quinta-feira, 10 de setembro de 2009

A origem dos problemas filosóficos

Sócrates, um filósofo grego que viveu entre 470 e 399 a. C., foi condenado à morte. Horas antes deste ingerir o veneno vários amigos foram ter com ele à prisão. Estavam tristes e revoltados, pois consideravam Sócrates o homem mais justo e sensato que conheciam e entendiam que as acusações contra ele eram falsas. Platão (discípulo e amigo de Sócrates) descreveu as últimas horas de vida de Sócrates num livro chamado Fédon.

morte de Sócrates de David Enquanto conversavam, é referido o problema da alma ser ou não imortal: será que a morte é o fim de tudo ou, pelo contrário, depois dela existe uma outra vida? Os amigos de Sócrates insistem para saber o que pensa ele sobre isso.
Sócrates aceita examinar o problema e diz: "...talvez nada seja tão apropriado para aquele que vai partir para o Além como reflectir e discorrer sobre o significado desta viagem e o que imaginamos que seja". (Platão, Fédon, 5ª edição, Lisboa Editora, 1997, pág. 45.)

Sócrates, tal como outros filósofos, foi algumas vezes acusado de andar com a cabeça nas nuvens e de se interessar por assuntos inúteis e desligados da vida. Assim, ao dizer que, uma vez que vai morrer, reflectir acerca da morte e do sentido da vida é “apropriado” está a dizer que esse assunto não é exterior à vida humana.

Ora, tal como Sócrates, nós também somos mortais. Também vamos morrer um dia. Por isso, faz sentido – é “apropriado” – que reflictamos acerca da morte e do significado da vida. Para nós, a morte não é um assunto inútil e desligado da vida. É um assunto que se impõe a partir da nossa experiência.

Esse raciocínio pode estender-se a outros problemas filosóficos. Os problemas filosóficos são problemas que se impõem a partir da nossa experiência e não assuntos demasiado abstractos, inúteis e desligados da vida. Por isso, é apropriado reflectirmos acerca deles.

Eis alguns exemplos.

Temos amigos, por isso é apropriado reflectir acerca da amizade.
Queremos ser felizes, por isso é apropriado reflectir acerca da felicidade.
Dizemos muitas vezes que certas coisas são belas e outras feias, por isso é apropriado reflectir acerca da beleza.
Argumentamos, por isso é apropriado reflectir acerca dos argumentos e daquilo que os torna correctos ou incorrectos.
Utilizamos diariamente palavras como “verdadeiro”, “falso”, “justo” e “injusto”, por isso é apropriado reflectir acerca da verdade e da justiça.
Etc.

Sendo assim, estudar filosofia e reflectir acerca dos problemas filosóficos não é perder tempo com assuntos demasiado abstractos, inúteis e desligados da vida, mas sim tentar esclarecer problemas que, pelo contrário, fazem parte da nossa vida. Ao estudar filosofia e ao reflectirmos sobre esses problemas tornamo-nos conscientes de coisas que, sem sabermos, já existiam na nossa vida.

À entrada do templo de Delfos, na Grécia, estava escrito um conselho que Sócrates considerava fundamental: “Conhece-te a ti mesmo”. Filosofar é uma forma de o pôr em prática.

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No Dúvida Metódica existem vários posts com a etiqueta “Sócrates”, dos quais o mais útil para alunos do 10º ano é este: Conselho de Sócrates: pensem bem antes de me darem razão.

Na imagem: quadro de Jacques Louis David - "A morte de Sócrates", de 1787.

3 comentários:

opinião própria disse...

A filosofia é útil para olear a inteligência. É pena pouca gente pensar assim, actualmente...

Carlos Pires disse...

OP:

A utilidade da filosofia é mais vasta que o mero "olear a inteligência", pois além de ser um bom exercício intelectual (bom para treinar a capacidade argumentativa) proporciona também uma melhor compreensão do mundo e da própria pessoa.

Relativamente ao "actualmente":

Julgo que em nenhuma época histórica houve uma maioria de pessoas que valorizasse a filosofia - ou a matemática, a física, a história, a literatura, a pintura, etc. A filosofia, as ciências e as artes sempre foram uma coisa de minorias.

Como compatibilizar isso com a democracia,a universalização do ensino e valores como a justiça social e a igualdade de oportunidades?
Não estou completamente certo de todos os detalhes da resposta, mas um dos aspectos centrais dessa resposta é este:
o facilitismo não é uma solução.

cumprimentos

Vladyslav[Evoluti0n] disse...

Concordo plenamente com o Carlos... pelo que já ouvi dizer por ai a filosofia não é uma disciplina muito "popular" e não há muita gente que gosta dela... eu entrei agora no 10º mas pelo que já li neste blog e pelo meu fascínio e gosto do porque e de argumentar sobre diferentes assuntos acho que vai ser fantástico.