segunda-feira, 12 de julho de 2010

Da ociosidade

O que é que acontece quando um indivíduo desfruta uma vida de ócio, sem quaisquer constrangimentos exteriores e pode concentrar-se, exclusivamente, em si ?
Nos Ensaios, Montaigne, conclui o seguinte:

Quando, recentemente, me retirei para minha casa, decidido a, tanto quanto possível, não me ocupar de outra coisa senão de passar em sossego e repouso o pouco tempo que me resta de vida, parecia-me não poder fazer melhor a favor do meu espírito que o de o deixar, em plena ociosidade, conversar comigo próprio, atentar em si mesmo e aí assentar, o que eu esperava que ele pudesse, a partir de então, fazer mais facilmente, uma vez que com o tempo se tornara mais grave e maduro. Mas descubro que - "os ócios dão sempre instabilidade à mente" ( Lucano, Pharsalia).

Vamos admitir que Montaigne tem razão. Se assim for, mesmo em férias se torna necessário alimentar a mente, para evitar o desregramento da imaginação e uma excessiva e improdutiva concentração no Ego. Por isso, aqui fica a sugestão de uma obra literária, onde também se abordam algumas questões filosóficas (a que voltarei noutros posts).



6 comentários:

Mário R. Gonçalves disse...

Infelizmente, concordo com Montaigne. A mente trabalha melhor sob algum stress. Ter tarefas , sobretudo com horário a cumprir, é uma grande ajuda; e ter alguém à nossa volta que nos "incomode" nem que seja só um pouquito
e nos contrarie de vez em quando.

Excesso de papo para o ar e "dolce vita" permanente são receita certa para queimar os miolos com cogitações morbidamente egocentristas.

Obrigado pelo livro.

Sara Raposo disse...

Olá Mário:

Espero que a sua recuperação continue, como até aqui, a bom ritmo.

Quanto ao Montaigne e à necessidade de constrangimentos exteriores, sejam ordens, horários, tarefas exigência ou outros, penso que estes terão, na maioria das pessoas, efeitos positivos. Ainda que em Portugal, os responsáveis pela política educativa pareçam desconhecer esta verdade elementar. Haverá, decerto raras excepções a quem as ideias de Montaigne não se aplicam. Mas o comum dos mortais, para trabalhar, precisa que lhe sejam impostas certas obrigações exteriores.

Se pensarmos num ambiente social em que se desvaloriza o esforço, o trabalho, a exigência e o mérito - como é o caso do que se vive em Portugal - é difícil a escola, por mais extraordinárias aulas que um professor dê, contrariar o clima de hedonismo. O trabalho é visto como algo negativo, por oposição ao prazer imediato. A maioria dos meus alunos (este ano lectivo e nos anteriores) pensava assim (5 turmas - mais de cento e vinte alunos).

Naturalmente que os resultados estão à vista, basta olhar para as classificações dos exames nacionais e para o grau de exigência - reduzida - destes.

O livro sugerido no post é um espanto. O que me levou a lê-lo tem a ver com o facto de eu achar que a velhice pode não corresponder, necessariamente, a uma certa idade em termos cronológicos. Mas antes a um certo sentimento de estranheza e distanciamento em relação aos valores, o ambiente social... que nos rodeia.

Cumprimentos.

Mário R. Gonçalves disse...

Tem evidentemente toda a razão quanto aos valores do lazer e do lúdico que arrasaram a escola tradicional.

Viu o estudo sobre o sucesso e abandono de alunos filhos de imigrantes? Isso diz tudo! Os imigrantes em Portugal, polacos ou ucranianos, são os melhores da turma; os imigrantes portugueses lá fora são consistentemente em todos os países (Luxemburgo, Suíça, Canadá, Alemanha...) dos piores e dos que mais abandonam.

É que nas escolas onde andam não se dá tanto valor ao futebol...

Sara Raposo disse...

Mário:

Conheço o estudo que refere. os resultados não me surpreendem, antes confirmam aquilo que tenho observado na escola.

Tenho tido vários alunos estrangeiros, sobretudo dos países de Leste (Moldávia, Ucrânia e Rússia) que são muito melhores do que os portugueses. São aliás dos melhores. Curiosamente, alguns deles eram apenas alunos médios na escola do seu país de origem. Em Portugal tornaram-se os melhores alunos da turma. Talvez o futuro resida nestes.

A maioria dos alunos portugueses - perfeitamente adaptados ao ambiente social e cultural português - acha que estudar é uma chatice, mesmo alguns dos bons alunos. Tenho, felizmente, a sorte de ter algumas excepções.

Matilde Matos disse...

Não percebi isto: «o desregramento da imaginação».

Sara Raposo disse...

Matilde:

No texto, Pascal pretende transmitir a seguinte ideia: quando não focamos o nosso pensamento ou a nossa imaginação num objecto(um problema, um assunto, uma tarefa) e não temos objectivos claramente definidos, corremos o risco de perder tempo. Ao agir deste modo, não se pode ganhar grande conhecimento ou, então, criar algo com um valor (que não seja meramente subjectivo).

Julgo que é de facto assim como Pascal descreve. Sem disciplina(regras, sejam estas de que natureza forem)- que o sujeito impõe a si próprio ou lhe são impostas do exterior - corre-se o risco de saber ou criar um pouco de tudo, isto é: algo vago e inconsistente. Para fazer o contrário, é preciso que não exista uma dispersão permanente, ou seja, é necessário colocar "rédeas" na nossa imaginação e direccioná-la para um alvo.

Ficou esclarecida ou nem por isso?

Cumprimentos.