Ludwig Wittgenstein (1889-1951).
O filósofo Ludwig Wittgenstein escreveu, num livro intitulado Tratado Lógico-filosófico, o seguinte:
“Sentimos que mesmo quando todas as possíveis questões da ciência fossem resolvidas os problemas da vida ficariam ainda por tocar.”(Ludwig Wittgenstein, Tratado Lógico-filosófico, tradução de M.S. Lourenço, Edição Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1987, pág. 141.)
Como é que se pode entender a expressão “problemas da vida”?
Será a afirmação de Wittgenstein verdadeira? Porquê?
11 comentários:
O que o homem quis dizer foi que, mesmo que a ciência consiga explicar como a vida funciona, ela nunca vai conseguir explicar o porquê de existir vida.
Manolo:
A afirmação de Wittgenstein não diz respeito apenas ao problema a que se refere (o sentido da vida), refere-se a muitos outros: justiça, bem, beleza,liberdade, conhecimento, verdade, Deus... são ideias básicas pressupostas em actividades do quotidiano, da política, da ciência, da arte, por exemplo, cujo significado não indagamos e que determinam a nossa maneira de pensar e de agir. Ajudar-nos a perceber se essas nossas ideias têm ou não uma justificação racional é uma das tarefas principais da filosofia.
Cumprimentos.
"Problemas da vida": Acho que Wittgenstein quis referir-se às pressões que "sufocam" o Homem no seu dia-a-dia. Ainda mais é complicado quando se tem questões não respondidas, como a existência de Deus, entre outros, como a profª Sara disse. Se existe um Deus Todo-Poderoso, omnipotente e omnipresente, porque existe todo este sofrimento? É uma questão com uma resposta clara que mostra que não é Deus quem tem culpa, mas ninguém se preocupa com essa resposta (as pessoas estão demasiado ocupadas para sabê-la). Nem a própria Ciência consegue uma resposta fixa sobre isso.
Concordo com ele, pois, mesmo ao saber a resolução de todas as possíveis questões da Ciência, não acredito que o Homem pudesse fazer qualquer coisa contra a criminalidade, a pobreza, as doenças, A MORTE... Ninguém é perfeito, e o Homem continuaria a ser acrítico relativamente a essas questões.
Deixem-me fazer a apologia da ciencia.
A ciência pode nunca vir a ter resposta sobre questões que envolvem convenções humanas, como a etica, a estetica, ou a moral.
Pode no entanto, vir a mostrar que alguns problemas são matéria de facto e não metafisicos. E com isto trazer para a sua alçada algumas destas questões, ainda que provavelmente só num plano teorico.
Isto é, se conhecermos muito bem como funciona o cerebro, e pudermos determinar com exatidão as redes neuronais funcionais de um individuo, e ter um plano do estado bioquimico de cada neuronio, podemos até vir a prever se ele prefere estar no cinema ou a andar de bicicleta. Ou do mesmo modo, se tivessemos esses dados para um grupo grande de pessoas, poderiamos justificar a arte de Paula Rego cientificamente, e até, quem sabe, mostrar porque a justiça é uma necessidade neurologica e biológica.
O problema, é que pode revelar-se impossivel não só a recolha dos dados que permitiriam chegar a estes resultados, como, mesmo na capacidade de o fazer, ser impossivel processa-los. Isto. é, mesmo com um computador muito poderoso, estarmos perante um problema cujo tempo de resposta tende sempre para o infinito.
Ou seja:
Se pudessemos saber o estado de cada particula e cada atomo e conhessecemos o todas as leis do universo, seria teoricamente possivel prever o futuro.
Mas pode acontecer que a computação de todos esses dados seja sempre mais rápida quando feita pela propria existencia - pelo universo. Há razões para querer que simular um universo nunca vai ultrapassar a velocidade com que este universo real corre.
Ainda que eu pense que Witggenstein estivesse longe da minha explicação, é provavelmente esta a razão pela qual ele está correto. É porque existem demasiados impoderaveis, quer por poder de processamento, quer por poder de colheita de estados actuais.
Porque não há razões para querer que a nossa mente não seja um produto do nosso cerebro. uma coisa tão material como qualquer outra.
PS: acusações de cientismo neste caso requerem provar que a nossa mente é mais que a sua base organica. FEnomenos emergentes incluidos, resta provar o dualismo.
"Em filosofia estudamos os problemas da vida?"
Reparei agora que apesar de ter escrito linhas e linhas não abordei a questão principal.
A minha humilde opinião é que a filosofia estuda os problemas da vida que estão longe do braço da ciencia, sim, provavelmente mesmo com os grandes avanços da psicologia, sociologia e neurobiologia vai haver sempre uma area que só é possivel estudar como sendo metafisica.
Mas essa não é a parte mais interessante.
Acho que a grande importancia da filosofia é mesmo questionar o processo de conhecimento, questionar a propria ciencia, a nossa inteligencia e desenvolver as ferramentas racionais para sabermos como tirar conclusões.
Para um cientista , essa é a parte que me interessa da folosofia e onde tão fortemente se mistura com o processo da ciencia.
PS: Quero deixar-vos completamente à vontade para não publicar os meus comentários. Podem ficar fora dos objectivos do blog, e eu não sou filosofo. (ainda)
Bruno:
As pressões do quotidiano, a que se refere no seu comentário, não têm muitas vezes, relação com questões filosóficas (a que a ciência não responde). “Os problemas da vida” a que este filósofo se refere, julgo que, na maior parte do tempo, não são colocados no quotidiano. Vivemos preocupados, sobretudo, com a resolução de questões concretas de carácter prático (em linguagem coloquial: ter isto, fazer aquilo…) e não com questões de natureza filosófica: a existência Deus, o bem, a justiça, a felicidade (queremos ser felizes mas não reflectimos habitualmente acerca do que é a felicidade), por exemplo.
No dia-a-dia, não costumamos ter muita disponibilidade (de tempo e de atitude entenda-se) para analisar as ideias em que se baseia a nossa forma de agir e de pensar.
Se a causa do mal no mundo é ou não Deus, não podemos ter a certeza: há bons argumentos filosóficos para defender quer uma posição quer outra. O que importa, neste caso, é a justificação racional que se apresenta para defender uma dada perspectiva. Deveria, portanto, apresentar as razões em que basear a sua opinião sobre este assunto.
A propósito dos outros exemplos que menciona: pobreza, criminalidade e doenças (é possível adoptar medidas concretas, a nível político e social, para os resolver) podem colocar-se determinados problemas filosóficos, por exemplo: Que tipo de punição será justa aplicar aos criminosos? Temos o dever moral de ajudar os mais pobres?
Todavia, a criminalidade, a pobreza e as doenças não são em si mesmos problemas filosóficos.
Por fim, é facto que alguns homens têm uma atitude acrítica, mas dizer “todos” corresponde a uma generalização e esta, como irá estudar nas aulas, não tem uma justificação racional.
Agradeço o seu comentário.
João:
Aprecio muito os seus comentários e o seu genuíno interesse pela troca e o debate de ideias (quem me dera a mim que muitos dos meus colegas tivessem a sua atitude). Contudo, a minha vida profissional, além da minha pessoal e familiar, não me deixa muito tempo livre. Gostava de lhe responder convenientemente e discutir algumas das ideias que refere a propósito dos dois últimos posts que coloquei mas agora não tenho disponibilidade. Fá-lo-ei mais tarde.
Assumo que na resposta aos comentários considero prioritário, por motivos pedagógicos, responder aos comentários dos alunos (é sobretudo a estes que este blogue se destina).
Os seus comentários são muito bem- vindos.Tanto eu como o meu colega lamentamos o facto de não nos ser possível (por uma questão de tempo) mantermos consigo um diálogo mais frequente.
Cumprimentos.
João:
Podemos enumerar vários problemas, antes pertencentes ao âmbito da Filosofia, que passaram a ser tratados por ciências que se autonomizaram em relação a esta, por exemplo a Física, a Psicologia e a Sociologia. O mesmo poderá acontecer no futuro a outros problemas, hoje considerados filosóficos, não sabemos...
Há uns séculos atrás seria difícil imaginar muitos dos desenvolvimentos actuais da ciência e o impacto destes não só ao nível da vida prática como no nosso modo de pensar e agir.
Sabemos, no entanto, que subsistem determinados problemas que continuam a não ter resposta científica (“os problemas da vida” mencionados por Wittgenstein) e sobre os quais apenas é possível reflectir e argumentar. A natureza abstracta dos problemas filosóficos e a impossibilidade de provar matematicamente ou experimentalmente as respostas dadas, não invalida que estes se possam colocar a propósito de factos concretos. Por exemplo: perante o número de pessoas condenadas à pena de morte até hoje no estado americano do Texas e o número de homicídios aí cometidos, podemos perguntar filosoficamente: será esta forma de punição moralmente justificável? E, neste caso, os dados empíricos disponíveis podem ser usados argumentar, do ponto de vista moral, a favor ou contra a pena de morte.
Assim, como é que seria possível – dada a natureza das questões filosóficas - trazer, como diz o João, estes problemas para a alçada da ciência num plano teórico?
Se arranjássemos, hipoteticamente, forma de explicar as acções individuais (por exemplo: matar uma pessoa) através de mecanismos, objectivos, relacionados APENAS com o funcionamento cerebral, este problema deixaria de ser filosófico e passaria a ter uma resposta científica.
Na realidade, como sabemos, os actos humanos resultam de uma complexidade de factores, sendo o biológico um entre outros. O João refere o facto de certas questões continuarem a ser filosóficas (e não científicas) devido à impossibilidade da recolha de dados e à dificuldade do seu tratamento. Um outro aspecto a considerar, além da dificuldade em delimitar o seu âmbito (a sua generalidade), seria a dificuldade em perceber como os diversos factores interagem entre si (ainda que, supúnhamos, existisse a possibilidade e recolher e tratar dados) – saber, por exemplo, se os factores biológicos e sociais têm um peso tal que determinam as nossas acções, impedindo-nos de fazer, verdadeiramente, escolhas.
Como refere os cientistas (ao estudarem o funcionamento orgânico do cérebro, por exemplo) na sua actividade confrontam-se com questões filosóficas. Daí que não se deva considerar a abordagem científica dos problemas isoladamente, sem ter em conta a reflexão levada a cabo pela Filosofia.
Agradeço o seu comentário.
Cumprimentos.
Wittgenstein se refiria a questões que não dizem respeito ao nosso mundo como o entendemos, como o vemos e como o vivenciamos na nossa realidade mais imediata. Diz respeito aos problemas da "vida" que não estão inseridos neste contexto, são abstractos. Será a vida da cosnciência? Dos valores morais que deveriam nortear o homem? Não sei, é delicado, creio, apesar de não ser muito versado nos pensamentos deste filósofo, que seja muito difícil procurar explicar o que ele quis dizer de uma maneira menos geral e mais vertical, porque ao tentar colocar qualquer termo, consciência, Deus, mundo, vida, a primeira atitude de wittgeinstein seria " o que você quer dizer com isso"?
como ele mesmo diria, não existem problemas filosóficos, o que existe é um emprego incorreto da linguagem.
Agora, uma tentativa de ponte para estes "problemas filosóficos" que a ciência enfrenta não seria a epistemoligia?
A interpretação que faço é que uma vez resolvidos todos os problemas da ciência (supondo que podíamos fazer isso) restavam ainda os problemas não científicos. Uma questão que podemos levantar é por que razão os problemas da ciência não são problemas da vida. E pode nem sequer compensar grande coisa descobrir o que ele entendia ao certo por problemas da vida (enquanto o tentamos interpretar sabe-se lá quantos problemas da vida deixamos escapar).
Mas independentemente disto, parece patentemente falso que os outros problemas fiquem por tocar. Pode haver uma reserva inesgotável desses problemas enquanto formos vivos, mas seguramente que não ficam intocados.
Vítor,
Quanto à questão que colocaste: saber se os problemas da ciência não são problemas da vida, eu julgo que isso se relaciona com o facto da investigação científica e da aplicação dos conhecimentos da ciência à realidade serem indissociáveis dos problemas filosóficos: quem faz ciência não deixa de se confrontar com questões cuja resposta pode ser racional, mas é discutível, pois a sua verdade ou falsidade depende apenas da argumentação. Um cientista opta por se concentrar na procura de dados que lhe permitam alcançar respostas assentes em “provas” (mesmo que estas sejam provisórias e que a comunidade científica possa, futuramente, reconhecê-las como insuficientes ou falsas, como a história da ciência várias vezes já nos demonstrou). Não é só em casos mais extremos de vida ou de morte - por exemplo quando o médico, por falta de meios técnicos e humanos, tem de decidir qual o paciente que vai salvar - mas também em situações bastante mais triviais que a relação entre a ciência e os problemas da vida se põe. Por exemplo: como ao decidir a construção de uma ponte no local X ou Y quando esta acarreta consequências ambientais negativas em que é preciso refletir; decidir que as cobaias usar para testar certos medicamentos; saber em que circunstâncias é que o estado deve permitir a realização do aborto nos hospitais públicos, etc. Estou a perceber bem? Ou haverá outro sentido ou sentidos em que possamos afirmar que os problemas da ciência são problemas da vida?
Eu julgo que a expressão mesmo que a ciência respondesse a todos os problemas, os da vida ficariam “intocados” pode ser interpretada assim: continuaria a não existir uma resposta consensualmente aceite, a divergência de opiniões não seria suprimida (ao contrário do que se passa na ciência, mesmo que seja temporariamente). Portanto, o termo “intocado” diz respeito ao tipo de respostas alcançáveis no domínio filosófico, por oposição ao científico. Podemos objetar, como contraexemplo, o facto do problema filosófico dos direitos cívicos das mulheres ter deixado de ser discutível entre os filósofos e passado a ser consensual. Contudo, esta é uma exceção, não se aplica à maior parte das questões filosóficas, o que não nos garante que não possa vir a ser aplicar-se.
Há pessoas que vivem tão obcecadas em decifrar o significado de certos problemas da vida (olhando apenas para o seu umbigo) que se esquecem de viver, acontece. Porém, eu creio que as ideias de alguém (em qualquer área de estudo e não apenas na filosofia) podem ser mais estimulantes, verdadeiras e mesmo originais se o seu autor ou autora não se refugiar no pó dos livros e tiver antes num olhar lúcido e atento em relação ao mundo real.
Cumprimentos.
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