Fotografia de Henri Cartier-Bresson.
Na minha opinião (e de muitos dos meus alunos), o teste intermédio de ontem constituiu uma melhoria em relação àquele que foi aplicado no ano passado. A formulação das questões, em geral, era mais clara. Estas remetiam para temas centrais do programa e avaliavam competências filosóficas contidas nas orientação do GAVE, ao contrário do que aconteceu no ano passado (ver AQUI).
Apesar do balanço global ser positivo, há aspetos que deveriam merecer a atenção dos professores do secundário. Eis alguns exemplos:
- No grupo I, questão 7, os critérios de correção apresentam como corretos (dos quatro) dois enunciados: “Apenas as crenças verdadeiras podem ser justificadas” e “Uma crença verdadeira, pode, sob certas condições, constituir conhecimento”. Ora, acontece que, como observaram muito bem alguns dos meus melhores alunos, a primeira das frases não é correta. De acordo com o manual adotado na escola - “A arte de pensar” (pág. 121) – e as explicações por mim fornecidas nas aulas, o enunciado “Apenas as crenças verdadeiras podem ser justificadas” é incorreto, uma vez que as crenças falsas também podem ser justificadas. Veja-se o exemplo, dado no manual, de que Ptolomeu tinha justificação (boas razões, considerando o estado cognitivo em que se encontrava) para defender o geocentrismo. Assim, as crenças falsas podem ser justificadas, embora não constituam conhecimento, de acordo com a definição tradicional ou platónica. Portanto, coloca-se a questão de saber como deverão proceder, na aplicação dos critérios a esta questão de escolha múltipla, os professores corretores. Neste tipo de questões, as indicações são que se deve assinalar apenas uma opção correta. Qual deve ser, então, o procedimento a adotar?
- No grupo I, nas questões 1 e 7 (da versão 2) existiam duas gralhas numa das alíneas, repetindo-se um dos número (na questão 1, alínea B, o 4. repete-se e o 1. é omitido) - embora não fossem as alternativas corretas - era um erro formal dispensável e que poderia gerar alguma confusão nos alunos. Ainda que errar seja humano, estas situações não deveriam ocorrer neste tipo de testes. O erro foi reconhecido pelo GAVE. Contudo, não foram dadas informações explicitas do procedimento a adotar pelos corretores que, tal como na situação anterior, deveria ser idêntico a nível nacional.
Muitos alunos consideraram o teste demasiado extenso, tendo em conta a duração de 90 minutos. Referiram também o facto da última questão (onde o aluno deveria discutir o tema em causa) ser acompanhada de um texto, numa linguagem não muito acessível, que eles já não tiveram tempo para interpretar em condições. Além disso, os critérios de correção desta questão atribuíam poucos pontos à apresentação de uma posição crítica e fundamentada do tema.
Ainda assim, julgo que os critérios de correção são globalmente corretos. Por exemplo: têm em consideração as diferentes abordagens e a terminologia filosófica utilizada pelos vários manuais. Naturalmente que as ideias indicadas nos cenários de resposta podem ser expressas por palavras diferentes. É bom não esquecer.
Um pormenor: nos critérios de correção - e também nas orientações do GAVE – referia-se “o antecedente” em vez de “a antecedente”. Como é que se escreve, afinal? – perguntava, com razão, uma das minhas alunas.
Há muito mais a dizer, mas eu não tenho tempo. Considero importante, para a melhoria da qualidade do ensino, que mais professores de Filosofia discutam publicamente este e outros assuntos de natureza pedagógica e científica.
Continuo a pensar que a avaliação externa bem feita (testes intermédios e exame nacional obrigatório) credibiliza o trabalho dos professores e dos alunos, é a única forma de melhorar o ensino e a aprendizagem da Filosofia. Para alcançar este fim, alguém têm outras sugestões?
11 comentários:
Há quem escreva "o antecedente" em vez de "a antecedente", mas não se vê bem porquê, dado que se trata da frase antecedente, ou da proposição antecedente, ou da afirmação antecedente. É difícil ver que termo masculino pode estar elidido aqui.
Outra coisa: dizer que uma crença (verdadeira, justificada) constitui conhecimento é uma maneira infeliz de falar. Não sei se temos isso no Arte de Pensar, mas se temos é infeliz. Quando temos uma atitude cognitiva que inclui crença, verdade e justificação, temos muitas vezes conhecimento. Mas é enganador dizer que é a crença em si que constitui conhecimento; o que se passa é que a crença é uma componente do conhecimento (aceitando a análise tripartida). Analogamente, não dizemos que o hidrogénio é água ou constitui a água quando está combinado adequadamente com o oxigénio, mas antes que é uma componente da água ou um constituinte da água. Mas este é apenas um pequeno pormenor.
Concordo plenamente com a análise da Sara. Aquela afirmação só poderia ser falsa se durante 2000 anos ninguém tivesse suposto que um sujeito pode acreditar justificadamente numa falsidade. Dada a riqueza da natureza humana, acho muito difícil que nunca ninguém tivesse pensado nisso.
Concordo com a análise. Na questão 7 de escolha múltipla, a afirmação
"Apenas crenças verdadeiras podem ser justificadas" é, quanto a mim, incorreta. Há crenças falsas que também podem ser justificadas. Por exemplo, Ptolomeu tinha boas razões para pensar que a Terra estava parada, afinal os seus sentidos mostravam-lhe isso mesmo. Este exemplo demonstra que as crenças falsas também podem ser justificadas e que não basta uma crença justificada para haver conhecimento.
Nos critérios de correção, na questão 2.B, os autores dão como exemplo de formalização do argumento presente no diálogo, a seguinte forma proposicional: [(P implicação Q) & ~P] implicação ~Q
Inacreditável! Sugerem uma formalização que não retrata um argumento, mas sim uma simples proposição, uma vez que não há nessa formalização nenhuma conclusão. Estarei errado?
Cumprimentos a todos.
Alexandre
Parece-me que, na pergunta 7 do grupo I, a frase em questão é correta se tivermos em conta a pergunta formulada: "Considere os seguintes enunciados relativos à definição tradicional de conhecimento.".
Como a Sara afirma no seu comentário "as crenças falsas podem ser justificadas, embora não constituam conhecimento...".Dito de outra forma, esta afirmação é verdadeira, nas não o é relativamente à definição tradicional de conhecimento.
Se, de acordo com a definição tradicional (ou outra qualquer) de conhecimento, apenas as crenças verdadeiras fossem justificadas, então bastaria definir conhecimento como crença justificada. Isto porque, estar justificada implicaria ser verdadeira. Mas é precisamente isso que a definição tradicional de conhecimento não diz. Daí se designar frequentemente como definição tripartida: precisamos das três. Assim, a crença, a verdade e a justificação são, cada uma delas, condições necessárias para o conhecimento. Daqui não se segue, de modo algum, que só as crenças verdadeiras possam ser justificadas.
Em suma, a afirmação do teste é falsa, precisamente de acordo com a definição tradicional de conhecimento inicialmente avançada por Platão no Teeteto e posteriormente discutida por muitos filósofos.
Já agora, só mais uma precisão. É enganador falar da definição tradicional de conhecimento como crença verdadeira justificada. Isto porque até o próprio Platão concluiu que não chegava a ser uma definição. Note-se que o Teeteto é um diálogo aporético. O que temos é antes uma tentativa de definição, a qual permite apenas estabelecer condições necessárias.
Mas mesmo que estas condições fossem conjuntamente suficientes, continuaria a não ser correcto afirmar que, de acordo com ela, só as crenças verdadeiras podem ser justificadas.
De resto, parece claro que as crenças falsas podem ser justificadas. Caso contrário ninguém poderia ser bem enganado, como se costuma dizer. É certo que podemos defender uma perspectiva infalibilista da justificação, mas nada nos diz que é essa a concepção tradicional da justificação.
Desidério, agradeço os esclarecimentos. Apesar de tudo, continuo a pensar que houve uma melhoria em relação ao ano passado. Provavelmente, se tivermos paciência e continuarmos todos a fazer o nosso trabalho como até aqui, é uma questão de tempo e em breve teremos testes e exames de Filosofia bem concebidos e estimulantes para os alunos. Não é optimismo em excesso, é mais uma estratégia de sobrevivência.
Obrigada Rui pelo teu comentário. O mais surpreendente para mim é não existirem mais professores com dúvidas quanto à correção da questão 7 de escolha múltipla. Lá saberão, para mim é claro que não devo prejudicar os alunos que raciocinaram corretamente a partir da informação a que tiveram acesso no manual e nas aulas.
Alexandre, obrigada pelo comentário. Quanto ao modo de formalizar os argumentos a primeira alternativa apresentada nos critérios está correta, a outra deve ter o objetivo de contemplar a abordagem de alguns manuais e assim não prejudicar os alunos. Parece-me ser este o motivo, mas não tenho a certeza.
Jorge, agradeço o comentário. Julgo que não tem razão pelos motivos que o Aires de Almeida já explicou, detalhadamente, no comentário que fez e com os quais concordo.
Aires, agradeço a tuas observações pertinentes e esclarecedoras. É possível que a questão 7 tenha sido só um pormenor infeliz, tal como as gralhas nas duas questões de escolha múltipla da versão 2 (eu faço, de cada vez que tenho de avaliar alunos, 5 testes diferentes e, por isso, não entendo bem que uma equipa a fazer o teste intermédio desde há já algum tempo, cometa estes lapsos). Era escusado e não deixa de ser uma chatice para os professores corretores.
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