Num dos seus discursos, elogiando a constituição ateniense Péricles terá dito o seguinte:
“O regime político que nós seguimos não inveja as leis dos nossos vizinhos, pois temos mais de paradigmas para os outros do que de seus imitadores. O seu nome é democracia, pelo facto de a direcção do Estado não se limitar a poucos, mas se estender à maioria; em relação às questões particulares, há igualdade perante a lei; quanto à consideração social, à medida que cada um é conceituado, não se lhe dá preferência nas honras públicas pela sua classe, mas pelo seu mérito; nem tão pouco o afastam pela sua pobreza, devido à obscuridade da sua categoria, se for capaz de fazer algum bem à cidade.”
Tucídides (séc. V a.C)
Ainda que existam diferenças significativas entre o modo como os gregos entenderam a democracia e as democracias actuais, continuamos a identificar, no discurso de Péricles, algumas das características desta forma de governar, por exemplo: a igualdade dos cidadãos perante a lei e o reconhecimento baseado no mérito.
Serão estes atributos do regime democrático, em muitas ocasiões, meros ideais da Constituição, que são ignorados pelos políticos?
Esta é uma questão que o cidadão comum coloca, de certo, a propósito da implementação de certas medidas que afectam a sua vida.
Vejamos um exemplo: a decisão do actual governo considerar no concurso dos professores a avaliação atribuída no ano lectivo transacto.
A aplicação deste modelo de avaliação foi alvo de uma grande contestação. Esta deveu-se, entre outros motivos, à falta de objectividade e de imparcialidade dos critérios utilizados. A avaliação do desempenho profissional dos professores, dentro de cada uma das escolas, foi pouco transparente e houve da parte dos envolvidos (de muitos) um sentimento de arbitrariedade e injustiça em relação às classificações atribuídas.
Além disso, as diferentes escolas não interpretaram nem aplicaram da mesma forma, e ao mesmo tempo, as directrizes emanadas do ministério da educação. Quando comparamos o que aconteceu, no ano lectivo passado, em escolas diferentes constatamos ter existido uma total arbitrariedade do ponto de vista administrativo, ou seja, um tratamento desigual das pessoas que se encontravam em situações semelhantes. Onde está a igualdade perante a lei que deve ser salvaguardada num regime democrático?
Será justo, então, as classificações atribuídas – que não permitiram distinguir o mérito profissional – serem um critério para, no concurso dos professores, alguns ficarem com maior graduação profissional e passarem à frente de outros?
Será este o tratamento igualitário que os cidadãos devem esperar numa democracia?
Nota: o texto de Tucídides foi traduzido por Maria Helena da Rocha Pereira a partir do grego e pode ser encontrado no livro: Hélade, antologia da cultura grega, 5ª Edição, Coimbra, 1990, pág. 295.
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