Em sociedade admitimos como legítima a imposição de certas restrições e, por vezes, obedecemos a regras ou leis com as quais não concordamos. Fazemos isso porque esperamos em troca que certos direitos nos sejam garantidos pelos governantes, por exemplo: a justiça, a privacidade, a liberdade de expressão e assim por diante.
Contudo, não será a necessidade de respeitar a autoridade do estado uma falsa crença que nos foi incutida para justificar a obediência?
Muitos defensores do anarquismo pensam que sim.
O texto seguinte apresenta algumas das ideias filosóficas em que se basearam os pensadores anarquistas para defender um modelo alternativo de organização social, onde se considera que o exercício da autoridade política do governo não é justificável do ponto de vista racional.
« (…) Peter Kropotkin, anarquista russo (…) conseguiu reunir provas impressionantes de cooperação no reino animal e outros anarquistas afirmaram - sem dúvida correctamente - que há exemplos infindáveis de cooperação não coagida entre seres humanos. Muitos filósofos e estudiosos das ciências sociais admitiram que mesmo agentes muitíssimo egoístas tenderão a desenvolver padrões de comportamento cooperativo, quanto mais não seja por razões meramente egoístas. No longo prazo, a cooperação é melhor para cada um de nós. Se o estado de guerra é prejudicial a todos, então as criaturas racionais e providas de interesse próprio acabarão por aprender a cooperar.
Mas, como observaria Hobbes de imediato, por muitas provas que tenhamos da existência de cooperação, e por mais racional que esta seja, há igualmente inúmeras provas da existência de competição e de exploração, e também isto parece muitas vezes racional. E, como a maçã podre, uma pequena medida de comportamento anti-social consegue transmitir os seus efeitos maléficos a tudo o que toca. O medo e a suspeição conseguirão corroer e desgastar grande parte da cooperação espontânea desenvolvida.
(…) Os anarquistas afirmam que nós propomos o governo como remédio para o comportamento anti-social, mas, em geral, os governos são precisamente a sua causa. Ainda assim a ideia de que o estado está na origem de todos os tipos de conflito entre os seres humanos parece inaceitavelmente esperançosa. De facto, parece que a tese se autodestrói. Se somos todos naturalmente bons, como surgiu um tal estado despótico, que origina a corrupção? A resposta mais óbvia é que uns poucos indivíduos ávidos e ardilosos, recorrendo a vários meios ignóbeis, conseguiram tomar o poder. Mas, então se essas pessoas existiam antes do estado aparecer - como é forçoso que existissem nos termos desta teoria - não podemos ser todos naturalmente bons. Por conseguinte, basear-nos até tal ponto na bondade natural dos seres humanos parece extremamente utópico.
Daí que alguns anarquistas mais ponderados tenham dado uma resposta diferente. A ausência de governo não implica que não possam haver formas de controlo social exercido sobre o comportamento individual. A pressão social, a opinião pública, o receio de uma má reputação, e até os mexericos, podem ter influência no comportamento individual. Aqueles que se comportarem de forma anti-social serão votados ao ostracismo.
Além disso, muitos anarquistas reconheceram a necessidade da autoridade dos especialistas na sociedade. Algumas pessoas sabem melhor como cultivar alimentos, por exemplo, e será sensato acatar os seus conselhos. E no seio de qualquer grupo numeroso são necessárias estruturas políticas que coordenem o comportamento ao nível da grande e média escala. Por exemplo, em alturas de conflito internacional, mesmo uma sociedade anarquista precisa de generais e de disciplina militar. O acatamento das opiniões dos especialistas e a observância de regras sociais podem também ser fulcrais em tempo de paz.
Afirma-se que tais regras e estruturas não equivalem a estados, pois permitem que os indivíduos se auto-excluam: por conseguinte, são voluntárias, num sentido em que nenhum estado o é.(…) o estado reivindica um monopólio de poder político legítimo. Nenhum sistema social anarquista, “voluntarista” faria tal.»
Jonathan Wolff, Introdução à filosofia política, Edições Gradiva, pp. 50-52.
1. Quais são as razões apresentadas pelos anarquistas para defender a existência de cooperação, mesmo entre seres egoístas? Como refutaria Hobbes essas razões?
2. Um dos pressupostos do anarquismo é a bondade natural dos seres humanos. Apresente uma objecção a esta concepção da natureza humana.
3. Alguns anarquistas não negam que a organização social implique a existência de determinadas estruturas e regras sociais. Como é que estas se distinguem, então, do estado?
Sem comentários:
Enviar um comentário