quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Baixar a fasquia: uma objecção ao Determinismo Moderado

mulher salto em altura

O Determinismo Moderado defende a tese de que o determinismo e o livre-arbítrio são compatíveis. Ou seja: todas as acções são determinadas por causas anteriores mas algumas delas são livres. Para explicar essa compatibilidade alega que o que caracteriza uma acção livre não é a ausência de causas anteriores à decisão do agente, mas sim a ausência de coacções imediatas, de constrangimentos que o impeçam de fazer o que deseja ou que o obriguem a fazer o que não deseja. Assim, uma acção livre é uma acção realizada por vontade do agente e o facto dessa vontade ter sido influenciada por diversos factores que o agente não controla não lhe retira a liberdade.

Estará o Determinismo Moderado certo? Vamos considerar uma das objecções possíveis e a resposta do Determinismo Moderado a essa objecção.

O Determinismo Moderado redefine o conceito de livre-arbítrio de um modo simplista. Quando os defensores do Determinismo Radical e do Libertismo discutem se há ou não há livre-arbítrio não o entendem apenas como sendo a capacidade de realizar acções sem coacções imediatas, mas também como o poder de iniciar acções independentemente de quaisquer causas anteriores. Ou seja: entendem o livre-arbítrio como um poder de autodeterminação do agente. E o que discutem é se os seres humanos possuem ou não esse poder - discutem se os seres humanos podem realizar acções que derivem apenas da sua vontade, sem influência de qualquer outra causa. Os libertistas dizem que sim e os deterministas radicais dizem que não. O Determinismo Moderado ao restringir o livre-arbítrio à ausência de coacções “empobrece” esse conceito e só nessa medida parece compatibilizá-lo com o determinismo. Mas essa compatibilização é aparente e insatisfatória, pois o livre-arbítrio, se existir, é mais do que aquilo que o Determinismo Moderado diz que é. Assim, esta teoria não resolve o problema do livre-arbítrio.

Uma analogia talvez ajude a perceber esta objecção. Imagine que um atleta, ao ver alguns colegas darem saltos em altura e falharem (fazendo cair a fasquia, a barra horizontal por cima da qual deveriam saltar) anuncia que consegue efectuar aquele salto com sucesso. Antes de saltar, baixa a fasquia cerca de um metro e depois efectua o salto facilmente e sem a fazer cair. Como é óbvio, ninguém diria que ele foi bem sucedido, pois não deu o salto nas mesmas condições dos outros e arranjou para si condições menos exigentes. Ao restringir o livre-arbítrio à ausência de coacção imediata, os deterministas moderados fazem algo semelhante a baixar a fasquia do salto, pois mostrar que certas acções são feitas sem coacção imediata é fácil e trivial (nem um determinista radical duvida disso). Só que não era isso que estava realmente a ser discutido, alegam os críticos incompatibilistas (deterministas radicais e libertistas).

Um defensor do Determinismo Moderado pode responder a essa objecção dizendo que quem entende o livre-arbítrio como o poder de iniciar acções independentemente de quaisquer causas anteriores está a confundir os seus desejos com a realidade. Talvez fosse bom possuirmos um tal poder mas o que é facto é que não possuímos. A liberdade como autodeterminação é um mito. Talvez Deus, caso exista, possua esse género de liberdade. Porém, os seres humanos não são capazes de decidir fazer algo a partir do nada. São seres vivos e seres sociais e, como tal, não conseguem (nem seria de esperar que conseguissem) furtar-se à influência de inúmeros factores físicos, químicos, biológicos, sociais, psicológicos, etc., que têm uma presença constante na sua vida. Aquilo que querem resulta muito naturalmente desses factores. Afirmar que coisas como a influência da gravidade, a necessidade de comer ou a influência dos costumes sociais, anulam o livre-arbítrio faz tão pouco sentido como afirmar que andaríamos melhor sem a resistência do ar e que os peixes nadariam melhor sem a resistência da água.

O que será mais plausível, a objecção ou a crítica à objecção?

Uma nota final, para continuar a pensar. O Determinismo Moderado considera que são as coacções imediatas e não as causas anteriores que fazem com que algumas acções não sejam livres. Mas não serão algumas causas anteriores mais constrangedoras que outras? Não haverá algumas causas anteriores tão constrangedoras como as coacções imediatas?

Bibliografia:

Howard Kahane, “Livre-arbítrio, determinismo e responsabilidade moral”, Filosofia e Educação(http://www.filedu.com/hkahanelivre-arbitriodeterminismo.html).

James Rachels, Problemas da Filosofia, tradução de Pedro Galvão, Gradiva, Lisboa, 2009.

Paulo Ruas, “O Problema do Livre-arbítrio”, Crítica (http://criticanarede.com/met_savater.html).

4 comentários:

Mário R. Gonçalves disse...

Parabéns por estes excelentes posts sobre subjectivismo e determinismo. Só tenho pena que não haja muito mais visitantes do vosso blog...

Carlos Pires disse...

Mário:

Obrigado pelas palavras simpáticas.
Também gostaríamos de ter mais visitantes, mas... Vamos continuar a trabalhar o melhor que conseguirmos e logo se verá.
Espero que o Livro de Areia tenha cada vez mais visitantes. Merece.

cumprimentos

Pedro disse...

Bem, estava à procura de uma boa explicação sobre o que é, de facto, o determinismo e este post serviu mais que perfeitamente. Muito bom

Anónimo disse...

eu proprio sou a favor determinismo moderado mas tambem me da a sensação que o determinismo moderado quere numa certa maneira fingir a realidade.
por exemplo, Imaginando que nunca tinha ouvido falar nem bebido coca-cola nem pepsi, nao ha nada que pode definir que escolho pepsi ou coca-cola... outro exemplo, uma musica que nunca ouvimos, e que nos toca, que nos toca mesmo fundo. sera que isso tudo já esta definido por causas anteriores ? eu nao acho.
Mas sim, acho que as escolhas com uma maior importância sao influenciadas por causas e experiências anteriores.
Na minha opinião, alguém que acha que acha e que acredita mesmo que é livre, é mesmo livre

Manuel Imanse 10 A