O governo aprovou recentemente uma proposta de lei que constitui uma revisão do Estatuto do Aluno. Esse Estatuto, ainda em vigor, no que diz respeito à assiduidade significou o fim da reprovação automática por excesso de faltas. Quando atinge um certo número de faltas, o aluno é sujeito a Medidas Correctivas (que consistem quase sempre em fichas de trabalho acerca da matéria leccionada nas aulas a que faltou). Caso falte mais algumas vezes depois de fazer as Medidas Correctivas, tem de fazer uma Prova de Recuperação. Caso não obtenha aprovação nessa Prova, os professores reúnem-se e discutem se o aluno deve ou não ser excluído. Nas várias fases desse processo, o professor de cada disciplina e o Director de Turma trocam vários documentos informativos, tendo também o Director de Turma que informar por escrito o Encarregado de Educação. Não sei se isso se passa em todas as escolas, mas na minha, antes da realização de Medidas Correctivas e de Provas de Recuperação, o professor tem de apresentar um documento escrito ao aluno com a data e este assina declarando que tomou conhecimento.
A experiência de muitos meses mostra aquilo que o simples bom senso permitia perceber a priori: as Medidas Correctivas e as Provas de Recuperação não têm nenhum impacto positivo na aprendizagem dos alunos e não dissuadem os alunos pouco empenhados de faltar. O seu único efeito tem sido sobrecarregar os professores com trabalho inútil (muitas vezes fora do seu horário) e desviá-los do que realmente importa: lerem, pesquisarem e prepararem boas aulas. Uma colega contou-me que, no início da implementação do Estatuto do Aluno, ao explicar aos alunos o seu conteúdo, um deles, particularmente perspicaz e desbocado, disse: “Boa! Nós faltamos e os professores é que têm o trabalho… Baldamo-nos e os professores é que se lixam!”
Segundo o jornal Público, no preâmbulo da referida proposta de lei é dito que as “Provas de Recuperação (…) acabaram por ser um incentivo para os estudantes darem ainda mais faltas”. O que é falso. O que fez os alunos faltarem mais do que faltavam antes foi o fim da reprovação automática por excesso de faltas. Os alunos pouco empenhados interpretaram isso como uma licença para faltar impunemente. Acabando a reprovação automática por excesso de faltas nenhuma medida impedirá os alunos pouco empenhados de faltar - nem as Provas de Recuperação nem nenhuma outra medida. O Estatuto que está agora a ser revisto desresponsabiliza os alunos e promove o insucesso e o abandono escolar.
A referida proposta de lei determina o fim das Provas de Recuperação (o que é bom), mas não o regresso da reprovação automática por excesso de faltas (o que é mau e anula qualquer outro efeito positivo). Por isso, se a Assembleia da República a aprovar e a proposta se tornar realmente lei, o número de faltas não diminuirá. O que fará o insucesso escolar aumentar e o abandono escolar aumentar na realidade e diminuir nas estatísticas (pois os alunos faltarão às aulas e não realizarão as aprendizagens e as avaliações, mas continuarão inscritos).
De acordo com a proposta do governo, sempre que um aluno atingir o limite de faltas deverá realizar “medidas de apoio pedagógico diferenciado”. Estas são, ao fim e ao cabo, Medidas Correctivas com outro nome. Não é difícil calcular que serão tão ineficazes como as suas antecessores. Ineficazes pedagogicamente, mas eficazes a sobrecarregar os professores com trabalho inútil e a desviá-los das tarefas realmente importantes. Pelo menos no que diz respeito à assiduidade, a proposta de revisão é quase tão má como o próprio Estatuto.
Se a Assembleia da República aprovar a proposta do governo, os alunos pouco empenhados poderão continuar a dizer: “Baldamo-nos e os professores é que se lixam!” Esperemos, por isso, que os deputados tenham lucidez e bom senso suficientes para rejeitar esta péssima revisão do péssimo Estatuto do Aluno.
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