quinta-feira, 10 de junho de 2010

O aborto em debate: a opinião dos alunos (2)

Pedi aos meus alunos do 10º (turmas A e C) e 11º (turma B), que lessem alguns artigos filosóficos (disponíveis aqui) com argumentos a favor e contra o aborto e elaborassem um pequeno ensaio defendendo o seu ponto de vista.

O melhor ensaio a favor o aborto foi escrito pela aluna Inês Pedro do 10º C que, embora assinale algumas restrições a esta prática, considera o acto de abortar como eticamente aceitável em certas circunstâncias.

Eis a argumentação apresentada:

Na discussão ética sobre o problema do aborto, o que está em causa é se este é moralmente correcto ou não. A minha posição perante este problema, comummente discutido, é a favor mas apenas em certas situações. Não considero que o aborto seja a solução mais correcta sempre que uma mulher engravida. Deve ser apenas permissível em situações extremas, como por exemplo, se uma mulher for violada e engravida, não deverá ser obrigada a ter o bebé uma vez que se trata dum acto involuntário. Ou no caso de uma mulher engravidar - nomeadamente se for rapariga menor - e a vinda do bebé só lhe trazer consequências más a nível físico ou psicológico, ela poderá ter a hipótese de abortar. Mas em ambos os casos, o aborto só deverá ser feito nas primeiras semanas de gestação.

Embora haja, hoje em dia, meios contraceptivos com uma eficácia muito elevada, ainda não existe um que seja 100% seguro, o que significa que há uma probabilidade, mesmo que seja baixa, de a mulher engravidar usando um meio contraceptivo. Nesse caso, ela não tem o dever de ter essa criança. Se a mulher que engravida não quiser a criança ou se não estiver mentalmente preparada ou não tiver condições financeiras para suportar uma criança, então esta nunca terá uma infância como qualquer criança deve ter. E isso leva a que a criança não possa ser feliz, uma vez que não se sente desejada e nem a própria mãe conseguirá ser feliz, visto que nunca quis ter aquela criança. Nestes casos, podemos verificar que a mulher não teve culpa de ter engravidado e, portanto, as mulheres deverão ter a possibilidade de abortar, visto que o nascimento da criança não trará felicidade nem para a mãe nem para o filho. Há pessoas que refutam esta ideia dizendo que a mulher sabe os riscos que corre ao ter relações sexuais mesmo utilizando o preservativo e terá que se responsabilizar pelo seu acto. Então as mulheres só deveriam ter sexo quando quisessem ter filhos? Não me parece a melhor solução, uma vez que sexo não é somente sinónimo de procriar, é também uma demonstração de amor. Logo, ter sexo não implica ter um filho e, por isso, as pessoas que estão preparadas para ter relações sexuais não têm necessariamente que estar aptas para ter uma criança.

Muitas mulheres sacrificam o seu futuro pelos seus filhos. Por exemplo, há mulheres que engravidam (sem esse propósito) enquanto ainda são estudantes ou quando iniciam a sua vida profissional. Ora, o assumir da maternidade requer muita disponibilidade da parte da mãe e, por esse motivo, ela poderá não se conseguir concentrar na sua carreira e ser forçada a optar pelo filho. Nestes casos, a prioridade devia ser a vida da mulher e não a do filho, dado que este não é ainda um ser humano, tal como alguns filósofos defendem. O problema, quando se debate o aborto do ponto de vista ético, é saber qual é, afinal, a definição de ser humano?

Uma pessoa que fosse contra o aborto podia refutar esta última ideia (o feto ainda não ser humano) dizendo que um ser humano é aquele que descende da espécie Homo sapiens, e como um feto já é considerado um ser da espécie Homo sapiens, então a vida dele vale tanto como a da mãe e, assim, esta não tem o direito de abortar, ou seja, de matá-lo. Mas se ser um ser humano é apenas isso, então o que é que torna a espécie humana diferente de todas as outras espécies do planeta?

É necessário procurar uma definição mais precisa que permita distinguir os seres da espécie humana das restantes. Respondendo à questão colocada é o facto de sermos racionais e conscientes que nos torna diferentes dos animais das outras espécies. Contudo, um feto ainda não tem estas características, logo não pode ser considerado um ser humano. Com isto podemos concluir que a mulher não está a matar um ser humano ao abortar, mas sim a proteger os seus próprios interesses e direitos.

Em relação àqueles que consideram o aborto tão grave como o infanticídio, pode-se argumentar que estes dois actos não são comparáveis. Em ambos os casos trata-se da morte dum ser, só que um feto com poucas semanas ainda não tem capacidade de sentir dor (não é senciente), dado que não possui, numa fase inicial, o sistema nervoso central constituído, tal como demonstram alguns estudos efectuados por vários neurofisiologistas. Isto significa que se a mulher abortar o feto, este não vai sofrer, pois ainda não tem a capacidade de sentir dor ou outras sensações, por exemplo auditivas. No caso de infanticídio, o bebé já desenvolveu estas capacidades, e ao matá-lo ele está a sofrer. Assim, aplicando os pressupostos da teoria utilitarista, o aborto não trará dor ou sofrimento ao feto, ao contrário do infanticídio, em que a criança em causa sofrerá. Deste modo, se avaliarmos as consequências negativas do aborto para o bem-estar da mulher e do feto, concluímos que, numa fase inicial da gravidez, estas são mais prejudiciais para a mulher, que já é uma pessoa e é senciente, do que para o feto que não é senciente nem é uma pessoa. Os direitos da mulher, em particular o da liberdade de escolha, devem prevalecer em relação aos do feto. E, portanto, o aborto não é moralmente errado, o que não se acontece numa fase mais avançada da gestação.

Como é óbvio, o aborto não deverá ser o recurso para qualquer gravidez indesejada, pois isso iria levar a graves consequências para as mulheres, uma vez que não se iriam preocupar em utilizar meios contraceptivos durante as relações sexuais porque podiam abortar caso engravidassem. Mas há que ter em conta que o aborto é um acto doloroso, contra a natureza e pode ter consequências extremamente negativas para a mulher, tanto a nível físico como psicológico. Logo, só deverá ser permissível em situações extremas em que esteja em causa a felicidade e a integridade da mulher, pois essas é que são as prioridades.

Inês Pedro, 10º C

2 comentários:

Patrícia de Castro disse...

Parabéns ao texto de Inês Pedro!
Partilho de suas ideias. Penso que quem deve decidir se irá abortar é a mulher, afinal, é a sua vida que está em jogo. Ser mãe não é uma brincadeira, é algo sério, uma responsabilidade para a vida inteira. Portanto, ninguém melhor do que a mulher para dicidir por isso. No entanto, o que mais vemos são os homens decidindo por elas, e nesse caso, a igreja colabora muito nessa pressão. E igreja, lembremos, é uma representação masculina do poder paralelo em relação ao Estado.
Estou apreciando deveras seu blog, parabéns! Abraços

Sara Raposo disse...

Patrícia:

Obrigado pelas suas palavras amáveis. A Inês, que é uma excelente aluna, merece-as! Se quiser ter acesso a um ponto de vista diferente sobre o mesmo assunto, pode ler a opinião de outra aluna da mesma turma, Ana Nunes, que também se encontra neste blogue.
Cumprimentos.