quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A alegoria da caverna e o Facebook: a opinião dos alunos

Facebook

Coloquei um desafio (aqui) aos meus alunos do 10º ano: turmas C, D e F. Agradeço a todos os que se empenharam e se atreveram a expressar publicamente as suas opiniões.

Os melhores trabalhos sobre o vídeo 2 , ainda que existam outros cuja leitura também vale a pena, foram realizados pelos alunos: Katayoune Shahbazkia (turma C) e David Afonso (turma D).

Ei-los:

As redes sociais virtuais são grupos ou espaços específicos na Internet que permitem partilhar dados e informações, sendo estas de carácter geral ou específico e nos mais diversos formatos (textos, arquivos, imagens fotos, vídeos, etc.). Incluem igualmente jogos, debates, testes e outros tipos de entretenimento virtuais. Embora seja um meio de interacção e comunicação que comporta inúmeras vantagens, engloba igualmente diversas desvantagens – quando usado por pessoas que possuem uma atitude acrítica (não pensam de forma coerente e apresentam ideias injustificadas).

A facilidade com que alguns indivíduos divulgam informações pessoais e aceitam como “verdades” o que lhes aparece no ecrã, passando inúmeras horas neste tipos de rede - que se torna viciante e causa dependência - são exemplos que ilustram as consequências negativas da utilização acrítica das redes sociais, em particular do Facebook. Outros aspectos negativos resultantes do mau uso das redes sociais podem ser: deficiência de interacção não-virtual, insucesso profissional e escolar, publicidade dirigida (após analise de perfis de diversas pessoas), perseguições por pessoas indesejáveis, chantagens, perda de privacidade e danos na reputação.

Na Alegoria da Caverna, Platão exprime a diferença entre a atitude crítica e acrítica, sublinhando que cada um de nós é livre de escolher ficar preso ou libertar-se. Para fazer esta diferenciação relata a história de homens que viveram desde sempre numa caverna escura, presos por correntes. Não vêem nada a não ser uma das paredes da caverna, onde são projectadas – graças a uma fonte de luz que se encontra atrás deles – figuras que provêm de objectos e pessoas que estão nas suas costas. Quando um dos prisioneiros é liberto, exposto à luz, começa por pensar que o que vê é irreal, convencido que as projecções da caverna são a vida real. Porém, ao longo do tempo, compreende que a verdade é precisamente o contrário, que as projecções não passam de ilusões, e que a realidade é fora da caverna, na liberdade. Decide voltar para persuadir os companheiros de prisão que tivera de que o que pensam não é verdade, contando-lhes a realidade, mas eles gozam com ele, não querendo acreditar no que ele diz.

Analisando esta história relatada por Platão, podemos afirmar que o prisioneiro liberto é a pessoa que pensa e age criticamente, os outros prisioneiros são os que não pensam por si próprios, presos a correntes – que são nem mais nem menos do que as suas próprias mentes quadradas e convencidas da verdade – e envoltos nas sombras, permanecendo, sem ter consciência, na ignorância.

Se examinarmos com atenção, podemos relacionar o modo acrítico com que algumas pessoas usam as redes sociais com os prisioneiros, que são igualmente possuidores de uma atitude acrítica e dogmática. A deficiência de interacção não-virtual pode ser comparada com o isolamento dos prisioneiros em relação ao mundo real. O insucesso profissional e escolar é equivalente ao facto dos prisioneiros se encontrarem embrenhados nas sombras, sem manifestarem qualquer tipo de interesse intelectual por compreender verdadeiramente o mundo que os rodeia. A publicidade dirigida, as chantagens e as perseguições (por pessoas indesejáveis que, de certa forma usaram a atitude acrítica e dogmática da vítima para a alcançar, sendo isto um género de manipulação) encaixam perfeitamente na ideia das pessoas estarem a ser manipuladas e enganadas, tal como os prisioneiros que são levados a pensar que o mundo real é apenas o espaço que eles conhecem da caverna.

As relações sociais podem ser bem mais difíceis no mundo real que no virtual. Mas não será preferível a verdade à ilusão?

Katayoune Shahbazkia (turma C)

Se admitirmos que os prisioneiros descritos na Alegoria da Caverna são semelhantes a nós, podemos estabelecer algumas relações entre o modo como algumas pessoas usam as recentes descobertas tecnológicas e a situação dos prisioneiros. Por exemplo, o uso do computador para aceder às redes sociais.

Actualmente, as redes sociais são usadas para diversos fins. Por exemplo, para manter contacto com as pessoas que têm uma localização geográfica muito distante, para comunicar sobre os mais variados assuntos, para jogar os vários jogos, etc. Este meio também pode ser usado – de forma muito eficaz - pela comunicação social e outras organizações para transmitir determinadas notícias ou petições relacionadas a determinado assunto.

De acordo com esta fonte, seis anos após a criação do Facebook, o número de utilizadores já chega aos 400 milhões. Esta rede social teve,  desde o início da sua criação, uma grande adesão. Todavia, apesar das redes sociais poderem ser bem utilizadas, podem também ter um impacto negativo na vida das pessoas, se elas passarem aí demasiado tempo e deixarem de conviver presencialmente com os outros. Estes utilizadores podem vir a sofrer de vários problemas a nível social e psicológico.

Algumas pessoas aceitam acriticamente a informação que lhes é transmitida nestas redes, não se questionando acerca da sua veracidade. Deste modo, podemos comparar a situação dos prisioneiros - que estão presos com correntes de metal e pensavam que as sombras eram a realidade – descrita por Platão na Alegoria da Caverna com o modo como algumas pessoas utilizam o Facebook. Neste caso, não estão presas por correntes de metal, mas pela ignorância, pela falta de espírito crítico, pelos preconceitos, etc.

Os utilizadores do Facebook partilham informações pessoais e fotografias no seu perfil e adicionam “amigos”, alguns deles conhecidos apenas na Internet, sem pensarem que podem estar a praticar acções cujas consequências na sua vida real podem ser graves: serem vítimas de crimes como a invasão da privacidade, a pedofilia, entre outros.

David Afonso (turma D)

9 comentários:

Manolo Heredia disse...

Uma águia consegue distinguir a 100 metros de altura um coelho correndo de um cão a correr, e sabe se a trajectória do coelho (por exemplo) o conduz a uma zona aberta, aonde pode ser caçado facilmente, ou se se dirige a uma zona de vegetação protectora, aonde dificilmente será apanhado. A perspectiva em que a águia observa a cena, e a qualidade excepcional dos seus olhos, são os factores que determinam o conhecimento excelente que ela tem da realidade. (excelente no ponto de vista do homem, que não tem asas para voar nem os olhos de águia).
Platão, com a alegoria da caverna, foi isso que quis transmitir: o conhecimento é uma projecção da realidade no nosso cérebro, passando pelo filtro dos nossos sentidos e tendo em conta a perspectiva em que nos encontramos quando observamos a realidade.

Carlos Café disse...

Parabéns pela abordagem inovadora que foi feita a partir da alegoria da caverna. O nível dos comentários também é muito bom e um motivo de orgulho para os próprios e para os seus professores de filosofia.
Anseio pelo dia em que trabalharemos todos em rede: alunos, turmas, professores, escolas...

Abraços

Sara Raposo disse...

Manolo:

Agradeço o seu comentário.

Sara Raposo disse...

Carlos:

Agradeço as tuas palavras elogiosas e penso que os meus alunos as merecem. Quanto ao meu papel é bastante mais modesto que o deles.

Julgo que neste momento, muitas vezes, as escolas são - devido à ideologia dominante do facilitismo e a outros absurdos decorrentes da política educativa desastrosa destes últimos governos - lugares estranhos de onde só apetece fugir. A única coisa que resta é o facto de termos, na sala de aula, alguns alunos empenhados para quem aprender é importante: eu tenho essa sorte. Além desta âncora, não vejo mais nada de realmente relevante. E, portanto, tenho pena, mas não acredito nesse desejo optimista que expressas em relação ao futuro: as escolas, os professores trabalharem em rede.
Acho que, na verdade, a maioria trabalha em círculos fechados e
não tem qualquer tipo de disponibilidade para modificar esta forma de actuar nem agora, nem me parece que vá ter no futuro. Em relação a este espero falhar a previsão. Porém, os casos que observei até hoje, tornam a minha conclusão muito provavelmente verdadeira (ironias filosóficas à parte!).

Cumprimentos.

Carlos Café disse...

Olá Sara

Talvez tenhas razão. Mas podemos sempre tentar fazer qualquer coisa. Ocorreu-me o seguinte: e que tal um almoço com o pessoal que tem blogues pensados para os alunos aqui no Algarve? Eu, tu, o Carlos e o Aires já estamos. Conheces mais alguém?
Pensem nisso. Vou desafiar o Aires.
Bom feriado.

Sara Raposo disse...

Carlos:
A tua sugestão é uma possibilidade em aberto. Não conheço outras pessoas que tenham blogues de Filosofia.
Cumprimentos.

Bípede Falante disse...

Bárbaro esse desafio! :)

JoanaRSSousa disse...

Bom dia.
As reflexões são muito interessantes, mas há aqui um lado positivo nas redes sociais que gostaria de salientar.
Através das redes sociais também se movimentam pessoas para acções de solidariedade (E digo isto na 1ª pessoa).
Através das redes sociais temos acesso a informação muito válida e que de outra forma talvez não conseguíssemos lá chegar.
Sem as redes sociais garanto-vos que o meu projecto de filosofia para crianças não teria andado de lés a lés, por este país fora, nem teria chegado a Maputo.

O que é o blogspot, senão uma rede social? E é graças a esta plataforma que estamos aqui, agora, a conversar.

As redes sociais não são boas nem más em si mesmas. São aquilo que cada um de nós quer que sejam.

Sara Raposo disse...

Joana,

Concordo consigo: as redes sociais não são boas ou más em si mesmas, tudo depende do modo como são utilizadas. Tal como em relação a outras coisas na vida, o importante é não pormos de parte a nossa capacidade de pensar e de avaliar criticamente as nossas práticas e as nossas ideias: é disso que os meus alunos falam no que escreveram.
Todavia, a mim parece que, em geral, nos blogues podemos obter informação mais qualificada que no Facebook, onde circula muito mais informação irrelevante em quantidade e sem qualquer interesse intelectual, mas é claro que este também pode ser um meio para publicitar o que nos interessa, tal como a Joana faz ou eu.
Cumprimentos.