A minha colega Ana Costa – a quem agradeço - enviou-me um interessante artigo do Jornal de Negócios Online, onde se analisam alguns dos efeitos que o uso da Internet produz no cérebro humano. Esta reflexão apoia-se em estudos científicos. Vale a pena ler e pensar no assunto. Afinal diz-nos respeito!
«A frase é forte, altamente contestada e é proferida por um adepto confesso das novas tecnologias e respeitado especialista em questões relacionadas com a vida na Web. O seu nome é Nicholas Carr, e o seu último livro, apoiado em inúmeras experiências científicas, afirma que “estamos a treinar os nossos cérebros para prestar atenção a tudo o que não interessa”. É que a explosão de tecnologia digital não só alterou a forma como vivemos e comunicamos, como também a nossa actividade cerebral.
No início de 2009, num estudo publicado pela revista Science, uma famosa psicóloga do desenvolvimento, Patrícia Greenfield, avaliou mais de 40 estudos sobre os efeitos dos vários tipos de media em correlação com a inteligência e a capacidade de aprendizagem. Uma das suas conclusões foi a de que “cada meio desenvolve algumas competências cognitivas em detrimento de outras”. A utilização crescente da internet e de outras tecnologias com base em ecrãs, escreve, levou a “um desenvolvimento generalizado e sofisticado das nossas competências espaciais e visuais”. Contudo, esses ganhos caminham de mãos dadas com um enfraquecimento da nossa capacidade de “processamento aprofundado” que sustenta a “aquisição cuidadosa de conhecimentos, análise indutiva, pensamento crítico, imaginação e reflexão”.
Se o leitor conseguiu ler este parágrafo sem ter a tentação de abrir o seu email, de responder a um tweet, de visitar o Facebook ou de ver algum vídeo no YouTube, parabéns, pois ainda não está totalmente rendido ao vício e à distracção crónica. Mas e voltando ao estudo acima citado, afinal não concordámos todos que a Internet abriu portas a todo o conhecimento do mundo, aumentou a nossa produtividade para níveis jamais vistos e contribuiu para todos nós sermos mais informados e conhecedores da realidade? De acordo com o autor de The Shallows: what the Internet is doing to our brains, a questão das multi-tarefas que é permitida e encorajada por todos os dispositivos digitais que temos ao nosso dispor serve, supostamente, para aumentar a nossa produtividade mas, muitas vezes, acaba por a diminuir.
“Quando nos ligamos à Internet, entramos num ambiente que promove a leitura apressada, um tipo de pensamento ‘às pressas’ e distraído e a aprendizagem superficial”, escreve. Para o autor, a leitura é feita a partir de um padrão em “F”: depois de lermos as duas primeiras linhas de um texto, o mais comum é que os nossos olhos desçam até ao final da página. E isto explica-se pelo facto de estarmos a perder a capacidade de transferir o conhecimento da memória “em trabalho” de curto prazo para a memória de longo prazo, a qual é responsável por modelar as nossas perspectivas e visões de forma duradoura. Ou seja e de forma simples, o que ganhamos em quantidade de informação disponível, perdemos na forma como a deixámos de aprofundar.»
Leia o resto no artigo no Portal VER.
3 comentários:
Esta teoria já não é nova. Antes de ter sido publicada em 2009 já havia outros estudos que apontavam na mesma direcção. A quantidade de informação e o problema da sua selecção são efectivamente próprios de um meio em que esta [a selecção] é feita pelo consumidor da mesma e não por quem a fornece. Porque a razão essencial que nos leva à superficialidade da leitura e logo à superficialidade de quem os fornece prende-se com o facto de que eu enquanto consumidor de informação me ver confrontado com milhares de fontes para um mesmo tópico e logo ter muita dificuldade em escolher e perder muito tempo nessa selecção deixando pouco tempo para a sua interiorização. Em outros meios o filtro é colocado do lado da produção da informação pelas barreiras económicas à entrada. Toda a gente pode fazer um blog e ter um número de leitores considerável, já o mesmo não se pode dizer de um livro, de uma rádio, de um programa de televisão. Isto não significa obviamente que se trata de um mal (antes pelo contrário em minha opinião). É uma nova realidade com a qual vamos ter de aprender a lidar. É que a questão "tudo o que não interessa" só por si é ela própria superficial. Na verdade antes definia o que interessava meia dúzia agora todos definimos o que realmente nos interessa e nesse processo é normal que cometamos alguns erros. Também faz parte do processo de aprendizagem. Não deixa no entanto de ser verdade que o risco de maior superficialidade existe.
Fernando:
Agradeço o seu pertinente comentário. Peço desculpa pelo facto da minha resposta - devido a razões profissionais e pessoais - ser tardia.
Tal como observou a net coloca vários problemas, entre os quais o da quantidade de informação, da dificuldade do leitor proceder à sua selecção e da consequente superficialidade na apreensão da informação. Posso falar-lhe a partir da minha experiência como professora de Filosofia no ensino secundário. Confrontei-me, já algumas vezes, com a necessidade de repensar o modo como lecciono as aulas e o tipo de tarefas que solicito aos alunos. Assim como os efeitos produzidos pelo uso da net na qualidade das aprendizagens.No início comecei por dar aos alunos, nos trabalhos de pesquisa, liberdade para procurarem a informação. Constatei o seguinte: a maioria dos alunos não é capaz de seleccionar as fontes fidedignas, há erros científicos abundantes na informação disponibilizada na net, as dificuldades ao nível da interpretação, por parte de alguns alunos, e falta de honestidade intelectual por parte de outros são factores que impediam uma compreensão e explicação adequada do que era lido na net.
Passei a adoptar uma nova estratégia - completamente directiva - as leituras passaram a ser seleccionadas por mim e tornaram-se obrigatórias para todos os alunos, disponibilizando-me eu para esclarecer dúvidas e questioná-los sobre os conteúdos. O resultado foi muito mais produtivo e intelectualmente mais estimulante. Pois, a atenção dos alunos passou a estar focalizada na compreensão da informação (a que todos tinham acesso) e na discussão dos problemas (efectuadas nas aulas sob a forma de debate, onde a prestação de cada um era avaliada). Se quiser perceber melhor o que estou a dizer pode ler, neste blogue, os trabalhos dos alunos (bem como as indicações por mim dadas) sobre o aborto e a eutanásia, por exemplo.
Estou a referir-me a uma das utilizações da net, sei que há outras. Julgo, porém, que maior parte da informação que circula na net é lixo ou ruído e não acrescenta nada a quem a lê. A net dá ao consumidor uma sensação ilusória de estar a par da actualidade e, para algumas pessoas, constitui uma espécie de meio para afagar o Eu (substitui o psicanalista, o psicólogo ou seja lá o que for). Portanto, pensar que este meio nos permite mais facilmente trocar e discutir ideias é pura fantasia. A maioria das pessoas não está minimamente interessada em usar a net para aprofundar conhecimentos ou debater assuntos, filosóficos ou de outra natureza. A razão é simples: isso dá trabalho, implica um esforço intelectual e pouca gente está disposta a fazê-lo. Isto não é novo na história da humanidade, parece-me ilusório pensar que as novas tecnologias possam mudar a natureza humana (como alguns políticos portugueses gostam de apregoar no domínio da educação).
(Continuação)
Eu penso que seleccionar a informação de qualidade - em termos científicos e pedagógicos - continua a ser uma tarefa de especialistas, entenda-se conhecedores. Estes até podem ser autodidactas, não têm de ser oriundos do meio universitário, embora eu reconheça que a maioria o é. Por conseguinte, discordo da sua ideia da selecção ser obra do consumidor e não de quem a fornece, tal como acontecia antes. O tipo de informação especializada numa certa área - só esta me interessa - acaba por ser efectuada em função da credibilidade atribuída a certas fontes. Por exemplo, no caso da Filosofia, através do reconhecimento do mérito intelectual e do rigor científico das informações disponibilizadas em certas revistas ou blogues de Filosofia (que não são assim tantos!). Deste modo, a facilidade de acesso à informação qualificada não alterou o modo como esta é seleccionada.
É verdade que um blogue - com jogos ou mexericos, por exemplo, tal como um programa de rádio, televisão ou um livro de literatura light do mesmo teor - pode ter facilmente muitos leitores. Mas significa que estes ganharam com isso algum conhecimento que lhes permita compreender melhor o mundo e a si mesmos? Não. É dar mais palha a quem só quer palha (e tem naturalmente esse direito).
Contudo, sem a net este diálogo não seria possível. E eu não teria aprendido no seu blogue algumas coisas de música (sei muito pouco) no seu blogue. Mas julgo que isso não invalida o que eu disse anteriormente. Ou invalidará?
Cumprimentos.
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