mundo poderá não ser o caso é que um certo evento p implique q. Mas se for o caso de implicar, e aí existirem p's, há-de ocorrer q.
Quando me diz que
Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.)
fico a pensar que me diz que está a dizer que esta regra metalógica poderia não existir. Ora, até pode ser que seja esse o caso, mas então teríamos que averiguar se de facto alguma coisa poderíamos pensar sobre isso.
Então, concluindo, o que eu compreendo é que as implicações particulares entre coisas que ocorrem ou se pensam não são necessárias (pelo menos algumas delas), pois poderia ter acontecido que uma não implicasse a outra, apesar de acontecer que uma implique a outra, ou de nós assumirmos essa implicação.
Por isto tudo é que para mim não é evidente que a correcção que diz ser necessária no exame trouxesse mais clareza sobre o assunto do que a formulação usada no mesmo.
Penso que desta vez consegui esclarecer a razão pela qual não percebo o que quer dizer que a inferência não é necessária, ou que o modus tollens não é necessário. E perdoe-me se lhe parece que estou a insistir no mesmo.
não estou a dizer que o Aires defende que, se A -> B, se A ocorre, então não é necessário que ocorra B.
Estou a dizer que a expressão "a inferência não é necessária" não é clara e pode induzir esse equívoco, dado que uma inferência é um processo mental, uma certa forma lógica, pela qual se deriva uma conclusão de certas premissas. E a premissa p -> q não é uma inferência. Que p -> q é que não é necessário... E concomitantemente, não vejo a necessidade da correcção do enunciado.
Luís, vou tentar novamente e, se não conseguir desta, vou ter de desistir, não leve a mal. O problema talvez seja meu, pois penso ter sido muito claro e, se calhar, não fui.
A sua conversa sobre as implicações não ajuda e até acaba por introduzir ruído.
Vou tentar pela ultima vez. Começando pelo mais elementar, uma definição instrumental de necessidade:
X é necessário se não poderia deixar de ser o caso.
Por exemplo, se for uma verdade necessária que a água é H2O (há quem dispute isso), então não poderia ser o caso que a água não fosse H2O.
Certo?
Agora podemos dizer também o seguinte:
X não é necessário se (apesar de X ser o caso) poderia não ser o caso.
Por exemplo, Aristóteles é o autor da Metafisica. Isto é uma verdade, mas não é uma verdade necessária, pois poderia ser o caso que o autor da Metafísica fosse afinal outro filósofo, que assinou com o nome de Aristóteles sem o ser. Ou porque Aristóteles se tivesse dedicado à pesca em vez de se dedicar à filosofia e nunca tivesse escrito livros.
Vejamos agora isto aplicado ao exemplo da inferência sobre Cícero:
A inferência tal (sobre Cícero) não poderia deixar de ser o caso (não poderia deixar de ser produzida, existido, proferida, etc.)
Dizer que a inferência é necessária é dizer isto que acabei de referir. Ora, isto é claramente FALSO, Luís.
Mas o Luís confunde sistematicamente o que acabou de ser dito com a seguinte afirmação verdadeira (esta sim, verdadeira):
Na inferência tal (sobre Cícero), a conclusão segue-se necessariamente das suas premissas.
Só que isto é diferente daquilo e não é isto que se afirma no exame, é aquilo. E aquilo é falso. Não há volta a dar.
Mas, pelos vistos, tenho de reconhecer que o erro talvez não seja assim tão grave, caso se confirme que a confusão é generalizada. Só que nem por isso deixa de ser um erro. E a filosofia devia servir para fazer precisões conceptuais rigorosas, ensinado os estudantes a pensar com o rigor e subtileza indispensáveis.
Para dizer qualquer coisa como se tudo fosse mais ou menos o mesmo, não seria necessário estudar filosofia. acho que o Luís concorda comigo, ao menos neste aspecto.
Fiquemos por aqui. Enfim, não sei se não serei eu que não me fiz explicar. É que parece pelo seu comentário que eu não percebo que aquilo que acontece, as coisas que são, poderiam não ser. Mas não foi isso que eu tentei mostrar. Vou tentar também uma última vez.
Quando diz
A inferência tal (sobre Cícero) não poderia deixar de ser o caso (não poderia deixar de ser produzida, existido, proferida, etc.)
Repare bem se está de facto a referir-se à inferência (processo mental), ou à implicação.
O que poderia nunca ter acontecido era que p -> q.
A inferência em causa, o modus ponens, nunca poderia não ter acontecido. Ou seja, não é a forma lógica que poderia não se verificar (note que isto também pode ser defendido e há quem o defenda). O que poderia não se verificar é que um certo evento ou classe de eventos, implicasse (necessariamente) outro evento ou classe de eventos.
A sua frase "A inferência tal (sobre Cícero) não poderia deixar de ser o caso (não poderia deixar de ser produzida, existido, proferida, etc.)" permitiu-me, talvez, adquirir mais um pequeno avanço na coisa: Há um sentido em que perceberia a aplicação da expressão "a inferência não é necessária": é se com isso se estiver a dizer que poderia não existir nenhum ser capaz de inferir. Nesse caso não haveria inferências, pois não haveria qualquer ente capaz de logos, raciocínio, lógica, ou o que se lhe quiser chamar. Por exemplo, um mundo onde nenhum humano (nem anjo, nem deus, nem ET's inteligentes, etc.) existisse. Então, este é mais um sentido em que eu compreendo a utilização da expressão em causa: seria possível não existirem seres capazes de inferir, logo não existiriam inferências. Mas, como dá para perceber, também isto é confuso. Porque pode parecer que se está a dizer que, sem seres capazes de inferir, deixaria de ser verdade que, se P -> Q; P; Logo Q. O que não pode ser dito. E aqui nasce todo um outro problema metafísico... e que, mais uma vez, obscurece o que significa "inferência não necessária".
Deixemos então por aqui. Mas por favor não pense que eu penso ser necessário que seja o que for que seja o caso não poderia não ser o caso. Se bem que também sobre isto tenho muitas dúvidas e muito pouco conhecimento, e nenhuma certeza!
Também concordo consigo quando diz que a Filosofia "devia servir para fazer precisões conceptuais rigorosas". Há só um aspecto que acrescento: essa precisão deve introduzir um factor de esclarecimento, e não tornar mais obscuro aquilo que se pretende dizer.
Luís, eu já estou a deixar de lado a ambiguidade do termo "inferência", que tanto pode, por um lado, designar o acto mental de inferir como, por outro, o seu conteúdo ou, se preferir, o seu significado. Deixo-a de lado porque não altera nada do que disse.
Seja como for, eu não estava mesmo a falar do acto mental. Quando digo que a inferência não é necessária estou mesmo a dizer que "Se gosto de filosofia, gosto de lógica. Gosto de filosofia. Logo, gosto de lógica" não é uma inferência necessária, seja em qual desses sentidos for.
Bem, e o que eu digo é que dizer «que a inferência não é necessária estou mesmo a dizer que "Se gosto de filosofia, gosto de lógica. Gosto de filosofia. Logo, gosto de lógica" não é uma inferência necessária» - não é algo claro. Se me disser que não é necessário que goste de filosofia, ou que pode acontecer que gostar de filosofia não implique gostar de lógica, ou que poderia nunca se chegar a proferir nenhuma inferência, ou que poderia acontecer que nenhuma coisa implicasse fosse o que fosse, - tudo isto percebo (se bem que ainda confusamente neste último caso). Mas ao ler a expressão "inferência não necessária" fico imediatamente cheio de dúvidas. Ou seja, o que está em causa nessa precisão, se de facto é mais precisa essa expressão, faria sentido, parece-me, num contexto em que muitas coisas fossem esclarecidas até chegarmos a uma noção claramente delimitada. O que não me parece ser o caso do exame de Filosofia.
Sr Aires Almeida, sou aluna do 11º de Filosofia, e deixe-me informá-lo que estou completamente de acordo com o seu ponto de vista, no qual defende que na demonstração não é a inferência que é necessária e válida mas sim a conclusão que se segue necessariamente das premissas que o é. Porém, ao longo do seu discurso, deparei-me com uma dúvida. Mais especificamente: "eles pensam que um modus ponens, por exemplo, é uma inferência necessária". Segundo aprendi, o modus ponens é uma falácia que ocorre quando se afirma o consequente em vez do antecedente, sendo então o silogismo que contém essa falácia um silogismo hipotético. Então, nesse caso, de que modo é que alguém pode pensar que o modus ponens é uma inferência necessária?
19 comentários:
Esta prova consegue ser ainda pior do que a da 1ª fase. Mais uma vez se deixa de fora uma parte importante do programa: estética e filosofia da religião. E mais uma vez se insiste na inutilidade bacoca da retórica/argumentação, ainda por cima com um texto sobre lógica e argumentação em que os erros se atrapalham uns aos outros. Mais uma vez se faz a mesma pergunta (só que de outra maneira) para comparar (blá, blá blá) Descartes e Hume a que se acrescenta outra sobre a importantíssima questão filosófica das características da dúvida cartesiana, que curiosamente é (dizem eles) voluntária, provisória e hiperbólica, mas não metódica. E, já agora, por que não também estratégica, anterior (como lhe chamou Hume), racional e outras coisas mais?
Mas o pior de tudo é que, a seguir a prova de exame, nos próximos anos toda a gente vai dar muita retórica e pseudo-argumentação.
A propósito, texto sobre a argumentação é de um tal Michel Meyer, figura que rigorosamente nenhum livro de lógica de referência cita ou refere e que nenhum estudioso sério da lógica sabe sequer quem é. Fala muito de lógica mas nada sabe do que fala. Chega mesmo a ponto de opor a lógica à argumentação. Nem sequer se trata apenas de as distinguir, mas de as opor. Assim, eu gostaria muito de saber como ficam aqueles professores que andam todo o tempo a enganar os alunos dizendo-lhes que a lógica é, em termos gerais, o estudo da argumentação. Ou, mais precisamente, o estudo da validade, sendo que a validade (e a invalidade) são propriedades de argumentos. Todos eles ficam a saber, através de Meyer e do exame, que isso está tudo errado.
Mais, os professores têm de deixar de chamar argumentos ao modus ponens, modus tollens, etc. E têm de deixar de dizer que há argumentos válidos e inválidos. Curiosamente, logo no grupo seguinte se pede aos alunos (em contradição directa com o que diz o texto de Meyer e se testa neste grupo) o seguinte: "teste a validade do argumento...", em que o argumento é, afinal, um silogismo e, novamente, em que o argumento é um modus ponens. Mas não tinha acabado de se dizer que isso não é argumentação mas antes lógica?
Enfim, uma loucura completa!
E, nesse mesmo grupo, ainda há, mais uma vez, uma escolha múltipla em que nenhuma opção é verdadeira. Na 1.1 pretende-se que a resposta certa é a D (Versão 1), mas essa é falsa. Eles pensam que um modus ponens, por exemplo, é uma inferência necessária. Mas isso é errado, pois não é a inferência que é necessária; é a conclusão que se segue necessariamente das premissas, o que é completamente diferente. O exemplo dado no grupo seguinte sobre Cícero, por exemplo, não é uma inferência necessária: não é necessário que alguém infira tal coisa. Alguém fazer aquela inferência é um facto contingente do mundo. O meu gato tem necessariamente coração; mas o meu gato não é uma entidade ou um ser necessário, pois podia não ter nascido.
Haveria mais para dizer, mas nem sequer tenho paciência. E nem quero imaginar a paciência que tenho de ter para corrigir os que esperam mim na segunda-feira.
Este exame parece-me excessivamente fácil e insuficientemente pertinente. Peca pela repetição. É certo que não deveria ser muito mais difícil do que o da primeira fase (para não criar situações de injustiça), mas não deveria ser tão fácil como é.
A distinção e mesmo oposição entre argumentação e demonstração está sugerida no Programa: demonstração, “domínio do constringente”; argumentação, “domínio do verosímil”, a procura (incondicional?) da “adesão do auditório”...
A confusão está aí, no programa, nessa "Argumentação e Retórica" apresentada como argumentação ou demonstração...
Quanto à distinção entre "inferência necessária" e "a conclusão que se segue necessariamente das premissas", tenho que admitir a minha estupidez, pois sou de facto incapaz de enxergar onde se quer chegar. Porque não sou hábil a perceber que, quando “se infere necessariamente”, não há uma “inferência necessária”, nem na verdade a distinguir entre "seguir-se necessariamente das premissas" e "inferir-se necessariamente"...
No argumento de Cícero, por exemplo, o que está em causa não é qualquer abordagem metafísica, mas tão só lógica. Isto é: qualquer mundo possível, que seja ou não seja o caso, onde o que é seja o que é, não sendo o que não é, seja o que for que aí seja o caso, há-de ser (verdade) que, se Cícero cativa o auditório se é um orador persuasivo, então, se Cícero é um
orador persuasivo, necessariamente Cícero cativa o auditório. Não há, nem pode haver, qualquer condição pensável em que essa inferência não seja necessária – excepto no domínio do não ser, do que não é pensável, do qual nada se pode dizer, nem sequer que essa inferência não é válida. Existam ou não cíceros, um cícero, ou nenhum cícero, a verdade é que, se for necessário que um cícero orador persuasivo cative auditórios, então, se for o caso (quer seja ou não seja de facto o caso) de ocorrer um cícero orador persuasivo, então ele cativa o auditório. E isto é independente da existência ou não existência do cícero em causa. A inferência é que é necessária, não a ocorrência da mesma. Não é necessário que ocorra um cícero qualquer para que a inferência seja. A->B; A; Logo, B. Mesmo num mundo em que não existam A’s. E mesmo num mundo em que não existam B’s, desde que também não existam A’s.
Também se tem dito que não se justificam falácias. Mas, se é verdade que se pode dizer que não é a falácia que se justifica, mas sim o juízo que classifica um argumento como falácia, não é verdade que não se possa justificar a resposta na qual se identificou uma falácia, pois aí o que se deve fazer é justificar essa identificação. Isto é, apontei, depois devo dizer o que me permitiu saber para onde apontar.
Não, Luís, a oposição entre lógica e argumentação não só não está sugerida no programa como é dito exactamente o oposto disso, e muito bem.
Leia a seguinte passagem das orientações para o exame, por favor:
«Em 1.1. Distinção validade – verdade, dever-se-ão abordar as seguintes noções:
a) A lógica como disciplina que tem por objetivo a avaliação sistemática de argumentos quanto à sua validade dedutiva;
b) A noção de argumento válido como aquele em que a conclusão é uma consequência lógica das premissas tomadas em conjunto.»
Está aqui chapado que a lógica tem por objectivo a avaliação sistemática de argumentos. Portanto, o objecto da lógica é a argumentação. O texto de Meyer é que se opõe claramente a isto e opõe-se também ao que é indisputado entre os próprios lógicos.
Aliás, basta abrir qualquer manual do 11º ano e lá encontramos (aposto que em todos, se bem que não me tenha dado a esse trabalho) claramente a afirmação de que a lógica estuda a argumentação ou a validade, sendo que esta é uma propriedade dos argumentos.
Essa história sobre o domínio do constringente e sobre o domínio do verosímil, além de ser uma enorme confusão baseada numa incompreensão do que dizia Aristóteles, não significa que de um lado está a lógica e do outro está a argumentação.
Mais, Meyer não diz simplesmente que são coisas diferentes, vai ao ponto de dizer que se opõem. Ora, isto é uma completa tontice de quem diz a primeira coisa que lhe passa pela cabeça.
Quanto ao exemplo de Cícero, Luís, não se trata efectivamente de uma inferência (ou argumento) necessária. O Luís limita-se a provar que em qualquer mundo possível em que Cícero é tal e tal, se segue NECESSARIAMENTE que P. Mas o Luís está a confundir a ideia de que a conclusão seguir-se necessariamente das premissas é o mesmo que a inferência ser necessária. Mas não é assim, Luís. O que é necessária é a relação de consequência lógica entre aquela conclusão e aquelas premissas, não a própria inferência. Uma coisas é necessitar uma dadas relação entre afirmações e outra bem diferente é necessitar a própria inferência. E isto é independente de se tratar de necessidade metafísica, nómica (física, natural), lógica ou conceptual.
Já agora, só mais um pormenor acerca do que diz. As inferências (ou argumentos) não existem por aí à espera de serem descobertas. Somos nós que inferimos (ou argumentamos), pelo que uma dada inferência ou argumento não existe antes de o produzirmos (isto é, antes de argumentarmos).
Quanto às falácias, claro que se justificam! Se alguém me apontar que o que digo é uma falácia, terá de me explicar porquê. Não basta dizer que se trata da falácia tal, sem mais, até porque pode estar enganado.
Luis, há uma passagem importante do seu comentário que acabei por não comentar, apesar de lhe ter respondido indirectamente. Mas acho que vale a pena esclarecer melhor as coisas.
Diz o Luís:
«Quanto à distinção entre "inferência necessária" e "a conclusão que se segue necessariamente das premissas", tenho que admitir a minha estupidez, pois sou de facto incapaz de enxergar onde se quer chegar. Porque não sou hábil a perceber que, quando “se infere necessariamente”, não há uma “inferência necessária”, nem na verdade a distinguir entre "seguir-se necessariamente das premissas" e "inferir-se necessariamente"...»
Vou tentar esclarecer a distinção com uma analogia que torna as coisas mais claras. Imagine que o que está em causa é a possibilidade (o outro operador modal), em vez da necessidade. Repare nas seguintes duas afirmações:
1. Posso não dar aula na próxima sexta-feira.
2. Não posso dar aula na próxima sexta-feira.
Como pode ver, ambas as frase são compostas exactamente pelas mesmas palavras, com uma pequena diferença: na 2, a negação (não) vem antes do operador modal de possibilidade (posso), ao passo que na 1, a negação vem depois do operador modal de possibilidade. Isto é irrelevante? Claro que não, pois o âmbito da negação é diferente nas duas afirmações: na 2 nega-se a possibilidade de algo ocorrer (eu dar a aula de sexta-feira), na 1 não se nega tal possibilidade.
É por isso que se eu afirmar 2 e nenhum aluno aparecer na sala de aula, tudo certo. Mas se eu tiver afirmado 1 e nenhum aluno aparecer na sala de aula, algo estranho se passou.
Ora, do mesmo modo, dizer da inferência que é necessária não é o mesmo que dizer que a conclusão se segue necessariamente das premissas. A necessidade em causa é, nos dois casos, atribuída a entidades diferentes. Num caso é atribuída à própria inferência; no outro ao tipo de relação que há entre aquela conclusão e aquelas premissas. Dizer que a inferência é necessária é o mesmo que dizer que ela existe em todos os mundos possíveis. Ora, isso é manifestamente falso. Por sua vez, dizer que a conclusão se segue necessariamente daquelas premissas é o mesmo que dizer que: em qualquer mundo possível em que aquelas premissas sejam verdadeiras, a conclusão também o será. Como vê, coisas distintas.
Espero ter ajudado a esclarecer melhor as coisas. Será?
Suponho que o que o Aires pretende então dizer é que a implicação não é necessária. Ou seja, o Aires pretende dizer que: que A implique B não é necessário. Será que é isto que o Aires está a dizer? Pois se é, concordo plenamente. E claro que não há nenhuma implicação por aí a voar. Somos nós que dizemos encontrá-las na regularidade das sucessões...
Mas isto era de algum modo posto em causa na pergunta de escolha múltipla visada? Não me parece. O aluno tinha apenas que perceber que, segundo o texto, a demonstração é qualquer coisa que procede por inferências simultaneamente válidas e necessárias. E esta distinção entre argumentação e demonstração, independentemente de estar certa ou errada, está no texto. Venha isso de uma má leitura do que diz Aristóteles ou do que diz São Tomás!
Vi agora a sua resposta anterior...
Ainda não percebi, de facto... pois, parece-me que, em qualquer mundo pensável, se
A implica B, e
A ocorre, então
B ocorre necessariamente.
O que me parece não ser necessário não é a inferência, isto é, B, uma vez que A, dado que A->B. Pois a inferência de B há-de ser necessária em qualquer mundo que o Aires possa pensar.
Se falamos da implicação de A->B; então, estou perfeitamente de acordo: nem neste mundo onde estamos é necessário que A->B. Por isso mesmo ela é dada por premissa. Premissa que poderá ter sido induzida a partir de um conjunto de observações, mais ou menos coincidentes, acerca de A e B, etc.
Luís, o exemplo que dá acaba por ser esclarecedor. Diz:
«Ainda não percebi, de facto... pois, parece-me que, em qualquer mundo pensável, se
A implica B, e
A ocorre, então
B ocorre necessariamente.»
Veja lá onde meteu o operador modal de necessidade? Diz que ocorre necessariamente a conclusão (caso ocorram as premissas), mas NÃO diz que a inferência ocorre necessariamente.
Estou a tentar explicar isto sem recorrer à formalização na linguagem da lógica modal, pois talvez não seja adequado usar aqui isso. A formalização torna a diferença claríssima.
Mas, evitando os símbolos modais, o que o Luís confunde é isto:
Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.)
com isto:
(P -> Q e P) -> Necessariamente Q
A formalização acima exprime uma falsidade ao passo que a formalização abaixo exprime uma verdade.
Mas o Luís insiste que são a mesma coisa. Só que não são, pois o âmbito do operador modal de necessidade aplica-se, no primeiro caso, a toda a fórmula e, no segundo caso, apenas à consequente da condicional.
Será que, de uma forma menos intuitiva, consegui desta vez tornar clara a diferença?
Bem, continuo sem perceber.
Note que eu não me estou a referir ao que se diz ou escreve sobre o assunto. Estou a referir-me àquilo que podemos ou não podemos pensar, sem nos contradizermos. E neste sentido, de facto, não vejo nenhuma clareza naquilo que diz.
Por mim, pode utilizar a linguagem modal, mas suspeito que ela mantém exactamente o mesmo véu sobre o assunto.
Claro que
Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.)
é diferente de
(P -> Q e P) -> Necessariamente Q
O que eu não percebo de todo, porque não o consigo pensar, é que
(P -> Q e P) -> Não Necessariamente Q
Percebe onde quero chegar? Não estou, obviamente, a pedir que me explique o que alcance dos operadores!
Deixe-me fazer-lhe outra questão que talvez torne mais claro onde quero ir.
Se faz a suspensão sobre se
(P -> Q e P) -> Necessariamente Q
De onde lhe chegou que
P -> Q
?
Ou:
que quer dizer
P -> Q
se
(P -> Q e P) -> Não necessariamente Q
?
Se o Aires me diz que não é verdade que
Necessariamente que: (P -> Q e P. Logo, Q.)
Então, colocando (P -> Q e P. Logo, Q.) como P, será que o Aires está a dizer que
P -> (P V ~P)
?
Ou está simplesmente a dizer que não é necessário que qualquer coisa como "->" ocorra? Isto é, será que o Aires está a colocar em suspensão, não que A -> B, mas que exista de todo em todo algo a que chamar "->"?
Espero estar a ser claro no ponto que quero colocar em questão.
Luís, deixe-me dizer-lhe que insiste em não olhar para o que é relevante. Por exemplo, quando escreve:
«Claro que
Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.)
é diferente de
(P -> Q e P) -> Necessariamente Q»
reconhece aqui que são afirmações diferentes. Ora, quando diz que a inferência tal é necessária, está a afirmar o que está acima. E essa é uma afirmação FALSA, Luís!
A de baixo é verdadeira, mas não é a tradução correcta (eu aqui tive de condicionalizar os argumentos para as coisas ficarem mais claras) do que o Luís e o exame afirmam.
Mas o Luís acrescenta algo que não se entende bem:
«O que eu não percebo de todo, porque não o consigo pensar, é que
(P -> Q e P) -> Não Necessariamente Q
Percebe onde quero chegar? Não estou, obviamente, a pedir que me explique o que alcance dos operadores!»
Ora, Luís, o que tem esta sua última fórmula a ver com a discussão? Ela é uma falsidade lógica e nem sequer me passa pela cabeça afirmar tal coisa. Basta compreender a diferença entre as formulações acima para ficar esclarecida a diferença entre
1. A inferência tal é necessária.
e
2. Na inferência tal, a conclusão segue-se necessariamente das premissas.
Dizer que a inferência tal é necessária é o mesmo que dizer que essa inferência concreta não poderia deixar de ser produzida.
Dizer que a conclusão se segue necessariamente das premissas é dizer que, afirmando tais premissas, segue-se necessariamente aquela conclusão.
Se continuar a não ver diferença, não sei o que lhe posso dizer mais. Isto é apenas uma questão de lógica.
Tal como é uma questão de lógica a diferença entre dizer que Sócrates existiu necessariamente ou que se Sócrates existiu ele era necessariamente um ser humano. A primeira afirmação é claramente falsa e a segunda é verdadeira.
"Dizer que a inferência tal é necessária é o mesmo que dizer que essa inferência concreta não poderia deixar de ser produzida."
Aqui está alguma coisa que eu consigo perceber.
Eu não disse que eram a mesma coisa. Estava a perguntar o queria o Aires dizer por não ser a inferência verdadeira. Porque a afirmação não é clara. Se é, então eu assumo que sou eu que sou limitado.
Mas se o que o Aires estava a dizer era que:
tomemos um mundo onde comer implica engordar. Nesse mundo, quem come, engorda. É necessário que engorde quem come. Mas não é necessário que a implicação ocorresse. Isto é, o mundo em questão poderia ser diferente daquilo que é. Poderia ser que comendo-se, não se engordasse. Podia ser que não se engordasse, mesmo comendo-se.
O que me parece é que aqui o que não é necessário é que esse caso particular (digamos p) implique outra ocorrência (digamos q).
Que p -> q não é necessário. Mas ainda aí nesse mundo (se ele for pensável), se P -> Q, e P; logo Q. E nesse mundo, se ele é algo do qual alguma coisa se pode dizer,
Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.)
Ou seja, se podemos falar disso que estamos a falar, dizendo alguma coisa com as palavras, isto é assim. Nesse mundo esta regra é necessária. O que nesse mundo poderá não ser o caso é que um certo evento p implique q. Mas se for o caso de implicar, e aí existirem p's, há-de ocorrer q.
Quando me diz que
Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.)
fico a pensar que me diz que está a dizer que esta regra metalógica poderia não existir. Ora, até pode ser que seja esse o caso, mas então teríamos que averiguar se de facto alguma coisa poderíamos pensar sobre isso.
Então, concluindo, o que eu compreendo é que as implicações particulares entre coisas que ocorrem ou se pensam não são necessárias (pelo menos algumas delas), pois poderia ter acontecido que uma não implicasse a outra, apesar de acontecer que uma implique a outra, ou de nós assumirmos essa implicação.
Por isto tudo é que para mim não é evidente que a correcção que diz ser necessária no exame trouxesse mais clareza sobre o assunto do que a formulação usada no mesmo.
Penso que desta vez consegui esclarecer a razão pela qual não percebo o que quer dizer que a inferência não é necessária, ou que o modus tollens não é necessário. E perdoe-me se lhe parece que estou a insistir no mesmo.
Só para esclarecer:
não estou a dizer que o Aires defende que, se A -> B, se A ocorre, então não é necessário que ocorra B.
Estou a dizer que a expressão "a inferência não é necessária" não é clara e pode induzir esse equívoco, dado que uma inferência é um processo mental, uma certa forma lógica, pela qual se deriva uma conclusão de certas premissas. E a premissa p -> q não é uma inferência. Que p -> q é que não é necessário...
E concomitantemente, não vejo a necessidade da correcção do enunciado.
Errata. Onde está
"Quando me diz que
Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.)
fico a pensar que me diz que está [...]"
deve ler-se
"Quando me diz que
Necessariamente: (P -> Q e P. Logo, Q.) é uma falsidade
fico a pensar que me diz que está [...]"
Luís, vou tentar novamente e, se não conseguir desta, vou ter de desistir, não leve a mal. O problema talvez seja meu, pois penso ter sido muito claro e, se calhar, não fui.
A sua conversa sobre as implicações não ajuda e até acaba por introduzir ruído.
Vou tentar pela ultima vez. Começando pelo mais elementar, uma definição instrumental de necessidade:
X é necessário se não poderia deixar de ser o caso.
Por exemplo, se for uma verdade necessária que a água é H2O (há quem dispute isso), então não poderia ser o caso que a água não fosse H2O.
Certo?
Agora podemos dizer também o seguinte:
X não é necessário se (apesar de X ser o caso) poderia não ser o caso.
Por exemplo, Aristóteles é o autor da Metafisica. Isto é uma verdade, mas não é uma verdade necessária, pois poderia ser o caso que o autor da Metafísica fosse afinal outro filósofo, que assinou com o nome de Aristóteles sem o ser. Ou porque Aristóteles se tivesse dedicado à pesca em vez de se dedicar à filosofia e nunca tivesse escrito livros.
Vejamos agora isto aplicado ao exemplo da inferência sobre Cícero:
A inferência tal (sobre Cícero) não poderia deixar de ser o caso (não poderia deixar de ser produzida, existido, proferida, etc.)
Dizer que a inferência é necessária é dizer isto que acabei de referir. Ora, isto é claramente FALSO, Luís.
Mas o Luís confunde sistematicamente o que acabou de ser dito com a seguinte afirmação verdadeira (esta sim, verdadeira):
Na inferência tal (sobre Cícero), a conclusão segue-se necessariamente das suas premissas.
Só que isto é diferente daquilo e não é isto que se afirma no exame, é aquilo. E aquilo é falso. Não há volta a dar.
Mas, pelos vistos, tenho de reconhecer que o erro talvez não seja assim tão grave, caso se confirme que a confusão é generalizada. Só que nem por isso deixa de ser um erro. E a filosofia devia servir para fazer precisões conceptuais rigorosas, ensinado os estudantes a pensar com o rigor e subtileza indispensáveis.
Para dizer qualquer coisa como se tudo fosse mais ou menos o mesmo, não seria necessário estudar filosofia. acho que o Luís concorda comigo, ao menos neste aspecto.
Cordialmente
Sim, concordo consigo nesse aspecto.
Fiquemos por aqui. Enfim, não sei se não serei eu que não me fiz explicar. É que parece pelo seu comentário que eu não percebo que aquilo que acontece, as coisas que são, poderiam não ser. Mas não foi isso que eu tentei mostrar. Vou tentar também uma última vez.
Quando diz
A inferência tal (sobre Cícero) não poderia deixar de ser o caso (não poderia deixar de ser produzida, existido, proferida, etc.)
Repare bem se está de facto a referir-se à inferência (processo mental), ou à implicação.
O que poderia nunca ter acontecido era que p -> q.
A inferência em causa, o modus ponens, nunca poderia não ter acontecido. Ou seja, não é a forma lógica que poderia não se verificar (note que isto também pode ser defendido e há quem o defenda). O que poderia não se verificar é que um certo evento ou classe de eventos, implicasse (necessariamente) outro evento ou classe de eventos.
A sua frase "A inferência tal (sobre Cícero) não poderia deixar de ser o caso (não poderia deixar de ser produzida, existido, proferida, etc.)" permitiu-me, talvez, adquirir mais um pequeno avanço na coisa:
Há um sentido em que perceberia a aplicação da expressão "a inferência não é necessária": é se com isso se estiver a dizer que poderia não existir nenhum ser capaz de inferir. Nesse caso não haveria inferências, pois não haveria qualquer ente capaz de logos, raciocínio, lógica, ou o que se lhe quiser chamar. Por exemplo, um mundo onde nenhum humano (nem anjo, nem deus, nem ET's inteligentes, etc.) existisse. Então, este é mais um sentido em que eu compreendo a utilização da expressão em causa: seria possível não existirem seres capazes de inferir, logo não existiriam inferências. Mas, como dá para perceber, também isto é confuso. Porque pode parecer que se está a dizer que, sem seres capazes de inferir, deixaria de ser verdade que, se P -> Q; P; Logo Q. O que não pode ser dito. E aqui nasce todo um outro problema metafísico... e que, mais uma vez, obscurece o que significa "inferência não necessária".
Deixemos então por aqui. Mas por favor não pense que eu penso ser necessário que seja o que for que seja o caso não poderia não ser o caso. Se bem que também sobre isto tenho muitas dúvidas e muito pouco conhecimento, e nenhuma certeza!
Também concordo consigo quando diz que a Filosofia "devia servir para fazer precisões conceptuais rigorosas". Há só um aspecto que acrescento: essa precisão deve introduzir um factor de esclarecimento, e não tornar mais obscuro aquilo que se pretende dizer.
Luís, eu já estou a deixar de lado a ambiguidade do termo "inferência", que tanto pode, por um lado, designar o acto mental de inferir como, por outro, o seu conteúdo ou, se preferir, o seu significado. Deixo-a de lado porque não altera nada do que disse.
Seja como for, eu não estava mesmo a falar do acto mental. Quando digo que a inferência não é necessária estou mesmo a dizer que "Se gosto de filosofia, gosto de lógica. Gosto de filosofia. Logo, gosto de lógica" não é uma inferência necessária, seja em qual desses sentidos for.
Não sei o que posso dizer mais.
Bem, e o que eu digo é que dizer «que a inferência não é necessária estou mesmo a dizer que "Se gosto de filosofia, gosto de lógica. Gosto de filosofia. Logo, gosto de lógica" não é uma inferência necessária» - não é algo claro. Se me disser que não é necessário que goste de filosofia, ou que pode acontecer que gostar de filosofia não implique gostar de lógica, ou que poderia nunca se chegar a proferir nenhuma inferência, ou que poderia acontecer que nenhuma coisa implicasse fosse o que fosse, - tudo isto percebo (se bem que ainda confusamente neste último caso). Mas ao ler a expressão "inferência não necessária" fico imediatamente cheio de dúvidas. Ou seja, o que está em causa nessa precisão, se de facto é mais precisa essa expressão, faria sentido, parece-me, num contexto em que muitas coisas fossem esclarecidas até chegarmos a uma noção claramente delimitada. O que não me parece ser o caso do exame de Filosofia.
Sr Aires Almeida, sou aluna do 11º de Filosofia, e deixe-me informá-lo que estou completamente de acordo com o seu ponto de vista, no qual defende que na demonstração não é a inferência que é necessária e válida mas sim a conclusão que se segue necessariamente das premissas que o é.
Porém, ao longo do seu discurso, deparei-me com uma dúvida. Mais especificamente: "eles pensam que um modus ponens, por exemplo, é uma inferência necessária".
Segundo aprendi, o modus ponens é uma falácia que ocorre quando se afirma o consequente em vez do antecedente, sendo então o silogismo que contém essa falácia um silogismo hipotético. Então, nesse caso, de que modo é que alguém pode pensar que o modus ponens é uma inferência necessária?
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