Porque é que aconteceu o ataque terrorista contra o jornal francês Charlie Hedbo que, no dia 7 de Janeiro de 2015, provocou doze mortos?
Por incrível que possa parecer a um leitor imparcial e sensato, há quem diga que a culpa – ou pelo menos parte dela - foi da austeridade e do desinvestimento no Estado Social. Há também quem diga que a culpa – ou pelo menos parte dela - é da política externa do governo francês, que não é suficientemente crítica de Israel e dos EUA. Há também quem diga que a culpa – ou pelo menos parte dela - é dos próprios jornalistas e cartoonistas assassinados, pois abusaram da liberdade de expressão e ofenderam a religião muçulmana. Há também quem diga que a culpa – ou pelo menos parte dela - é dos cristãos, pois no passado diversas igrejas cristãs, com destaque para a Igreja Católica, perseguiram pessoas de outras religiões, nomeadamente os muçulmanos. Há também quem diga que a culpa – ou pelo menos parte dela – é dos muçulmanos moderados que não se demarcam publicamente dos muçulmanos fundamentalistas e radicais. E, claro, há quem junte algumas dessas culpabilizações.
Por incrível que possa parecer a um leitor imparcial e sensato que tenha estado em coma nos últimos 15 anos e tenha agora acordado, explicações equivalentes costumam ser dadas quando se trata de explicar os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, que visaram vários alvos nos EUA, nomeadamente as Torres Gémeas em Nova Iorque, em que morreram quase três mil pessoas.
Contudo - seja o que for que pensemos sobre a política externa deste ou daquele país ou sobre a história e a convivência das várias religiões existentes, para não falar do modo como a actual crise económica está a ser enfrentada nos países envolvidos nos acontecimentos mencionados -, devia ser óbvio que a responsabilidade ou culpa de tais ações é, em primeiro lugar, de quem as praticou e, em segundo lugar, de quem as apoiou logisticamente e de quem as inspirou através de influências religiosas ou outras.
A responsabilidade relaciona-se com a autoria das ações. Dizer que uma pessoa é responsável por uma ação significa que sem a sua intervenção isso não teria sucedido. Se a pessoa é responsável por uma ação então deve responder por ela, ou seja, deve prestar contas. Se se tratar de uma ação errada diz-se que a pessoa é culpada – nesse caso, a responsabilidade significa culpa. Se se tratar de uma ação correta diz-se que a pessoa tem mérito – nesse caso, a responsabilidade significa mérito.
Atribuir a responsabilidade de acções como o 11 de Setembro ou o atentado de Paris a factores sociais económicos ou políticos - mesmo que estes sejam problemas a precisar de solução - constitui não só uma desresponsabilização dos seus autores como também a sua menorização enquanto pessoas e agentes livres e racionais. Dizer que realizaram essas acções - que envolveram grande premeditação, planeamento e preparação prática – apenas devido à influência nefasta destas ou daquelas entidades exteriores é apresentá-los como uma espécie de marionetas e negar-lhes o livre-arbítrio e a autonomia. Esse tipo de desculpabilização, portanto, constitui um desrespeito pelas pessoas desculpabilizadas. E, claro, pelas suas vítimas.
(No post De quem é a culpa? encontrará uma história de Fernando Savater que coloca o dedo na ferida relativamente à questão da responsabilidade por ações eticamente erradas, como é o caso do homicídio.)
1 comentário:
Carlos Pires:
Onde se enquadra então a famosa frase de Ortega y Gasset: «O homem é o homem e a sua circunstância».
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