Utilizamos palavras como “bem”, “mal”, “altruísmo”, “egoísmo” e “solidariedade”, por exemplo, para caracterizar certas acções, pessoas ou situações. Expressamos, então, “juízos de valor”. Quando estes se referem àquilo que devemos ou não fazer, ao que está certo ou errado, chamam-se “juízos morais”.
Nestes dias, perante as imagens avassaladoras da destruição provocada pelo sismo no Haiti, o significado de algumas expressões dos manuais de Filosofia como “os valores orientam e justificam as acções humanas” podem, talvez, tornar-se mais compreensíveis:
- Quando vemos médicos a lutar, por vezes impotentes e sem meios, para salvar pessoas, percebemos melhor o autêntico significado do valor da solidariedade.
- Quando vemos os bombeiros de Nova Iorque a salvar crianças dos escombros, percebemos melhor o sentido do amor ao próximo e do altruísmo.
- Quando vemos pessoas que usam a violência para se aproveitarem, nestas circunstâncias, da miséria e da desgraça alheias, percebemos melhor o significado da maldade e do egoísmo.
Referi estes exemplos nas aulas, ao explicar a teoria do subjectivismo moral. Segundo esta teoria filosófica, o valor de verdade dos juízos morais é relativo ao indivíduo, ou seja, varia de acordo com o sujeito em causa: os seus valores morais, ideias e sentimentos num dado momento e numa certa situação. Assim sendo, não há, por exemplo, acordo quanto ao valor de verdade a atribuir às proposições que expressam acções boas: tanto pode ser verdadeiro como falso, depende de uma apreciação que é sempre subjectiva.
Portanto, juízos morais como: “Os médicos que se encontram no Haiti são solidários”, “Os bombeiros, ao salvarem vidas, praticaram actos altruístas” e “As pessoas que pilharam e roubaram as vítimas do sismo praticaram actos moralmente incorrectos” serão verdadeiros ou falsos, dependendo da perspectiva adoptada por cada um de nós.
Mas será esta posição defensável? Será a verdade dos juízos morais uma mera questão de opinião pessoal?
Alguns exemplos, como estes, parecem contrariar a posição defendida pelo subjectivismo moral. Contudo, se analisarmos o ponto de vista que as pessoas adoptam - ao nível do senso comum - ao discutir assuntos polémicos como o aborto, a eutanásia, a pena de morte ou a homossexualidade, constatamos que a discordância leva a conversa (muitas vezes) a acabar assim: Isso é a tua opinião! Tens as tuas ideias e sentimentos sobre o assunto e eu tenho as minhas. E ponto final na discussão, pois presume-se que em relação a estes assuntos polémicos - na ausência de certeza ou consenso - qualquer ponto de vista é aceitável.
Ora, esta forma habitual de pensar e argumentar não faz sentido. Podemos apresentar, tal como faz James Rachels (nos Elementos de Filosofia Moral), um conjunto de razões para demonstrar que as ideias defendidas pelos subjectivistas morais não são racionalmente justificáveis.
Os argumentos de James Rachels - contra o subjectivismo moral - podem ser lidos nos posts seguintes.
9 comentários:
A Verdade absoluta não existe, ainda muito menos existirá quando avaliamos juízos morais. Yasser Arafat chamava fascista Isaac Shamir. Este último chamava terrorista ao primeiro.
Os juízos de valor, por estarem sempre relacionados com normas aceites pelas pessoas que os emitem, nunca são absolutos..
Manolo:
É errado dizer, como pretende, que tenhamos de escolher - em relação aos juízos morais - entre a Verdade Absoluta e um ponto de vista subjectivo. Em Filosofia o conceito de absoluto opõe-se a relativo e o de subjectivo a objectivo. Tal como explica James Rachels nos dois posts seguintes, o que importa relativamente aos juízos morais são as razões que apresentamos para defender o nosso ponto de vista. E, como é dito, as razões não valem todas o mesmo: há boas razões e más razões e numa discussão o que se pretende é perceber quais são as melhores razões.
Portanto, a ideia de que os juízos morais valem todos o mesmo: é uma questão e opinião (como gostar de arroz ou massa) não faz sentido e impede o verdadeiro debate das ideias.
A este propósito veja-se um exemplo:
O Manolo apresentou num post em que eu falava da avaliação dos professores,
http://duvida-metodica.blogspot.com/2010/01/avaliacao-dos-professores-as-razoes-do.html
a sua opinião sobre este assunto. Eu respondi-lhe, tal como o Aires de Almeida, colocando uma série de objecções para demonstrar que as suas afirmações eram falsas e as suas razões não eram boas. Assim, ou o Manolo consegue demonstrar que nós não temos razão ou então o ponto de vista que defende não corresponde à verdade.
De facto, as opiniões não valem todas o mesmo, o que importa são as razões apresentadas para sustentar a posição que se defende.
O que acha?
Cumprimentos.
“É errado dizer, como pretende, que tenhamos de escolher - em relação aos juízos morais - entre a Verdade Absoluta e um ponto de vista subjectivo”.
Eu não disse isto, nem é possível deduzir isto do que eu disse!
Afirmei muito claramente que as pessoas emitem juízos de valor a partir de uma plataforma de referências éticas e morais. A plataforma em que cresceram e foram educados. A emissão de juízos de valor é em si um acto de comparação entre o acto que estamos a julgar e norma ética aplicável (em relação à qual estou a calcular a “distância”). Daí que se diga por vezes “isso é uma grande desonestidade” e outras vezes “isso parece-me um pouco desonesto”. São duas distâncias diferentes do acto que estamos a julgar ao acto perfeito (de referência, que está contemplado na Norma).
Não é só em Filosofia que o Absoluto se opõe ao Relativo e o Objectivo se opõe ao Subjectivo. Na física também. Um automóvel circula a 100 Kms/hora relativamente ao planeta Terra, mas irá a muitos milhares de Kms/h relativamente ao referencial Sol, por exemplo. Esta segunda verdade nunca á referida porque o que nos interessa na grande maioria das vezes é o que se passa no nosso referencial, num ponto de vista prático, do dia-a-dia.
Com a ética é o mesmo, o que nos interessa são as normas éticas por que se rege a nossa sociedade mais próxima, pois é relativamente a ela que eu julgo e sou julgado pelos meus próximos. Mas tenho que ter a noção que noutras sociedades (culturas), as normas por mim consideradas podem não ser válidas.
Quanto à avaliação de professores, limitei-me a dizer uma verdade da La Palice : Quando é necessário reforçar os cofres do estado é costume dos governos ir buscar o dinheiro à Classe Média, diminuindo as dotações do estado para os funcionários públicos pertencentes a essa classe e aumentando os impostos dos privados que pertencem a essa classe. Não estou a emitir juízos de valor sobre se é justo ou não que isso se faça ou que se considere ou não os professores pessoas da classe média.
De resto, se comento na blogosfera, é para que os leitores dos comentários me leiam, e não os autores dos “posts”. Estes últimos pertencem quase sempre a corporação e reagem muito mal às opiniões divergentes, mesmo que elas pertençam as senso-comum. Chagam a censurar o que escrevo!
Manolo:
Se não existiam informações suficientes nas suas palavras para fazer as inferências que fiz, parece-me então que ou eu percebi mal ou a sua explicação foi lacunar.
O facto dos juízos morais serem influenciados pela cultura e pelo ponto de vista de cada pessoa não é a questão fundamental colocada nos posts (1,2 e 3). O problema discutido é se a verdade ou a falsidade destes juízos se esgota no plano meramente subjectivo (onde tudo vale o mesmo) ou, pelo contrário, o que importa é sustentar, do ponto de vista racional, a verdade ou a falsidade de um certo juízo moral.
Significa, portanto, que não é admissível, ao contrário do que vulgarmente se julga, a ideia de que, em relação aos assuntos éticos, cabe a cada um a sua verdade.
Quanto à comparação que faz entre o domínio da Física e da ética, parece-me que o problema se prende com o facto de em ética (enquanto disciplina filosófica) não importar apenas “o nosso referencial”. Uma coisa é a descrição do senso comum, isto é o ponto de vista que adoptamos vulgarmente de forma acrítica, outra é reflectirmos e discutirmos se essa maneira habitual de funcionar (que é relativista) é correcta, se é racionalmente justificada, que tipo de problemas coloca, que contra-exemplos podemos apresentar-lhe, etc. (estas são algumas questões que se podem colocar no domínio da ética). Assim, não se trata apenas de ter noção da relatividade mas, sobretudo, percebermos se as razões justificativas dos nossos juízos morais são boas ou más.
(continuação)
Na discussão da avaliação dos professores, o Manolo não se limitou, ao contrário do que diz, a fazer afirmações gerais, não valorativas, mas deu exemplos concretos, forneceu aos leitores informações que são falsas (não correspondem à verdade) e isto é um facto. Deste modo, o que eu e o Aires lhe respondemos não é uma reacção corporativa, nem uma mera opinião, aquilo que foi dito por nós em relação à carreira dos professores demonstra que algumas das suas afirmações eram objectivamente erradas. Isto implica que algumas das ideias que defendeu com base nestas também não estarão fundamentadas em dados rigorosos.
É legítimo que o Manolo escolha como interlocutores apenas os leitores dos blogues e não os autores dos posts (por esta ordem de ideias eu não devia sequer estar a responder-lhe). Todavia, será incompatível ter ambos como interlocutores? Não me parece.
Pela minha parte, utilizo este blog como um instrumento de trabalho e escrevo para trocar ideias e confrontar argumentos. Fico contente se ao errar alguém me mostrar (de forma intelectualmente honesta) que eu não tenho razão.
Julgo que a generalização que faz quanto ao que se passa na blogosfera não é aplicável a este blog. Não sei qual é o sentido da sua expressão “reagir mal aos comentários”, contudo, na minha opinião discordarem de mim com bons argumentos constitui um desafio estimulante do ponto de vista intelectual (procuro fazer isso junto dos meus alunos e valorizo quando o fazem).
Penso que a maior parte dos autores dos blogs, os utilizam para afagar o Ego e não para discutir ideias. Acho que não é o seu caso.
As corporações – típicas da vida “intelectual” portuguesa - de que fala resultam de um certo tipo de amiguismo autocomplacente, em que o semelhante reconhece e elogia o semelhante. Na verdade, a maioria dessas pessoas não tem qualquer interesse em discutir o conteúdo do que é dito, importa-lhes antes saber qual é a autoridade que diz, se lhe reconhecem algum tipo de estatuto, pois se não for assim nem ouvem. É preciso não esquecer que “os lambe botas” são um grupo de sucesso em Portugal: na política e também em certos meios intelectuais.
Faço notar que este tipo de fenómenos pode ocorrer mesmo quando o debate de ideias se faz em nome do pensamento crítico.
Quem conhece um pouco melhor a blogosfera, descobre rapidamente que esta não é imune às muitas formas do provincianismo e de mediocridade típicas da sociedade portuguesa.
Peço desculpa ter-me alongado tanto. E reafirmo que, sempre que possível, terei muito gosto em trocar ideias consigo.
Cumprimentos.
Na minha opinião , a verdade dos juizos morais, depende do ponto de vista de cada um! Eu acho que cada pessoa pode intrepetar a situação de maneiras opostas, pois uma pessoa pode achar que os juizos morais depende da sua opinião, ou da maneira como esta vê a situação, enquanto outra pessoa pode analisar a situção de maneira oposta, pensando que cada um age conforme a sua educação ou cultura.
Respondedo á pergunta proposta pela professora, na minha opinião, sim, a verdade dos juízos morais depende da opinião pessoal de cada pessoa, poderá ter influencia pela sua cultura ou educação. Muitas das nossas atitudes ou acções são influenciadas, e no caso dos bombeiros ou médicos que a professora indicou, pode depender da opinião de cada individuo, eu por exemplo concordo com o que a professora disse, talvez uma pessoa que seja de outro país discorde, pois temos opiniões opostas!
A verdade dos juízos de moral depende da opinião individual pelo facto de cada pessoa poder dizer que certo juízo moral é verdadeiro ou falso segundo a sua opinião, ou seja cada um pode ter diferentes juízos morais do mesmo assunto.
Para os filósofos prestarem prova de exame..
Enviar um comentário