quarta-feira, 21 de abril de 2010

O senso comum não basta para compreender o mundo

A Gente Não Lê

(Composição: Carlos Tê / Rui Veloso)

Ai Senhor das Furnas
Que escuro vai dentro de nós,
Rezar o terço ao fim da tarde,
Só p´ra espantar a solidão,
Rogar a Deus que nos guarde,
Confiar-lhe o destino na mão.

Que adianta saber as marés,
Os frutos e as sementeiras,
Tratar por tu os ofícios,
Entender o suão e os animais,
Falar o dialecto da terra,
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais.

E do resto entender mal,
Soletrar assinar em cruz,
Não ver os vultos furtivos,
Que nos tramam por trás da luz.

Ai Senhor das Furnas,
Que escuro vai dentro de nós,
A gente morre logo ao nascer,
Com olhos rasos de lezíria,
De boca em boca passando o saber,
Com os provérbios que ficam na gíria.

De que nos vale esta pureza,
Sem ler fica-se pederneira,
Agita-se a solidão cá no fundo,
Fica-se sentado à soleira,
A ouvir os ruídos do mundo,
E a entendê-los à nossa maneira.

Carregar a superstição,
De ser pequeno ser ninguém,
E não quebrar a tradição,
Que dos nossos avós já vem.

5 comentários:

Sentado no Fim de uma Âncora disse...

Muito agradável ler e ouvir este poema. Para mim vem colocar uma brisa especialmente reconfortante para o meu dia. Obrigado

Sara Raposo disse...

Obrigada eu pela sua visita.
Espero que encontre outros bons motivos para ler este blogue!

Cumprimentos.

Sara disse...

O saber ler e escrever não será suficiente para compreender o mundo, mas será certamente condição sine qua non.
O poema de Carlos Té é muito bom. Não o conhecia, mas costumo gostar do que vem daqueles lados.

Sara Raposo disse...

Sara:
Concordo consigo. Há muitas pessoas que sabem ler e escrever, até podem ter estudado filosofia ou qualquer outra ciência, e não têm um genuíno interesse pelo conhecimento, nem este lhes produz qualquer tipo de deslumbramento.

O poema expressa o ponto de vista de alguém que vivendo apenas com o senso comum tem consciência das suas limitações, ou seja, da sua incapacidade de compreender o mundo a partir deste tipo de crenças. Contudo, há uma valorização do saber e uma certa consciência da ignorância que, muitas vezes, não encontramos naqueles que detêm conhecimentos de natureza científica ou filosófica. É curioso que assim seja e dá que pensar.
Cumprimentos.

Sara disse...

Não poderia estar mais de acordo.
Muito obrigada.