terça-feira, 31 de maio de 2011

Será a vida uma brincadeira estúpida?

Tolstoi Tolstoi: famoso e importante escritor russo (1828-1910)

«"Muito bem, serás mais famoso do que Gogol, Pushkin, Shakespeare, Molière, mais famoso do que todos os escritores do mundo — e depois?"

E eu não encontrava resposta absolutamente nenhuma. (…)

E isto estava a acontecer-me quando tudo indicava que se devia considerar que eu era um homem completamente feliz; isto aconteceu-me quando não tinha ainda cinquenta anos. Tinha uma mulher bondosa e dedicada que eu amava, bons filhos e bens que cresciam sem qualquer esforço da minha parte. Era mais do que nunca respeitado por amigos e conhecidos, elogiado por estranhos, e podia dizer sem qualquer ilusão que gozava de uma certa celebridade. Além disso, não estava sem saúde física nem mental; pelo contrário, gozava de um vigor físico e mental que raramente encontrava em pessoas da minha idade. Fisicamente, podia acompanhar os camponeses no trabalho de campo; mentalmente, podia trabalhar entre oito a dez horas de seguida sem sofrer quaisquer efeitos do esforço. E nesta situação cheguei a um ponto em que não podia viver; e apesar de temer a morte tinha de usar ardis contra mim mesmo para não me suicidar.

Eu descrevia a minha condição espiritual da seguinte maneira: a minha vida era uma espécie de brincadeira estúpida e perversa que alguém me estava a fazer. Apesar de eu não aceitar a existência de qualquer "Alguém" que me pudesse ter criado, a noção de que alguém me trouxera a este mundo como uma brincadeira estúpida e perversa parecia-me a maneira mais natural de descrever a minha situação. (…)

Mas houvesse ou não alguém que se divertia à minha custa, isso não tornava as coisas mais fáceis para mim. Eu não conseguia atribuir qualquer sentido racional a um único acto em toda a minha vida.»

Leão Tolstoi, Confissão, A Arte de Pensar - http://aartedepensar.com/leit_tolstoi.html

3 comentários:

OTÁVIO JARDIM ÂNGELO disse...

Faz tempo que não tenho tempo para ler textos de filosofia...
Parabens pelo blog!
(http://daterraparaasestrelas.blogspot.com/)

SERGIO VIULA disse...

Maravilhoso texto! Assunto que tem me ocupado a mente vez por outra e quando o faz, faz por bastante tempo.

Ontem mesmo conversava com meu parceiro sobre isso: fama, dinheiro, trabalho, etc. - o que realmente interessa na vida?

Não invejo ninguém porque não vejo ninguém em condição melhor que a minha para que possa ser invejado. E aí, ter mais dinheiro do que eu, ter fama ou bens mais valiosos não me parece ser uma condição tão melhor, tendo em vista que todos laboram o vento no final das contas.

Fico, então, com Epicuro e sua filosofia da felicidade e da amizade... sempre trabalhando para que a dispensa tenha o suficiente para manter-me saudável e longevo. ;)

Abraço grande,
Sergio Viula
www.foradoarmario.net

rodrigueswilson disse...

Este texto é uma outra versão do texto pascaliano da "aposta", lança luz sobre ele e sobre o antagonismo finito-infinito. Pode esclarecer e ser esclarecido pelo texto de Pascal.