quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Como deveriam os professores ser avaliados?

O modelo de avaliação dos professores que este governo tem tentado impor possui inúmeros defeitos. Estes têm sido alvo de justas e frequentes críticas. Por parte dos professores e não só.
Infelizmente, essas críticas não têm sido acompanhadas de propostas alternativas ao dito modelo. Essa incapacidade de apresentar propostas alternativas (nomeadamente por parte dos sindicatos e de outros movimentos de professores) contribuiu para descredibilizar – aos olhos da opinião pública – os professores, pois permite a suspeita de que estes não querem ser avaliados.
E é realmente verdade que muitos professores não querem ser avaliados – nem desta maneira absurda nem de nenhuma outra. Mas não é o nosso caso. Nós queremos ser avaliados.
Como deveria ser feita a avaliação dos professores? Qualquer avaliação inclui sempre vários parâmetros e não seria possível analisar todos eles num simples post. Por isso, vamos apenas falar daquele que, na nossa opinião, deveria ser considerado o parâmetro principal de uma avaliação dos professores.
Se quiséssemos, por exemplo, avaliar um fabricante de tesouras o parâmetro principal dessa avaliação consistiria certamente em verificar se as tesouras cortavam ou não cortavam bem o papel, os tecidos, etc. Contrariamente às tesouras, um professor não tem apenas uma função (actualmente pode-se até dizer que tem demasiadas funções), mas sem dúvida que a principal é ensinar e fazer aprender. Por isso, não faz nenhum sentido avaliar os professores e não ter em conta as aprendizagens dos alunos. Mas como fazê-lo?
O actual modelo de avaliação pretende fazer isso através do estabelecimento de taxas de sucesso que o professor tem de alcançar. Esse método é absurdo, pois o sucesso dos alunos não depende apenas da qualidade do ensino ministrado pelo professor: depende também de factores que o professor (por muito que se esforce) não controla – a vontade do aluno, as dificuldades que acumulou em anos anteriores, etc. Dizer aos professores que só terão Excelente, Muito Bom ou Bom se os seus alunos tiverem uma certa percentagem de sucesso é quase equivalente a convidá-los a inflacionar a notas. Ou seja: trata-se de um truque para fabricar um sucesso educativo artificial e meramente estatístico (à semelhança da fraude que são as Novas Oportunidades e do facilitismo nalguns exames do passado ano lectivo).
Contudo, há uma maneira rigorosa e objectiva de relacionar as aprendizagens efectuadas pelos alunos com a qualidade do ensino ministrado pelo professor. Consiste em comparar as classificações atribuídas pelo professor no final do ano lectivo com as classificações obtidas pelos alunos em exames nacionais elaborados com rigor e exigência.
Nessa comparação, o que seria significativo para a avaliação do professor não seriam os resultados mais ou menos elevados obtidos nos exames nacionais (pois isso não depende inteiramente do mérito ou demérito do professor), mas a coerência entre esses resultados e as classificações por si atribuídas. Dito por outras palavras: a coerência entre a avaliação externa e a avaliação interna dos alunos.
Para que a avaliação dos professores tivesse essa comparação como parâmetro principal seria necessário que existissem mais exames nacionais do que actualmente sucede. Na nossa opinião, deveriam existir exames nacionais em todas as disciplinas “de estudo” (ou seja: em todas menos em disciplinas como Educação Física e Educação Visual). Tais exames deveriam ser efectuados no final de cada ciclo: no 4º ano, no 6º ano, no 9º ano e no 11º ano ou no 12º ano (consoante as disciplinas durassem 2 ou 3 anos). O peso da classificação do exame na classificação final do aluno deveria ser significativo (30% como actualmente ou mais) e, mais importante do que isso, deveria haver uma nota mínima para haver aprovação: independentemente da classificação interna, o aluno só deveria ser aprovado se obtivesse pelo menos 9,5 numa escala de 0 a 20.
A existência desses exames e dessas regras faria os professores e os alunos trabalharem mais e melhor. E faria também com que os autores dos programas e dos manuais escolares fossem mais cuidadosos e ponderados na sua concepção.
Uma das disciplinas que passaria a ter exame nacional seria, naturalmente, Filosofia (Uma das medidas mais desastrosas desta ministra da Educação foi acabar com o exame nacional de Filosofia.)
É dessa forma que gostaríamos de ser avaliados. Mas, ao dizê-lo, sabemos que uma avaliação dos professores desse género seria contestada pela maioria dos professores (embora não pela totalidade, como sucede com o actual modelo).
Por isso, mesmo que (como ardentemente desejamos) a manifestação do dia 8 de Novembro seja um sucesso e o governo ceda, existem poucos motivos para ter esperança no futuro da Educação em Portugal.

Carlos Pires
Sara Raposo

16 comentários:

Porfirio Silva disse...

Cito-vos: "Nessa comparação, o que seria significativo para a avaliação do professor não seriam os resultados mais ou menos elevados obtidos nos exames nacionais (pois isso não depende inteiramente do mérito ou demérito do professor), mas a coerência entre esses resultados e as classificações por si atribuídas. Dito por outras palavras: a coerência entre a avaliação externa e a avaliação interna dos alunos." Penso que isto é um resumo adequado da vossa proposta.

Então, desculpem a minha burrice, mas... vejam lá a situação seguinte.

Um professor não ensina nada aos seus alunos e, em coerência, como eles não sabem nada, dá-lhes notas muito baixas (avaliação interna). Além disso, os mesmos alunos, como não sabem nada, vão ter notas muito baixas nos exames (avaliação externa). Mas vai haver uma grande coerência entre a avaliação externa e a interna. E esse professor, pelo vosso critério, vai ser avaliado muito positivamente.

Há algo errado na minha leitura da vossa proposta?
Ou é a vossa proposta que está errada porque premiaria coisas que não podem ser, de todo, a meta central da educação?

Cumprimentos.

Dúvida Metódica disse...

Caro Porfírio:

Em primeiro lugar, obrigado pela sua crítica. Vejamos agora porque motivos discordamos dela.

Relativamente à situação que propõe:

O que significa “notas baixas”? Um aluno (a menos que seja aluno externo) só pode ir a exame se tiver pelo menos 10. Se o aluno tiver 9, 10 ou 11 num exame nacional exigente e bem elaborado é porque afinal o professor lhe ensinou alguma coisa. Se a nota for bastante abaixo ou bastante acima do 10 do próprio professor não há coerência. Mas o que é “bastante abaixo” e “bastante acima”? Tudo isso teria que ser analisado e discutido.

Por outro lado. O facto de a coerência entre a avaliação interna e externa dos alunos ser considerada por nós como o parâmetro mais relevante na avaliação dos professores não significa que seja o único. Há outros. Curiosamente, ter em conta a referida coerência contribui para que a avaliação desses outros parâmetros seja feita com objectividade e rigor.

Entre esses outros parâmetros teriam lugar a avaliação da qualidade científica e pedagógica das aulas e dos materiais (testes, fichas de trabalho, textos, esquemas, etc.) elaborados pelo professor.

Mas como evitar que a avaliação das aulas e dos materiais seja feita segundo critérios subjectivos e possa ser influenciada por simpatias e antipatias pessoais? Se existir apenas uma avaliação feita pelos pares não se consegue isso. Só a avaliação externa permite isso. A avaliação externa dos alunos através de exames nacionais, tal como defendemos no post, e a avaliação externa das escolas.
O Ministério da Educação por vezes faz essas avaliações (as “inspecções” e coisas similares), mas não confiamos muito nelas – pois costumam ser orientadas pela ideologia dominante no Ministério: o “eduquês”, isto é, as disparatadas ideias pedagógicas defendidas pela maioria das pessoas das “Ciências” da Educação (também conhecidas por Ciências Ocultas).

Para que uma avaliação externa das escolas fosse susceptível de melhorar a qualidade do seu ensino teria que ser efectuada por instituições realmente independentes: empresas (isto horroriza a maioria dos professores, devido a óbvios preconceitos esquerdistas), Universidades… Essas instituições poderiam ser portuguesas ou estrangeiras. Essa avaliação externa nalguns casos poderia incidir em toda uma escola, mas noutros casos poderia incidir apenas num Departamento ou dois da escola.

Universidades inglesas e americanas a avaliar os Departamentos de Filosofia das escolas secundárias portuguesas? Era capaz de ser caro, mas seria certamente uma avaliação imparcial e eficaz. Quem nos dera!

Regressemos à situação que o Porfírio apresentou:
Não se esqueça que um professor não é o único professor dos seus alunos. Eles têm outras disciplinas. Caso haja enormes discrepâncias entre as notas das várias disciplinas isso também pode ser considerado na avaliação de um professor. De resto, a atenção que nas escolas se dá a essas discrepâncias faz com que a eventual incompetência de um professor possa ser detectada antes dos alunos irem a exame (nos Conselhos de turma de avaliação em que o professor de cada disciplina propõe as suas classificações; nas reuniões do Director de turma com os Encarregados de Educação; nas reuniões dos grupos disciplinares, em que cada professor, perante os outros professores da disciplina justifica os resultados que obteve em cada turma, nos contactos mantidos entre os alunos da turma e o Director de turma, etc.). Só que actualmente (em que se discute a avaliação dos professores mas ainda não existe avaliação dos professores) esses casos de incompetência muitas vezes são relativizados e diluídos no meio da confusão geral que reina: com os poucos mecanismos de avaliação externa que actualmente existem acaba por ser fácil os incompetentes sacudirem as responsabilidades.

Não percebemos bem porque é que sugere que a nossa proposta “premiaria coisas que não podem ser, de todo, a meta central da educação” Dar importância a exames nacionais (isto é, efectuados por quem não é parte directamente interessada) será contrário às metas centrais da educação? Será impossível elaborar exames em que a os alunos sejam testados quanto aos seus conhecimentos, quanto à capacidade de compreensão e quanto à sua capacidade crítica? Imensos professores fazem testes de Filosofia, Matemática, Física e Química ou Português capazes de testar esses parâmetros. Se se podem fazer testes com essas características, então também se poderão fazer exames nacionais similares – que não sejam redutores, que não promovam o mero “empinanço”, etc. Considerar que os professores que preparam os seus alunos para serem bem sucedidos em exames nacionais com essas características são bons professores, será premiar “coisas que não podem ser, de todo, a meta central da educação”? Só se as metas fundamentais da educação se resumirem (como pretendem os teóricos do “eduquês” às tretas da Cidadania. Contudo, não é essa a nossa ideia do que deve ser a educação.

Dúvida Metódica disse...

No final do comentário feito ao Porfirio Silva há um lapso: não é "tretas da Cidadania" mas sim "tretas da Educação para a Cidadania". Claro que a cidadania não é uma treta, só que não se formam cidadãos com lavagens ao cérebro politicamente correctas como quer o "eduquês", mas sim com um bom ensino da filosofia, da matemática, da história, etc. (Tal como não se ensina os alunos a fazer pesquisas impingido-lhes no 12º uma disciplina como Área de Projecto.)

Anónimo disse...

Caros (peço desculpa pela falta de acentos),
E melhor não haver qualquer avaliação do que uma avaliação, como a que a ministra quer impor, que assenta no dogma eduques de que há uma e só uma pedagogia. Ao contrario do que supõe o actual modelo, e desejável que os alunos convivam com metodologias e modelos pedagógicos diferentes. Os Professores podem alcancar bons resultados recorrendo a metodologias diferentes. Assim, só se poderão mesmo avaliar decentemente os professores a partir dos resultados dos seus alunos em exames decentes, que e o que a ministra não quer. Claro que esses resultados deviam poder ser ponderados com o desvio médio da avaliação interna do professor relativamente a media da disciplina e dos alunos da turma. Caramba, seria assim tão difícil encontrar un sistema de avaliação bem mis simples e justo do que está macacada da ministra? A verdade e que aminostra e a primeira a estar-se nas tintas para isso. O que ela quer todos nós sabemos.
Aires Almeida

Carlos Pires disse...

Obrigado Aires.
Um dos meus receios - infelizmente não é o único - é que, com todas estas trapalhadas e excesso de trabalho, a própria ideia de que os professores devem ser avaliados vá ficando desacreditada.Veremos.

Porfirio Silva disse...

Obrigado pela longa atenção à minha crítica. Penso que ficou claro, pela vossa resposta, que a proposta que tinham apresentado, mesmo que pudesse ser um elemento a incluir numa proposta, não era, só por si, uma proposta.
De qualquer modo acho que seria desejável, para o país, para a educação, para os professores, que aqueles que afirmam querer uma avaliação, mas não esta, fossem mais produtivos a dar a conhecer as propostas alternativas. Propostas completas, não segmentos que não permitem fazer ideia do que seria um sistema de avaliação com tais bases. E que se batessem por essas alternativas globais, credíveis, executáveis. É que seria bom que os que realmente estão contra qualquer avaliação *com consequências* deixassem de se poder esconder atrás dos que até querem uma avaliação séria, embora discordem do modelo actual.
Quem seriamente quer mudar o sistema tem de compreender que o país já esperou demais por certas coisas. Por exemplo, há demasiados anos que os sindicatos fazem de conta que querem a avaliação mas sempre conseguirem que nada de sério avançasse por aí. E a maior parte dos professores estava contente com isso.
Porque é que o país não assiste a um verdadeiro debate *entre professores* acerca do que devia ser a sua avaliação? Não parece estranho que haja tanta aparente unanimidade acerca disto? Penso que se estivessem realmente a discutir-se alternativas haveria maior variedade de posições, mais argumentos cruzados no seio da própria classe docente. Esta "quase unanimidade" é mau sinal: normalmente é sinal de corporativismo. E sinal de que a maioria está a usar mecanismos de pressão para evitar um verdadeiro debate. Eu sei muito bem como funcionam os mecanismos de esmagamento dos discordantes. E, neste momento, isso está a acontecer. E não vejo nenhuma voz com peso e com convicção a fazer propostas sérias para uma avaliação com consequências. Sim, porque a velha avaliação da função pública, onde todos podem ter "muito bem" e nada acontece, já não é tolerável.
Desejo bom trabalho aos professores que realmente querem uma avaliação com consequências, que premeie os melhores sem nivelar todos pela mesma bitola. E desejo isso independentemente de eles concordarem ou não com o sistema actual.

Carlos Pires disse...

Porfirio:

Claro que não era uma proposta global.
Mas é preciso insistir publicamente na avaliação externa - de alunos,professores e da própria escola.
Tem razão quanto à falsa unidade. Uma das coisas que o actual unanimismo esconde são as divergências entre os professores quanto a essa avaliação externa. Quando este governo acabou com o exame nacional de filosofia a maior parte dos profs de Filosofia que conheço ficou aliviada. E em relação a esse tipo de medidas os sindicatos nunca abrem a boca.
Por falar em avaliação: vou continuar a corrigir testes...

Anónimo disse...

Caro Porfírio,

Posso estar a ver mal, mas julgo estar subjacente ao seu último comentário um raciocínio falacioso, que é o seguinte: ou se apresenta um sistema de avaliação alternativo ao do ministério ou fica provado que este sistema é melhor do que sistema nenhum. Isto é um falso dilema.

Pode dar-se o caso de este sistema de avaliação ser realmente pior do que sistema nenhum. E isto basta para legitimar racionalmente o protesto dos professores.

Não merece qualquer discussão que o sistema (ou ausência dele) que temos tido não discrimina seja quem for pelo mérito, colocando no mesmo nível bons e maus professores. Isto é ponto assente.

Mas a questão é que existe ainda pior do que isto, a saber, um sistema que discrimine aleatoriamente, independentemente do mérito de cada um. Nos tribunais segue-se o princípio 'in dubio pro reu', considerando-se que beneficiar o prevaricador é mais grave do que punir o inocente. Não vejo porque razão não há-de ser assim também aqui.

E há ainda outra coisa que não é clara e até incoerente no seu comentário, nomeadamente quando afirma:

«Esta "quase unanimidade" é mau sinal: normalmente é sinal de corporativismo. E sinal de que a maioria está a usar mecanismos de pressão para evitar um verdadeiro debate.»

para mais abaixo acrescentar:

«E não vejo nenhuma voz com peso e com convicção a fazer propostas sérias para uma avaliação com consequências. Sim, porque a velha avaliação da função pública, onde todos podem ter "muito bem" e nada acontece, já não é tolerável.»

sugerindo que há ou deveria haver unanimidade sobre a necessidade de uma avaliação dos professores com consequências. Ora, não seria isso, de acordo com o seu critério, já um mau sinal também? Não poderia ser uma espécie de anti-corporativismo pavloviano? A verdade é que é também útil desafiar o preconceito da moda segundo o qual é imprescindível avaliar com consequências os professores. Há quem defenda que não é e com argumentos bastante persuasivos, apesar de eu não concordar com eles. Mas sobre estes já parece ser legítimo utilizar mecanismos de esmagamento dos discordantes.

Mas, curiosamente, a passagem acima do Porfírio encerra um forte argumento contra o sistema que a ministra quer impor e que é o seguinte: o professor ter efectivamente "muito bem" e nada acontecer. Isto porque nenhum professor passará a ganhar mais por ter muito bem; são os que não têm muito bem que deixarão de ganhar mais. Ou seja, os melhores continuarão na mesma, como até aqui, sem qualquer vantagem, e os piores é que serão punidos.

Este é, portanto, um sistema concebido para punir e não para premiar o mérito. Enfim, um truque para para poupar dinheiro. E isso é simplesmente desonesto. Ou ainda não lhe ocorreu pensar por que raio haverão os bons professores de ser contra este sistema e de alinhar também nas manifestações? Porque, com toda a razão, percebem que a avaliação vai ser uma espécie de roleta russa.

Para terminar, só espero que o Porfírio não venha dizer que por detrás das minhas palavras se esconde uma reacção corporativista contra qualquer forma de avaliação. Se assim for, vou ficar realmente muito frustrado.

Porfirio Silva disse...

Caro Aires Almeida:
Ainda não consegui perceber onde é que naquilo que eu escrevi está defendido aquilo que atacas.
De qualquer modo, tentei evitar um estilo de debate que, salvo erro da minha parte, parece enquadrar algumas das tuas afirmações. Não tentei diabolizar, nem santificar, ninguém. Tenho tendência a acreditar que não há nenhum debate em que uma das partes tenha toda a razão. E, neste caso, "partes" não são apenas os actuais protagonistas, mas também os seus antepassados e respectivas responsabilidades.
A minha atitude é muito simples: eu já fui um negociador profissional, quer dizer, um tipo pago para dirigir negociações e levá-las a bom termo. E orgulho-me de ter conseguido algumas coisas que outros consideravam impossíveis. Um dos meus princípios era: há certas coisas que todas as partes têm de compreender, há certas coisas que nenhuma parte pode ser obrigada a confessar, e a intersecção desses dois conjuntos nem sempre é vazia.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Caro Porfírio,

Pareceu-me, talvez erradamente, que subjacente às tuas palavras estava um protesto contra a ausência, da parte dos milhares de contestatários, de um modelo de avaliação alternativo àquele que contestavam.

Concordo contigo que na maior parte dos casos a razão pode estar dividida. Mas neste caso não, pois é de longe melhor não haver avaliação do que esta que está em cima da mesa (e esta não tem qualquer emenda possível). E se a ideia é poupar dinheiro, que deixem a avaliação de lado e congelem os vencimentos por mais uns anos. Acho muito mais honesto e talvez até nem me opusesse a isso.

Para te dar só uma pequena ideia da aberração que é este modelo de avaliação, pergunto-te o seguinte:
achas normal eu, que sou professor de filosofia, ser avaliado por um colega de contabilidade com os mesmos anos de serviço que eu? E achas bem que eu avalie os colegas que vão concorrer comigo aos mesmos lugares, havendo cotas para lá chegar? E achas bem que a filha do meu avaliador seja, por sua vez, avaliada por mim (é minha aluna)? E achas bem que passe tanto tempo a avaliar e a ser avaliado como o número de horas lectivas que constam do meu horário?

Pois bem, tudo isto se passa no meu caso e nem preciso de acenar com possibilidades meramente académicas. E são apenas amostras da imbecilidade deste modelo, pois o rol é extenso. Tudo isto seria mais do que suficiente para chumbar liminarmente o modelo de avaliação imposto. Acontece que estas situações não são excepções, são até muito vulgares.

Pá, isto entra pelos olhos de qualquer pessoa minimamente razoável e que não parta de ideias preconcebidas. E, pessoalmente, começo a perder a paciência com quem fala dos méritos do modelo de avaliação sem estar minimamente informado do que se passa (não estou sequer a sugerir que é o teu caso).

A verdade é que há muita gente que quando ouve falar de avaliação reage pavlovianamente «sim, isso é bom!», independentemente daquilo que se vai avaliar, de como se faz e do que se faz com a avaliação (para premiar o mérito não é de certeza).

Quanto ao resto que dizes, nada contra.

Porfirio Silva disse...

Aires, desculpa, há quantos anos andam os "representantes dos professores" a negociar a avaliação docente com o ministério?
Podes dar-me exemplos de propostas feitas por esses representantes que fossem melhores do que o modelo actual?
Poderás também, eventualmente, dar alguns exemplos de propostas dos sindicatos que, tendo sido aceites, contribuíram para aspectos agora criticados pelos professores? Ou não há casos desses?
Há certamente uma coisa que é responsabilidade partilhada: dezenas de ministros da educação, desde o 25 de Abril, nunca concretizaram uma avaliação digna desse nome; e os tais "representantes" dos professores contribuíram amavelmente para isso. E nunca vi nenhuma manifestação de professores contra essa falha.
Todos temos responsabilidades históricas por esta situação. Mesmo os que nunca foram professores. Não vale a pena uma das partes lavar as mãos. Tal como não vale a pena esperarmos pelo modelo perfeito, porque esse não existe (contra-argumento ontológico...) e é apenas uma desculpa para não fazer nada.
O que é triste nesta situação é que os professores que, além de serem bons profissionais, têm consciência da necessidade de outras formas de organizar a escola e o ensino, foram capturadas por esta lógica de radicalização que só serve alguns. Os piores, nomeadamente. Sinal disso é o manto de unanimismo que cobre "a classe" por estes dias.
Cumprimentos.

Anónimo disse...

Porfírio, não se trata de não haver modelos perfeitos. Sei perfeitamete que isso não existe e não se pode exigir o impossível. Mas os eventuais defeitos de qualquer modelo aceitável têm de ser pontuais e não dar origem a maiores injustiças do que aquelas que se querem evitar com o próprio modelo.

Ora, não há volta a dar a isto. Acho que te dei exemplos de situações recorrentes (não excepcionais) gravíssimas que nem sequer deviam ser equacionadas, mas que são o coração deste modelo.

Que haja muitos professores que se agarram a isso para voltar à ausência de avaliação é completamente irrelevante e não altera nada do que disse. Acho que estás sistematicamente a atirar ao lado.

Nem mesmo o comportamento censurável dos sindicatos torna legítima a aplicação deste modelo de avaliação. Pessoalmene, não me revejo nada nos sindicatos, até porque não sou sindicalizado. Estou-me, portanto, um bocado nas tintas para eles. Uma injustiça é uma injustiça e isso nunca deve poder ser legitimado. Não vamos agora tomar este modelo de avaliação como uma castigo merecido, pois a avliação não deve ser para castigar mas pra avaliar correctamente.

De resto, acho que estás a confundir unanimismo com unanimidade. Há unanimidade na rejeição deste modelo, mas não me parece haver qualquer unanimismo.

Já agora, há unanimidade por uma razão muito simples: estamos todos a ser completamente sufocados nas escolas com esta idiotice de pseudo-avaliação. É uma coisa que todos sentem directamente na pele e vejo que só quem é professor é que consegue comprender.

Isto não é avaliação alguma, é simplesmente um mal disfarçado estratagema para poupar muito dinheiro, mascarado com alguns tiques do pior eduquês. É simplesmente pavoroso.

Para terminar, fazendo o contraponto às tuas críticas aos sindicatos (que eu subscrevo), vale a pena ver também o outro lado, o da ministra. Disse ela esta tarde no parlamento que pedia desculpa aos professores por lhe causar tão grande desmotivação. E acrescentou que tem de ser assim porque isto é importante para o país. Podia ter sido ainda mais clara: "estou-me nas tintas para a vossa desmotivação, mas é com ela que isto vai melhorar". Não achas isto simplesmente estúpido (a afirmação, não a senhora)? E quando disse que os 120 professores da manifestação estavam no fundo a fazer chantagem em relação aos outros que não alinhavam? Não achas que isto é chamar chantagistas a pessoas que discordam dela, só porque discordam dela e o manifestam democraticamente? E que dizer de afirmações como «perdi os professores mas ganhei os pais»? Para já não falar de tiradas em que sistematicamente descai para a depreciação dos professores. É como se um professor quisesse que os seus alunos aprendessem alguma coisa, chamando-lhes burros a toda a hora. Achas isto aceitável? Na verdade, esta ministra não tem defesa possível. E já não falo do monte de asneiras que andou a fazer todos estes anos.

Porfirio Silva disse...

A Ministra é, como direi, uma "pessoa normal". Não é uma política profissional, às vezes faltam-lhe truques. Falta-lhe, por exemplo, o truque de deixar andar, como se fez durante tantos anos. Não vejo tanta indignação pelas montanhas de disparates ditas por alguns professores e seus dirigentes como vejo de indignação por qualquer palavra menos exacta da ministra.

Fico espantado com o ódio, ou quase, com que os professores falam da ministra. Não me convences de que a culpa seja só da ministra. E não aprovo esse tique populista de pensar que quanto mais se insultar a ministra mais razão se tem.

Todas as críticas possíveis e imaginárias ao modelo de avaliação são ponderáveis. Mas não há nenhuma razão para não aceitar começar um processo e depois corrigi-lo progressivamente. Estou certo de que se os negociadores se tivessem concentrado em garantir que o processo de avaliação era avaliável e ajustável progressivamente - mais do que já é - isso teria sido possível. Mas a estratégia dos negociadores foi uma estratégia de má-fé, foi uma estratégia de impedir que se encontrasse uma solução duradoura, porque no fundo acreditavam que qualquer forma de avaliação com consequências seria uma derrota. E a esmagadora maioria dos professores gostou dessa estratégia. E estamos todos a pagar a factura disso.

Os professores estão fartos e cansados de tanta guerra. Tenho muitos amigos professores, sei disso. Mas o país também está farto da forma como os professores têm conduzido esta luta. Será que os professores não admitem que as outras pessoas tenham opinião sobre a forma como têm feito as coisas? Ou será que acham que não devem explicações a ninguém?
Estou certo que se alguém com credibilidade viesse, do lado dos professores, propor uma forma de sair disto sem adiar tudo outra vez, reforçando o acompanhamento e avaliação da avaliação, poderia ser ouvido. Mas, na verdade, ninguém tem coragem de dar esse passo porque o que "a classe" deseja mesmo é que volte tudo à estaca zero. Nada no comportamento da classe me convence de que estejam, maioritariamente, de boa fé neste processo. E o país está à espera de perceber coisas tão simples como estas: porque se assinam acordos e depois não se cumprem?

Como vês, meu caro, não estou a tirar-te nenhuma razão quanto a eventuais defeitos no modelo de avaliação. Apesar de me surpreender que não vejas nele nada de positivo. Mas, no essencial, o que estou a dizer é que os professores foram conduzidos a uma confrontação que tem objectivos extra-educativos e que enferma de vícios de entendimento acerca do funcionamento de uma democracia. Curiosamente, mesmo gente bem formada acha isso de somenos importância. Eu não acho.

Anónimo disse...

Porfírio, chegados aqui penso que não há muito mais a acrescentar. Esse é precisamente o tipo de discussão que não me parece levar a lado algum. Um diz que a ministra, coitada, é uma pessoa normal e que os outros é que são uns calões e eu poderia dizer agora que é a ministra que não compreende os professores e que é isto e mais aquilo. E podíamos ficar aqui infinitamente neste rosário.

Acho sinceramente que o teu discurso padece precisamente do radicalismo que acusas aos professores e reconheço que, mesmo contra a minha vontade, volta e meia acabo por embarcar nisso, apesar de ser algo que não me interessa muito.

Já aqui disse que os sindicatos têm agido na maior parte das vezes mal, muito mal mesmo. É por isso que não sou sindicalizado. Mas eu não quero discutir os sindicatos nem a ministra; quero discutir o modelo, coisa que parece não te interessar muito (desculpa se estou a ser injusto).

Quanto ao modelo, é realmente muito mau. Aliás, é incrivelmente mau porque iníquo de alto a baixo e porque tem por base uma concepção pedagógica dogmática tão característica do pior eduquês. Que queres que te diga? Que é até nem é mau de todo, mas..., só para não passar por radical? Não vejo as coisas assim e até nem costumo ser nada radical, mas quando uma coisa é má, é má.

Julguei ter dado exemplos claríssimos do que afirmo, mas ainda poderia dar mais. Pessoalmente, estou decidido a desobedecer e a apresentar objecção de consciência, pois não me consideraria uma pessoa moralmente bem formada ao avaliar os colegas que vão disputar comigo, que sou seu avaliador, a mesmíssima vaga de Muito Bom. Isso é revoltante e IMORAL. Não é uma aberracção obrigarem-te a ter uma conduta eticamente reprovável, seja qual for a pespectiva ética que adoptes? Um professor não pode dar aulas aos seus filhos, não pode fazer uma simples vigilância de exame numa sala em que esteja um seu filho ou familiar, mas pode avaliar o colega que pretende o mesmo lugar que ele. Por favor, responde-me a isto e deixa lá os sindicatos e a ministra.

E os exemplos são tantos, que até me custa acreditar que este modelo é real. Por exemplo, que me dizes de ser avaliado por este critério obrigatório, que está nas fichas do ministério: «utilização de recursos inovadores, incluindo as tecnologias de informação e comunicação» (sic)? Eu, que sou professor de filosofia, faço o quê para sere bom nisto? A filosofia é muito bem ensinada há mais de 25 séculos sem Magalhães, com diz um amigo meu, e vêm-me agora exigir que use o Magalhães ou os quadros interactivos? Coitado do Platão na Academia, de Aristóteles no Liceu ou dos escolásticos. Como fariam eles para ensinar filosofia sem Magalhães (atenção, até nem acho má ideia distribuir computadores pelos putos, apesar do ridículo da pompa com que isso tem sido feito)? Isto não é uma macacada?

E que sentido faz uns professores serem avaliados com critérios diferentes dos outros (os que leccionam disciplinas com exame têm critérios de avaliação que os das outras disciplinas não têm)?

Já reparaste que corrigir isto é praticamente deitar o modelo todo ao lixo?

E se, veladamente ou não, se conceber um modelo de avaliação de professores como uma espécie de castigo aos malandros que não fazem nada (as tais generalizações populistas e radicais), o resultado vai ser sempre o mesmo. Tem de se pensar num sistema de avaliação que sirva mesmo para avaliar e com isso melhorar a qualidde do ensino. Se um sistema de avaliação não servir para isso não serve para nada. E esta história só tem degradado a qualidade do ensino. Posso garantir-to, pois observo-o bem por dentro.

Carlos Pires disse...

Julgo que o Aires Almeida tem razão e o Porfirio não.

Seja como for, há um ponto na argumentação do Aires que é incorrecto, embora isso não diminua a força da sua posição. Não sou capaz de referir agora qual é a lei (ou despacho ou lá como se chama), mas parece que existem vagas diferentes para avaliadores e avaliados, pelo que em relação a esse ponto não há conflito de interesses.
No entanto, isso não significa que este modelo de avaliação seja defensável, pois tem inúmeros outros defeitos - que têm sido exaustivamente referidos aqui no DM e em muitos outros sítios, por muitas pessoas diferentes - e nem todas são professores!

Infelizmente, o Porfirio ao defender este modelo de avaliação e a ministra não tem em conta a argumentação concreta que tem sido produzida, fica-se pelas generalidades - discute as intenções e motivações dos professores (generalizando abusivamente) em vez de apresentar contra argumentos relativamente aos pontos específicos em discussão. A explicação talvez seja esta: descendo aos detalhes é impossível defender este modelo de avaliação e a actuação da ministra.

Seja como for, já vi demasiadas vezes as pessoas perderem as estribeiras com as divergências ou pelo contrário nem se darem ao trabalho de discutir e de justificar as suas opiniões, para não apreciar o tom cordial com que o Porfirio discute e diverge.

Anónimo disse...

Carlos,

Não sei bem o que queres dizer com isso de haver vagas diferentes para avaliadores e avaliados. Quando falas de vagas, estás a referir cotas de Muito Bom e Excelente? Se for isso, é para mim e para todos os outros meus colegas de escola uma novidade absoluta, até porque já está legislado qual o número de excelentes que vai haver nas escolas. Na minha vai haver 6% de excelentes, sobre o número total de professores do quadro (excluem-se os contratados). Eu li a legislação sobre isso e em lado algum diz que há mais excelentes nem como vão ser distribuídos.

Além disso, tenho a dizer que eu próprio sou avaliador e avaliado. Quais são as que contam para mim?

Não estarás a confundir com o concurso para titular, que é diferente do que se passa na progressão da carreira dos titulares?

Quanto ao resto, estamos de acordo. A Porfírio consegue manifestar a sua discordância de uma forma sempre elegante e civilizada.