Criança com epidermólise bolhosa
Se Deus existe e é bom e omnipotente, como explicar a existência de mal no mundo? De modo resumido, esta questão apresenta o chamado problema do mal (veja aqui uma formulação mais extensa e explícita).
Alguns filósofos religiosos, tentando solucionar esse problema, afirmam que caso não existisse mal não conseguíamos reconhecer e apreciar o bem, pois muitas vezes compreendemos e valorizamos as coisas boas comparando-as com as coisas más. Por exemplo: percebemos melhor o valor da democracia se soubermos o que é uma ditadura, damos valor à saúde se soubermos como é difícil estar doente, etc.
Afirmam também que, se o mal não existisse, não teríamos oportunidade de desenvolver o nosso carácter moral, pois se não existissem situações más e difíceis para enfrentarmos não existiriam também virtudes como a coragem, a perseverança ou a generosidade, uma vez que estas são reacções aos problemas e dificuldades que surgem. Dito por outras palavras: num mundo perfeito e sem mal, seriamos pessoas com menos valor.
Mas, mesmo que admitamos que essas afirmações são verdadeiras, isso não dissipa as dúvidas em relação a Deus e não resolve o problema do mal. A existência de algum mal pode ser de facto necessária para apreciarmos o bem e desenvolvermos o nosso carácter moral - mas seria necessário tanto mal para conseguir esses efeitos? Admitamos, por exemplo, que é necessário existirem males como as violações sexuais e as doenças. (Como é evidente, às violações e às doenças poderíamos acrescentar muitas outras coisas: fome, catástrofes naturais, roubos, guerras, etc.) Contudo, não bastaria que fossem violadas pessoas adultas? Um Deus realmente bom desejaria que os efeitos referidos fossem alcançados sem ser necessário que crianças pequenas fossem também violadas e caso fosse realmente omnipotente conseguiria que tal sucedesse.
Quanto às doenças, um Deus realmente bom e omnipotente conseguiria certamente dar as lições de vida necessárias sem recorrer a tantas e tão dolorosas enfermidades. Como escreveu James Rachels, “se, por exemplo, o número de pessoas que morrem de cancro por ano fosse reduzido para metade, isso seria ainda suficiente para nos fazer apreciar a saúde. E, com já temos de lidar com o cancro, não precisamos da SIDA, da distrofia muscular, da paralisia cerebral, da espinha bífida, da difteria, do Ébola, das doenças cardíacas, da doença de Alzheimer, da peste bubónica e da epidermólise bolhosa (uma doença de pele genética que provoca bolhas por todo o corpo, de tal forma que o bebé não pode ser agarrado ou mesmo ficar de costas sem sentir dor)” [adaptado, pp. 58 e 60].
A existência desse mal excessivo e desnecessário sugere, portanto, que ou Deus não existe ou existe mas não tem todas as características que lhe são habitualmente atribuídas, nomeadamente a bondade e a omnipotência. Ou não?
Bibliografia:
James Rachels, Problemas da Filosofia, Gradiva, Lisboa, 2009.
14 comentários:
Gostei da argumentação e parabéns pelo blog, muito bom!!
Para mim é só uma das várias evidências contrárias a essa idéia mais difundida de um deus. O sofrimento de crianças que não podem entender ainda tudo que lhes acontecem não tem sentido nenhum dentro dessa idéia, não da pra ensinar nada a um bebê de 3 meses fazendo-o sofrer.
ótimo post e ótima argumentação!!!
Realmente, esse ponto de vista está muito bom, mas será que existe mesmo um Deus? Na minha opinião a existência de uma religião/crença/Deus, serve para colmatar as perguntas para as quais não temos resposta, recorremos a algo transcendente para explicar o o que nos é inexplicável. Talvez o Deus e o bem que tanto procuramos e que por vezes tanto rezamos, não está fora de nós, mas sim dentro de nós no nosso coração, nós somos os nossos próprios Deuses, e devemos praticar o bem para nos sentirmos em equilíbrio e harmonia com o Mundo. Na minha opinião todas as características que atribuímos a um Deus (boas características), não são mais que os ideais que tentamos seguir mas que por vezes não conseguimos pois ao fim de contas somos imperfeitos e com conhecimento limitado
Julgo que Deus é a ideia que nós temos do bem.
Caro André:
As pessoas que tentam conciliar a crença na existência de Deus com o mal dispõem ainda de outros argumentos. Por exemplo: há males que vêm por bem e por isso nenhum mal é desnecessário, mesmo que nós não consigamos perceber qual é o bem que justifica o sofrimento de uma criança de 3 anos. Se compreendêssemos melhor o mundo, se visemos a totalidade das circunstâncias (tal como, supostamente, sucede a Deus), percebíamos que mesmo esse sofrimento tem uma justificação e que por causa dele haverá mais bem no mundo.
Claro que podemos criticar esse argumento...
RoXo:
obrigado.
Paulo:
concordo consigo. Mas, mesmo assim, é preciso discutir e tentar refutar os argumentos a favor da existência de Deus.
Helena:
Veja o comentário do Paulo Marcelino e a minha resposta.
Talvez o melhor fosse chamar bem ao bem e pôr a religião de lado, mas muitas pessoas não conseguem fazer isso.
as vezes fico imaginando quanta ipocrisia das pessoas depois de uma grande avalnche milhares de pessoas milhares de crianças mortas ai diz o sobrevivente Deus me salvou. A`vai ser ipocrita la nao sei aonde se fosse mesmo nao seria preferencialmente as criancinhas?
as
cara pra que tanta ipocrisia as pessoas tem mania de dizer depois desobreviver de um certo acidente onde morreu varias crianças que Deus a salvou e porque nao salvou as ciancinhas sem maldade nem uma?
seria uma grande ilusao
Como duvidar de um Deus tão maravilhoso que fez todas as coisas,que te criou e te deu a capacidade de pensar,criar,de ser um ser inteligente.Muitas pessoas não acreditam que Deus existe,mas quando precisam Dele estão prontos pra o clamar,no dia que a trombeta tocar e Jesus voltar para buscar seu povo será tarde de mais para acreditar que Ele existe.Na Bíblia esta escrito que neste mundo teremos aflições,passaremos por tribulações,mas aquele que confiar Nele e serve a Ele terá vida eterna.
Esse problema levou aqui um bom descasque
http://www.youtube.com/watch?v=XqSRV2WUzPM
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