Fiz, no final deste ano lectivo, um debate sobre o problema da eutanásia. Com o objectivo de se preparem para a discussão, os meus alunos das turmas C e G do 11º ano elaboraram, previamente, textos argumentativos em que defendiam os seus pontos de vista (podem ser lidos aqui). Destaco, entre os melhores, os que foram realizados pelos alunos (da turma G do 11º ano) João Martins, a favor da eutanásia e Victoria Zoriy contra.
Eis a argumentação a favor:
A eutanásia é o processo através do qual se põe termo à vida de um indivíduo enfermo de maneira controlada e auxiliada por um especialista. A sua prática e legalização são abordadas como um assunto controverso e que levanta algumas questões morais. Mas esta é uma discussão que, muitas vezes, as pessoas não gostam de ter, pois implica depararem-se com um dos seus maiores medos: a morte.
A reflexão acerca do problema da eutanásia, apesar da controvérsia existente, é extremamente pertinente, pois parte de situações concretas da atualidade e diz respeito a todos os seres humanos. Assim, é incompreensível a maneira como as pessoas se escandalizam quando se aborda este tema, como se a eutanásia fosse ela própria uma doença que se pudesse propagar através da discussão da sua moralidade.
Sendo a eutanásia um conceito muito genérico, é necessário, desde logo, fazer a distinção entre dois tipos: a ativa e a passiva. A eutanásia ativa é quando se acionam meios que põem fim à vida, sendo estes pensados pelo doente e pela pessoa encarregue de concretizar o ato; na passiva, há a renúncia da tomada de medidas e meios para impedir a morte. Dentro destes dois tipos, existe ainda a voluntária, que é a pedido do paciente, a não voluntária, quando o paciente não exprime a sua vontade de ser alvo da prática da eutanásia, e a involuntária, quando o paciente exprime que não quererá ser alvo de tal prática.
Do meu ponto de vista, a eutanásia devia ser legalizada e vista como moralmente correta em certas situações. Nomeadamente situações terminais ou quando a dor já se torne infernal e com um pedido sério, inequívoco do indivíduo. Neste caso, o facto deste nunca vacilar durante o processo seria essencial e bastante importante para determinar a sua prática, tendo também em atenção que a sua decisão deveria ser acompanhada de, pelo menos, dois pareceres médicos juntamente com o paciente e/ou a sua família. Ou seja, com a legalização da eutanásia, deveriam ser estabelecidas numerosas práticas de proteção que visassem evitar abusos, através da sua interpretação errada, como sendo algo de espírito suicida e não como sendo algo pensado e ponderado pelas pessoas envolvidas no processo. Defendo ainda que deveria ser permitida unicamente a eutanásia ativa e todos os tipos já referidos associados a esta.
Ao ser legalizada, a eutanásia passaria a ser um direito e não uma obrigação como a generalidade da população acredita. Por isso, se o indivíduo que o quer utilizar estiver na plena posse das suas faculdades mentais e, tomando essa decisão, se for bem ponderada e com todas as condições que já mencionei, esta deve ser respeitada e livre de qualquer tipo de interferência. É claro que os médicos que acompanham o indivíduo poderiam, com todo o direito que o título lhes confere, informar o enfermo de outras opções que não a eutanásia, mas é a vontade do indivíduo que deve prevalecer sempre. Se a sua vontade for morrer digna e autonomamente, o respeito que se exige pela sua autonomia atual - desde que não interfira na dos outros - deverá levar a que seja consentido o direito à prática da eutanásia.
Também defendo a legalização da eutanásia porque sujeitar um ser humano - que está a sofrer com dores agudas permanentes - a que continue a viver e, por isso, a sofrer, é desumano (até porque a vida deixa de ser digna nesse estado). Deixá-lo viver assim, num estado em que o sofrimento é uma tortura e continuar a sujeitá-lo, contra a sua vontade, a tratamentos dolorosos e degradantes viola os direitos que estão consagrados ao ser humano desde o seu nascimento, em particular a sua liberdade de escolha.
Os médicos devem ter em mente que o que deve prevalecer na relação com o doente é que este deve ser respeitado, não só a sua mais profunda vontade mas também, com ela, a sua felicidade, que, no presente, pode ser melhorada ao lhe aliviarem a dor e a sua ansiedade em querer morrer para que toda aquela aflição cesse através da morte que, como se sabe, mais tarde ou mais cedo chegará para todos.
Na minha opinião, devia adotar-se a eutanásia ativa e não a passiva porque é mais misericordiosa e não difere moralmente em nada da passiva, visto que ambas têm como objetivo final a morte do indivíduo. Mas, enquanto que os médicos podiam apenas administrar ao paciente o medicamento que lhe provocasse a morte de imediato (eutanásia ativa), o uso da passiva sujeitaria o paciente, dependendo do seu estado e situação, a uma espera de agonia e sofrimento intenso e que apenas serviria para o seu mal estar nas suas horas finais.
Poderão argumentar que o facto de eu defender o argumento da autonomia a favor da prática da eutanásia e ao mesmo tempo a eutanásia não voluntária e involuntária não faz sentido e tratar-se-á de um discurso lógico mal concretizado. Porém, tal como referi, a vontade do indivíduo deve ser respeitada acima de tudo, mas apenas quando este se encontra em plena posse das suas capacidades mentais. Defendi também que a sua família, nomeadamente a que pertence ao grau de parentesco mais próximo, teria um papel fundamental junto dos médicos e do indivíduo, estando a sua vontade imediatamente a seguir à deste.
Se o estado do paciente se agravasse e este estivesse de tal forma incapacitado e sem consciência, então os médicos teriam de consultar a sua família e esta, ao tomar uma decisão, substituiria a do indivíduo. É, por isso, moralmente correta a eutanásia, para além da voluntária, a não voluntária e a involuntária pois, apesar de ter defendido que as decisões do indivíduo não deveriam ser alvo de qualquer tipo de coerção, no caso de este se encontrar num estado de saúde em que já não lhe seja possível compreender de alguma maneira todo o mal a que está a ser sujeito por parte do seu organismo, a família, os entes queridos mais próximos devem ter o direito de decidir o que é melhor para este e para o seu sossego interior, visto que no futuro apenas o espera uma existência com péssima qualidade.
Se a pessoa deseja pôr fim à sua vida que seja legalmente, sem ser de forma clandestina e vista como criminosa, pois se esta não julga aqueles que não querem assentir a esta prática, estes também não devem poder julgar nem a ela nem à pessoa que a ajuda a concretizar este ato.
Em suma, defendo que a prática da eutanásia é moralmente permissível e, por isso, deve ser legalizada. Para que quem tome a decisão de ter uma morte digna não seja visto como quem comete suicídio. Quem opta pela eutanásia quer acabar com a vida para pôr fim a um sofrimento físico e psicológico atroz: este é um direito que qualquer pessoa deve ter.
João Martins, 11ºG
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