«A questão da felicidade é por vezes dramatizada sob a forma de uma pergunta [da autoria de John Stuart Mill]: ‘O que preferia ser: um Sócrates infeliz ou um porco feliz?’ Claro que preferiríamos ser um Sócrates feliz, mas o que se pretende demonstrar é que ter autonomia de espírito, ter consciência do mundo, e fazer escolhas próprias é melhor, de longe, do que ser passivamente feliz em prejuízo destas coisas. É por isso que nós – ou, de qualquer forma, a maior parte de nós – coloca objeções às vias fáceis de acesso à felicidade, como seja ingeri-la sob a forma química, pois desse modo não é muito diferente do esquecimento.»
A. C. Grayling, O significado das coisas, Lisboa, 2002, Edições Gradiva, pág. 96.
4 comentários:
Desculpe qualquer erro nas frases, pois sou brasileiro e a linguagem é um pouco diferente. Acho que fizeram comparação de três propriedades diferentes contra uma supostamente independente: "autonomia de espírito", "ter consciência do mundo", e "fazer escolhas próprias" contra "ser feliz" num falso dilema. Obvio que se colocarem várias propriedades contra uma, a única tende a perder porque as pessoas calculam o menor prejuízo possível, ainda mais se esta ultima propriedade está relacionada com as primeiras. Além disto, as pessoas dão valor para "autonomia de espírito", "ter consciência do mundo", e "fazer escolhas próprias", relacionando-as com sua felicidade. Quando comparam com um porco feliz, não sabem como é ser um porco. As pessoas precisariam "ser um porco" para poder comparar, e isto não é possível. Elas estimam que ser um porco feliz é estar ocioso num chiqueiro, o que pode não ser verdade. Um porco feliz pode ser um porco livre como um javali. Portanto o julgamento foi tendencioso, foi feito por um ser humano sobre valores diferentes entre seres diferentes e a partir deste julgamento querem supor que a felicidade não é o valor máximo. Mas as pessoas estudam filosofia, procuram ter consciência do mundo, procuram adquirir ciência e outras coisas abstratas e intelectuais porque somos seres com cérebro grande que gostamos de desafios intelectuais, estas atividades estão relacionados com a nossa felicidade, com o prazer que relacionamos com elas. Portanto a felicidade acaba sendo o valor essencial, o que muda é a atividade relacionada com a felicidade, que pode ser diferente entre um ser humano e um porco.
Ó NidsCovery, não acha que, exatamente porque podemos comparar,percebemos que a maior felicidade de qualquer porco será sempre inferior à maior infelicidade de Sócrates? ;-)
Luísa Barreto: Diria que depende do que entendemos como é ser "um ser feliz", para podermos comparar se a infelicidade de um é melhor do que a felicidade do outro devemos partir do que entendemos de felicidade e dos critérios para comparar a felicidade entre seres (mesmo os da mesma espécie). Vamos supor que uma criatura feliz é um ser livre, de pleno uso das suas capacidades e sem sofrimento. Um Sócrates infeliz, para exagerar, poderia ser um ser humano com uma doença muito séria, incapacitante, com dores que proíbem o raciocínio, impedido portanto pelas suas condições físicas de usar sua capacidade cognitiva superior, poderia também estar preso pelas autoridades, portanto sem autonomia por estar preso. Ou seja, o ser infeliz pode estar justamente limitado para não usar as suas capacidades que para Stuart Mill seriam o critério de tornar sua condição melhor do que um porco. Um porco feliz, por sua vez, podia ser uma criatura mais limitada em termos de capacidades naturais, mas ser feliz podia ser o uso pleno do que está a seu dispor: seria livre para ficar junto com javalis, teria saúde o suficiente para viver bastante, sem predadores.. Portanto determinar que ter certas capacidades é melhor do que ser feliz seria esquecer o que a felicidade é: a busca da criatura pela melhor condiçao possivel dada as suas capacidades..
:) Concordo que um grande sofrimento, uma doença séria, incapacitante, poria em causa a possibilidade de qualquer Sócrates ser feliz. Mas parece-me que os critérios para comparar a felicidade entre seres humanos, que não se encontrem nessa situação de sofrimento extremo, são menos difíceis de estabelecer do que parecem à primeira vista.
Se compararmos, por exemplo, a vida de um assassino em série ou de um simples e inofensivo colecionador de caricas - que faz da tentativa de reunir todo o tipo de caricas existentes no mundo o seu objetivo de vida, e consegue-o :) - ainda que ambos digam que são felizes assim, seria preciso estar na sua posição subjetiva para poder compará-la com uma vida humana dedicada à procura de conhecimento, da virtude?
Enfim, se certos fatores – amizade, amor, participação ativa na sociedade, apreciação da justiça e da arte, conhecimento, virtude, liberdade - não estiverem presentes na nossas vidas, poderemos não ser felizes, apesar de não o sabermos? :-(
Não será o bem (assim entendido) mais importante ou, pelo menos,condição necessária, à felicidade humana?
Enviar um comentário