segunda-feira, 22 de agosto de 2011

O mérito da velhice

Para quem, como eu, fez um balanço extremamente negativo dos dois governos de Sócrates na área da educação (ver aqui, aqui e aqui) e depositava alguma esperança no novo modelo de avaliação dos professores, a proposta do ministro Nuno Crato foi uma grande decepção, nomeadamente porque contradiz várias boas ideias por ele defendidas antes de assumir a pasta da educação.

Essa proposta, cujo conteúdo se encontra agora a ser negociado com os sindicatos, é uma continuação dos modelos anteriores, apenas com ligeiras alterações na terminologia utilizada e em alguns procedimentos, como o avaliador externo (importa saber depois como se irá concretizar esta ideia). Percebe-se até certo ponto que assim seja, pois este novo (?) modelo, à semelhança dos dois anteriores, continua a basear-se no mesmo estatuto da carreira docente. Consequentemente, há disposições legais que não podem deixar de ser respeitadas. É claro que a forma como são implementadas poderá variar, mas isso são aspectos de pormenor.

O que, na minha opinião, não é um aspecto de pormenor e fere - talvez de morte - a credibilidade do novo modelo é o facto de isentar da avaliação os professores do 8º, 9º e 10º escalões que tenham obtido a avaliação de Bom (Artigo 20 da proposta apresentada). Há várias questões que se podem colocar a este respeito:

- Esta medida não assentará numa distinção arbitrária e injusta, tal como aquela que levou à criação do “professor titular” (ferozmente combatida pela maioria dos professores e sindicatos - agora silenciosos sobre esta nova distinção), no primeiro governo de Sócrates?

- Terá sentido fazer depender o mérito da velhice? Existem professores competentes e incompetentes tanto entre os mais novos como os mais velhos. Não vejo como é que se pode defender que 40 mil professores não sejam avaliados apenas por causa da antiguidade. Quando, na verdade, todos sabemos que o principal critério que os fez progredir até agora na carreira foi o tempo de serviço e não uma avaliação séria - em termos científicos e pedagógicos - do seu desempenho. Esta ideia é inadmissível e não está de acordo com os mais elementares princípios de justiça.

- É criando uma espécie de casta de intocáveis que o senhor ministro tenciona incentivar os melhores e reconhecer o mérito?

Dos sindicatos, considerando o miserável acordo feito com o governo anterior, eu já não espero nada, mas do ministro Nuno Crato, confesso que esperava mais: por exemplo, ver os professores - todos sem excepção - serem tratados com imparcialidade e justiça.

Mas não é o que se vai passar, a menos que o modelo de avaliação agora proposto seja substancialmente modificado.

9 comentários:

Anónimo disse...

É triste que uma pessoa como Nuno Crato apareça a defender estes disparates. Tenho esperança que isso se deva apenas à necessidade de poupar dinheiro, que ele não esteja a ceder à "máquina" burocrática e ao eduquês (como outros ministros já cederam) e que em breve apresente medidas inspiradas nas boas ideias que sempre defendeu.

Fátima Luís

Maria Nunes disse...

Neste país a velhice sempre foi um posto, mas confesso que esperava um pouco mais de Nuno Crato.

Pedro Soares disse...

Pode ser que os sindicatos tenham um súbito acesso de lucidez e decência e, em vez de defenderem regras mais suaves e facilitistas (como é costume), defendam o rigor e a exigência. Pode ser que defendam que não deve haver professor isentos da avaliação.
Contribuiriam para credibilizar a classe docente e, por uma vez, cumpririam a sua missão.

Sérgio Lagoa disse...

Inteiramente de acordo. A velhice é um posto, e Nuno Crato não parece ter força política suficiente para implodir a máquina ministerial. É pena, e é uma enorme desilusão.

Sara Raposo disse...

Fátima:
Tal como diz, também eu prefiro pensar o ministro não teve tempo para fazer melhor (embora não se perceba a proposta de alguns professores não serem abrangidos pela avaliação), mas irá fazê-lo no futuro.
Cumprimentos.

Sara Raposo disse...

Maria:
Pode ser que a velhice seja considerada um posto. Contudo, para algo mudar é preciso questionarmos as razões que levam à aceitação dessa ideia e mostrar como, de facto, elas não têm qualquer sustentação racional e, na prática, os seus resultados são negativos.
Cumprimentos.

Sara Raposo disse...

Pedro:
Infelizmente, embora fosse necessária a atitude que descreve por parte dos sindicatos, não me parece que vá acontecer. Nem me parece que eles representem mais do que alguns dos seus interesses, pois a "a classe dos professores" não existe.
Cumprimentos.

Sara Raposo disse...

Sérgio:

Eu critico o actual ministro mas critico ainda mais os dois governos anteriores (os verdadeiros responsáveis pelo estado actual da educação em Portugal).

Penso que a conclusão tirada sobre "a falta de força política" é precipitada e incorrecta. Por agora não faz sentido concluir isso sobre a actuação do ministério: não houve tempo para ser preparado o presente ano lectivo e cortar com a herança anterior, tal seria impraticável e paralisaria as escolas. Por outro lado, a máquina do ministério é pesada e os "especialistas da educação" têm por todos os meios - honestos e desonestos - tentado pôr em causa o ministro. Como eu disse o modelo proposto baseia-se no estatuto da carreira docente herdado dos governos anteriores, é bom não esquecer!

Portanto, embora deva existir uma saudável discussão pública das políticas do actual ministério, considero que não faz sentido, por agora, fazer o tipo de afirmações como as que fazes.

Penso, aliás (como escrevi no comentário para o Rolando), que nunca nenhum governo até agora tinha feito tanto mal à educação, à profissão e ao país (de uma forma directa e indirecta, criando um clima de falta de exigência) como os de Sócrates.

Acho inacreditável que mais professores não tenham criticado publicamente (nas escolas, em blogs e nos jornais, por exemplo)as disparatadas medidas tomadas. No entanto agora, muitas professores correm para a praça pública decepcionados e indignados, não lhes ocorre questionar o que aconteceu antes? Quem foram os responsáveis? A esses não sentem necessidade de pedir satisfações pelos estragos causados?

Na minha opinião, as simpatias da opinião pública portuguesa pela esquerda (como se pode ver na comunicação social e nos blogs, por exemplo, durante o magistério de Sócrates) explicam a tolerância para com as políticas abomináveis dos ministros da educação dos dois governos anteriores e a intolerância, de algumas pessoas, para com o actual ministro.

Só que era preciso ver para além disso, pois é a educação das gerações vindouras que está em causa e não os interesses pessoais ou partidários.
Cumprimentos.

Sérgio Lagoa disse...

Sara,

Quando me refiro à "falta de força política" não estou a criticar NC, mas sim a pesada máquina ministerial e estatal que ele tem à sua frente. COmo poderá um ministro fazer frente ao CNE, às DRE, a todo o establishment que se conhece?

Discordo apenas num ponto: para a educação, o pior governo foi o de Guterres, com Ana Benavente como secretária de estado. Quase todos os nossos males começaram nesse tempo: a autonomia grosseira das escolas, a desvalorização dos professores, a substituição da filosofia por disciplinas de encher chouriços, etc.