1. Direitos.
“(…) Suponhamos que um voyeur espiava secretamente a senhora York espreitando pela janela do seu quarto, e secretamente lhe tirava fotografias quando ela estava despida. Suponhamos ainda que fazia isto sem se denunciar e usava as fotografias apenas para o seu prazer pessoal, não as mostrando a mais ninguém. Nestas circunstâncias a única consequência da sua acção é um aumento da sua própria felicidade. Ninguém mais, nem mesmo a senhora York, sofre qualquer infelicidade. Como poderia então o utilitarismo negar que as acções do voyeur são correctas? Mas é óbvio para o senso comum moral que não são correctas. O utilitarismo parece ser, pois, inaceitável.
A moral da história a retirar deste argumento é que o utilitarismo está em conflito com a ideia de que as pessoas têm direitos que não podem ser espezinhados só porque alguém antecipa bons resultados. Neste caso, é o direito da senhora York à privacidade que é violado; mas não seria difícil pensar em casos similares nos quais outros direitos estão em causa – o direito à liberdade religiosa, à livre expressão ou mesmo o próprio direito à vida. Pode acontecer que bons objectivos sejam servidos por meio da violação destes direitos. Mas não pensamos que os nossos direitos devam ser postos em causa com tanta facilidade. A noção de um direito pessoal não é uma noção utilitarista. Bem pelo contrário: é uma noção que estabelece limites à forma como um indivíduo pode ser tratado, independentemente dos bons objectivos que poderiam ser alcançados.”
2. Relações pessoais
«Na prática, ninguém está disposto a tratar todas as pessoas como iguais, pois requereria que abandonássemos as nossas relações especiais com os amigos e com a família. Todos somos profundamente parciais quanto à família e amigos. Gostamos deles e vamos até onde for preciso para os ajudar. Para nós, não são apenas membros da grande multidão da humanidade – são especiais. Mas tudo isto é inconsistente com a imparcialidade. Quando somos imparciais, a intimidade, o amor e a amizade são lançados pela janela fora.
(…) Como seria se não tivéssemos mais em conta o nosso marido ou esposa do que estranhos do que nunca vimos antes? A própria ideia é absurda; não só é profundamente contrária às emoções humanas normais como a instituição do casamento não poderia sequer existir à margem de acordos sobre responsabilidades e obrigações especiais. E como seria tratar os nossos filhos com o mesmo amor concedido a estranhos? Como John Cottingham afirmou, “um pai que deixa o filho arder, porque no edifício em chamas está alguém cuja futura contribuição para o bem-estar geral promete ser maior, não é um herói; é (merecidamente) objecto de desprezo moral, é um leproso moral”.»
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, tradução de F. J. Azevedo Gonçalves, Lisboa, 2004, Edições Gradiva, pp. 158-159 e 162.
6 comentários:
"Direitos" - um não-argumento!
Se a Sra. York fosse também utilitarista até lhe agradaria a a oportunidade que teve de contribuir para a felicidade global.
"Relações Pessoais" - Outro não-argumento, pois "tratar todas as pessoas como iguais" significa "tratar todas as pessoas por igual em função daquilo que representam para nós".
Um desconhecido, sendo utilitarista, não espera ser tratado como esposo por uma mulher que não o é. Espera, isso sim, ser tratado como esposo pela sua própria mulher.
Manolo:
Trata-se, de facto, de argumentos, ao contrário do que afirma, e se considerarmos a definição filosófica de argumento (pode consultar o Dicionário Escolar de Filosofia - on line neste blogue).
Pode-se discutir se a conclusão ou as premissas destes argumentos são verdadeiras e argumentar racionalmente para defender a sua falsidade ou então apresentar contra-exemplos. O que importa é se as razões apresentadas para refutar o argumento em causa são boas, isto é demonstram a falsidade da sua conclusão . Assim sendo, não julgo que o exemplo que dá, no primeiro caso, dizendo que se trata de uma questão de ponto de vista, permita refutar a ideia de a privacidade é
um direito de qualquer pessoa. Nem tudo é relativo, há direitos que as pessoas têm que não se relacionam com as opiniões ou as circunstâncias, por exemplo. No segundo caso, uma das críticas à teoria utilitarista tem a ver com
a exigência de imparcialidade, que como é fácil constatar, em certas situações seria impraticável ou até mesmo imoral.
Cumprimentos.
O Absoluto não existe. Portanto o Direito Absoluto à Privacidade também não.
Toda a questão dos deveres e direitos está profundamente ligada à cultura dos povos a que se aplicam.
É lamentável que ainda se ensine nas escolas o contrário do que Einstein demonstrou há quase um século...
Existe, no entanto, um fundamento utilitarista que justifica este tipo de abordagens do Direito, que tem a ver com o Direito Dominante que, tendo poder suficiente para se impor, dita regras como a dos "Direitos Humanos" para serem utilizadas para subjugar os mais fracos.
Sempre assim foi. Sempre assim será. Os alunos deviam é saber como a "coisa" se processa desta forma.
Na minha opinião, o utilitarismo está errado. Eis uma situação: uma pessoa que ganhou a lotaria e recebeu 100 000€. Esta pessoa, por acaso, até é bondosa e doa 10 000€ a uma instituição de caridade e fica com o resto. Segundo o utilitarismo, esta ação está errada pois devia-se doar a totalidade do dinheiro, porque beneficiaria mais pessoas.
Mas sendo assim, o indivíduo que recebeu o dinheiro ficaria sem nada e não poderia desfrutar da recompensa como merecia. Isto, na minha opinião, é errado e se todos agíssemos desta maneira não faria sentido lutar por algo que realmente quiséssemos, porque teríamos de abdicar do que conquistá-mos de modo a dar felicidade a um maior número de pessoas, sem ter em conta o nosso bem-estar.
Rafael Silva 10ºB nº16
Eu acho que o utilitarismo é errado. Porque o utilitarismo é demasiado exigente. Diz-nos que é sempre errado fazer algo que não contribua para a felicidade geral no maior grau possível. Nunca é aceitável fazer menos do que maximizar a felicidade geral por maiores que sejam os sacrifícios pessoais que isso implique. O utilitarismo parece demasiado permissível, não admite restrições deontológicas. Para um utilitarista é correcto matar ou torturar inocentes se isso resultar numa maior felicidade geral. Mas, parece que actos desse tipo não são justificáveis pelo simples facto de produzirem as melhores consequências. Alguns utilitaristas defendem que a sua teoria não é demasiado permissível fazendo notar que esta não deve ser usada sistematicamente para tomar decisões, e que existem outras motivações úteis para agir.
Rogerio Guerreiro 10°G n°27
O utilitarismo defende que devemos agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar. Uma das objecções a esta teoria é a exigência excessiva. Se seguíssemos a teoria do utilitarismo á risca teríamos de abdicar de todas as nossas preferências fúteis e dedicarmos apenas a problemas de alto impacto positivo. Por exemplo, se os meus pais andassem o ano todo a juntar dinheiro para mais tarde poderem viajar, segundo um utilitarista esta ação era errada pois os meus pais deviam doar o dinheiro que pouparam a uma instituição onde haja crianças a passar fome ou outras necessidades. Dito isto, a minha opinião é que o utilitarismo é errado e deve existir um meio termo. Mariana Oliveira,10ºC nº25
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