sábado, 15 de maio de 2010

Imoral não quer dizer sexual

Segundo os jornais, uma professora posou nua para uma revista erótica. A Câmara Municipal de Mirandela afastou-a das actividades lectivas e colocou-a a trabalhar no Arquivo Municipal. Motivo: impedi-la de contactar com alunos e pais, devido ao “alarme social” provocado pelo caso. A esse alarme não é estranho, além das notícias saídas nos jornais, o facto das pessoas da cidade terem comprado todos os exemplares da dita revista que encontraram à venda e de algumas das fotografias em causa terem circulado por email e telemóvel.

Ao ler sobre o caso vieram-me à memória as seguintes linhas de Fernando Savater e de Peter Singer. Creio que o caso não merece mais comentários.

 

“Quando as pessoas falam de ‘moral’ e sobretudo de ‘imoralidade’, oitenta por cento das vezes – e estou com toda a certeza a calcular por baixo – o sermão trata de alguma coisa que tem a ver com sexo. Tanto assim é que há quem julgue que a moral se dedica antes de mais a ajuizar o que as pessoas fazem com as suas partes sexuais. O disparate não podia ser maior (…). No sexo, por si próprio, nada há de mais ‘imoral’ do que comer ou passear no campo; claro que uma pessoa pode comportar-se imoralmente com o sexo (utilizando-o para prejudicar outra pessoa, por exemplo), do mesmo modo que há quem coma a parte do vizinho ou aproveite os seus passeios para planear atentados terroristas.”

Fernando Savater, Ética para um Jovem, 14ª edição, Dom Quixote, Lisboa, 2007, pp. 115-116.

“Algumas pessoas pensam que a moral está ultrapassada nos dias que correm. Encaram a moral como um sistema de proibições puritanas descabidas que se destinam sobretudo a evitar que as pessoas se divirtam. Os moralistas tradicionais pretendem ser os defensores da moralidade em geral, mas o que defendem na realidade é um determinado código moral. Apropriaram-se desta área a tal ponto que, quando uma manchete de jornal insere o título BISPO ATACA A DECADÊNCIA DOS PADRÕES MORAIS, pensamos logo que se trata de mais um texto sobre promiscuidade, homossexualidade, pornografia, etc., e não sobre as verbas insignificantes que concedemos para a ajuda internacional às nações mais pobres nem sobre a nossa indiferença irresponsável para com o meio ambiente do nosso planeta.

Portanto, a primeira coisa a dizer da ética é que não se trata de um conjunto de proibições particularmente respeitantes ao sexo. Mesmo na época da Sida, o sexo não levanta nenhuma questão ética específica. As decisões sobre o sexo podem envolver considerações sobre a honestidade, o respeito pelos outros, a prudência, etc., mas não há nada disso nada de especial em relação ao sexo, pois o mesmo se poderia dizer de decisões respeitantes à condução de um automóvel.”

Peter Singer, Ética Prática, Gradiva, Lisboa, 2000, pág. 18.

A respeito desta questão veja também o post "O que é realmente imoral: o sexo ou a miséria extrema?"

8 comentários:

Anónimo disse...

Parece-mer que há outras imoralidades bem piores nesta história, como escrevo lá no Rochedo.
Obrigado pela visita. Gostei de conhecer este blog e voltarei.

Anónimo disse...

Vou transcrever todo o teu post para o pôr no meu canto, se não te importas, com todos os devidos direitos de autor

Teté disse...

Ah, bem me parecia que já tinha visto o título em algum lado... :)

Os moralistas são normalmente uns chatos hipócritas, que querem "vender" aos outros a sua "moralidade". Não sei porquê, lembro-me sempre do "Diáconos Remédios", aquele cromo que Herman José interpretava... :D

CCF disse...

Boa reflexão, e consegue acrescentar mais qualquer coisa a um assunto que já começa a cansar.
~CC~

Pedro Ricardo Tordo disse...

Portugal é uma sociedade sucientemente aberta e moderna para ter a revista Playboy mas continua a ser tão fechada que depois castiga as pessoas que lá aparecem. Ou seja: em Portugal continua a haver mais moralismo que moralidade.

Carlos Pires disse...

Carlos, Marta, CCF:

Obrigado!

Carlos Pires disse...

Teté:

A palavra 'moralista' adquiriu de facto um sentido pejorativo e designa pessoas que tentam impor aos outros os seus preconceitos.
É pena que assim seja pois é fundamental distinguir a moralidade de preconceitos e tentar dar-lhe, pelo contrário, uma justificação racional e objectiva.

Carlos Pires disse...

Pedro:

O que disse talvez não seja exclusivo de Portugal.

Repito o que escrevi para a leitora Teté:
A palavra 'moralista' adquiriu de facto um sentido pejorativo e designa pessoas que tentam impor aos outros os seus preconceitos.
É pena que assim seja pois é fundamental distinguir a moralidade de preconceitos e tentar dar-lhe, pelo contrário, uma justificação racional e objectiva.