1. O argumento da humanidade do feto.
«Admitamos que é errado abortar no caso de o feto possuir o direito à vida. Será que o feto tem esse direito?
Um argumento contra o aborto baseado no direito à vida do feto muito frequente é o seguinte:
(1) Matar um ser humano inocente é moralmente errado.
(2) O feto é um ser humano inocente.
Logo, matar um feto humano é moralmente errado.
Peter Singer, no livro Ética Prática, chamou a atenção para a forma como a ambiguidade da expressão “ser humano” afecta o argumento. A expressão “ser humano” pode ser interpretada em dois sentidos muito diferentes, embora à primeira vista isso passe despercebido. Podemos utilizar para significar pessoa e utilizá-la para significar membro da espécie Homo sapiens. A ambiguidade é decisiva para avaliar o argumento.
Pertencer à espécie Homo sapiens é um facto estritamente biológico: significa no essencial, que um indivíduo tem certo genoma, isto é, um certo código genético contendo instruções para o desenvolvimento do organismo que o tornam distinto de outras espécies. Mas ser uma pessoa é um facto psicológico: implica um indivíduo racional e consciente de si, alguém que tem consciência de perdurar ao longo do tempo como um ser dotado de identidade própria, dotado de reflexão e de projectos para o seu futuro.”»
Pertencer à espécie Homo sapiens confere ao feto um estatuto especial, diferente dos seres vivos que pertencem a outras espécies?
Podemos dizer que o feto é uma pessoa e, por isso, tem o mesmo direito à vida que as pessoas já existentes?
2. O argumento da potencialidade.
Pode-se «defender que o feto tem direito à vida, uma vez que, embora não seja ainda uma pessoa, é claramente uma pessoa em potência. (...)
Ou seja:
(1) Todas as pessoas inocentes têm direito à vida.
(2) Os fetos são pessoas potenciais.
(3) Ter potencialmente um direito implica tê-lo de facto.
Logo, os fetos têm direito à vida.»
Mas será a terceira premissa verdadeira?
3. O argumento de um futuro como o nosso.
Don Marquis(…) em vez de discutir o direito à vida do feto a partir da identificação de uma propriedade psicológica (como ser pessoa) que lhe conferia esse direito, Marquis parte da ideia que tirar a vida a um ser humano adulto é, em princípio, moralmente errado; em seguida tenta responder à seguinte questão: porque é errado matar um ser humano adulto?
A estratégia de Marquis é simples. Nós assumimos que um ser humano adulto possui direito à vida. Uma vez identificada a característica em virtude da qual um adulto tem esse direito, basta determinar se o feto (ou recém-nascido) tem igualmente essa propriedade. Em caso afirmativo, o feto possui direito à vida; se não, não.
A resposta de Marquis a esta questão é surpreendentemente simples, mas rica em consequências. Matar um homem adulto é, em princípio, moralmente errado porque priva a pessoa de um futuro com valor (…).
A tese de Marquis é que um indivíduo possuir um futuro com valor significa que valoriza agora o conjunto de experiências pessoais nele contidas ou virá a fazê-lo mais tarde.
Esta proposta é bastante plausível. Embora ter um futuro seja estar na posse de algo que ainda não se concretizou (como ser uma pessoa em potência), ter um futuro com valor é algo que o feto já tem efectivamente em qualquer estádio do seu desenvolvimento; não é algo que apenas possua apenas potencialmente.
O argumento de Marquis a favor da imoralidade do aborto é o seguinte:
(1) Se um indivíduo tem um futuro com valor, então possui o direito à vida.
(2) O feto tem um futuro com valor.
(3) O aborto provoca a morte do feto.
Logo, o aborto é moralmente errado.»
Estes excertos foram retirados (e adaptados) do manual Logos, da autoria de Paulo Ruas e António Lopes, Editora Santilla, Constância, pp 187-199.
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