domingo, 18 de março de 2012

Porque é que a avaliação dos professores não foi avaliada?

Numa altura em que nas escolas e no Ministério da Educação e da Ciência se prepara a aplicação do novo modelo de avaliação dos professores (ver aqui a legislação agora em vigor e o novo estatuto da carreira docente), há uma coisa que salta à vista: a avaliação dos professores não foi avaliada.

Porque motivo o atual ministério não apresentou publicamente um balanço dos resultados obtidos com a aplicação do modelo de avaliação de professores anterior, agora revogado?

O que é que correu bem? O que é que correu mal? Qual foi o seu grau de eficácia? Quais as principais dificuldades detetadas na sua implementação? Qual o grau de credibilidade das classificações atribuídas? Qual foi o feedback dos professores avaliados quanto às classificações que lhes foram atribuídas? Quantas reclamações existiram?

Como é que se pode mudar o modelo anterior e implementar outro, sem fazer um balanço em que se responda a estas questões e se faça uma avaliação crítica dos resultados obtidos? Onde está o rigor e a transparência que o ministro Nuno Crato, antes de ser ministro, não se cansava de invocar?

Como se justifica, então, a introdução de mudanças no modelo anterior? E serão, de facto, as alterações introduzidas relevantes ou pura cosmética que permitirá que tudo continue a ser como até aqui?

Curiosamente, apesar de, em privado, muitos professores declararem a sua insatisfação com os modelos de avaliação socráticos e enumerarem exemplos de muitas injustiças a que este deu azo, poucos são os professores que assumem em público o que pensam.

Mas eu percebo porquê. As escolas são estruturas hierárquicas, onde o respeitinho é muito bonito e ideia da crítica e discussão poderem ser utilizadas para melhorar o que funciona mal é só para constar nos decretos do ministério. Na prática, fazê-lo poderá ser prejudicial, em termos pessoais e profissionais, para quem o faz. As escolas deixaram de ser sítios onde o que se diz e faz pode ser livremente discutido. É preciso pensar, com cuidado, com quem nos relacionamos, o que dizemos, o que fazemos e, naturalmente, nas relações pessoais e profissionais que estabelecemos. Os chamados aspetos  relacionais e éticos - éticos... - tal como no anterior modelo de avaliação continuam a ser contemplados no novo modelo de avaliação: 20% (da avaliação final) continua a ser respeitante à “participação na escola e relação com a comunidade”. Portanto, não basta investir na competência científica e pedagógica… É preciso investir nas relações interpessoais certas, pois destas depende – muitas vezes ou quase sempre – o convite para cargos, para a participação em projetos e outras atividades (é claro que, embora seja assim, não fica bem dizê-lo!). Portanto, na prática os que forem mais subservientes e fizerem menos ondas têm à partida mais hipóteses. Ou seja: quem não der graxa não se safa!

Sou apologista da avaliação dos professores e defendo que, tal como em qualquer outra profissão, é necessário distinguir os desempenhos e reconhecer o mérito dos profissionais realmente meritórios. Porém, depois de ter constatado a grotesca caricatura de “rigor, objetividade, imparcialidade e justiça” que alguns avaliadores, utilizaram no modelo anterior, não posso deixar de continuar a questionar-me e questionar o ministro Nuno Crato:

Como é que se avalia, no novo modelo, a dimensão da “participação na escola e relação com a comunidade”? Que instrumentos irão os avaliadores utilizar para distinguir as atividades em que um professor participa - e que são científica e pedagogicamente relevantes - das atividades folclóricas destinadas à mera promoção pessoal e ao interesse próprio? Como evitar a falta de transparência e de imparcialidade por parte dos avaliadores? Como evitar as injustiças decorrentes de critérios díspares aplicados por avaliadores dos diferentes departamentos numa mesma escola e os avaliadores de escolas diferentes?

Em suma: como evitar o descrédito, a sensação de injustiça e de falta de transparência de tudo isto a que agora se chama “avaliação de professores”? E que foi, em vez da promoção da qualidade do ensino, o principal resultado da avaliação feita no ano passado…

Creio que uma parte da resposta é: uniformizar e objetivar critérios e tornar todos os dados relativos à avaliação de cada professor (incluindo o relatório apresentado), obrigatoriamente, públicos. Um forte argumento a favor da transparência é que os outros professores da escola (à semelhança do que acontece com os alunos em sala de aula) devem conhecer e aprender com os colegas a quem são atribuídas classificações mais elevadas. Note-se que atualmente nem sequer as classificações atribuídas são divulgadas. Outra parte da resposta, entre várias outras que não posso agora desenvolver, é ligar a avaliação dos professores à avaliação externa dos alunos através de exames nacionais exigentes e pedagogicamente corretos.

Para terminar: um dos motivos, entre outros certamente, pelos quais a avaliação dos professores não foi avaliada é o facto de alguns dos avaliadores serem piores que os seus avaliados. Uma das várias provas que há desse facto é que alguns avaliadores avaliaram os colegas sem eles próprios terem sido avaliados nas aulas (assistiram às aulas dos outros e avaliaram-nas e não pediram para as suas serem assistidas e avaliadas).

5 comentários:

regina jeronimo disse...

Parabéns, colega e amiga.
Palavras verdadeiras e muito corajosas. Diz o povo, e eu concordo, "Quem não deve não teme!"

Sara Raposo disse...

Regina,

Agradeço o teu comentário. Bem-vinda à caixa de comentários! Espero que este seja o primeiro de muitos...São muito poucos os professores da escola que fazem comentários por aqui, serás uma das honrosas excepções.

Quanto ao conteúdo do que escrevi, preferia não ter razão, mas factos são factos...
Até amanhã.

F. Pinheiro disse...

Olá, Sara!

Concordo com a ideia de os resultados da avaliação de professores serem tornados públicos. Se os resultados dos alunos são tornados públicos, então, o mesmo deveria suceder com a avaliação dos professores. Não consigo vislumbrar uma razão para tamanho secretismo. Só se for para esconder situações pouco transparentes.
Em relação à vertente da avaliação relacionada com a relação da comunidade, parece que para o ministério é mais importante que os professores saibam organizar uma feira ou uma visita de estudo do que preparar adequadamente os seus alunos par a realização de um exame nacional.

Cumprimentos

F. Pinheiro

F. Pinheiro disse...

Olá, Sara!

Concordo com a ideia de os resultados da avaliação de professores serem tornados públicos. Se os resultados dos alunos são tornados públicos, então, o mesmo deveria suceder com a avaliação dos professores. Não consigo vislumbrar uma razão para tamanho secretismo. Só se for para esconder situações pouco transparentes.
Em relação à vertente da avaliação relacionada com a relação da comunidade, parece que para o ministério é mais importante que os professores saibam organizar uma feira ou uma visita de estudo do que preparar adequadamente os seus alunos par a realização de um exame nacional.

Cumprimentos

F. Pinheiro

Sara Raposo disse...

Fernando,

O que é realmente importante um professor fazer é algo que muitas pessoas, incluindo, professores, parecem não saber. Há professores que em vez de estudarem o que ensinam, se torna uma espécie de animadores culturais dos seus alunos e da escola: muito estilo e pouca substância, nada que incomode grande parte dos professores que prefere, sem dúvida, a vida "social" - proporcionada por múltiplas actividades e projectos - ao estudo, uma tarefa que exige maior esforço e proporciona menos popularidade no imediato.
Quanto à transparência, parece-me que aqueles que a exigem na avaliação dos alunos, a deviam exigir também na sua avaliação. Não consigo compreender que não o façam. Nem percebo os argumentos apresentados para não o fazer.

Cumprimentos.