Para saber mais sobre o livro, ver aqui.
Compreender algumas das principais teorias filosóficas (já estudadas nas aulas) sobre o problema do livre-arbítrio e discutir os argumentos apresentados para as defender, pode ser mais fácil do que parece.
Experimentem a ler os posts seguintes (aconselho, vivamente, aos meus alunos que o façam antes do próximo teste), onde transcrevo passagens do excelente livro “Enigmas da existência” de Earl Conee e Theodore Sider e, no final, verificarão como o discurso filosófico pode ser claro, acessível e, imaginem só, até ter sentido de humor!
“Todos pensamos que temos livre arbítrio. Como poderíamos não pensar? Renunciar à liberdade significaria deixar de fazer planos para o futuro, pois de que adianta fazer planos se não temos a liberdade para mudar o que acontecerá? Significaria renunciar à moralidade, pois só quem age livremente merece censura ou castigo. Sem liberdade percorremos caminhos predeterminados, incapazes de controlar os nossos destinos. Uma vida assim não vale a pena.
No entanto, a liberdade parece entrar em conflito com um certo facto evidente. Por incrível que pareça, este facto não é segredo; na sua maioria as pessoas estão perfeitamente cientes dele (…).
Eis o facto: todo o acontecimento tem uma causa. Este facto é conhecido como «determinismo».
(…) A nossa crença no determinismo é bastante razoável porque todos vimos a ciência ser bem-sucedida, uma e outra vez, na procura das causas subjacentes às coisas. As inovações tecnológicas devem a sua existência à ciência: arranha-céus, vacinas, naves espaciais, a Internet. A ciência parece explicar tudo o que observamos: a mudança das estações, o movimento dos planetas (…). Dado este registo de êxitos, esperamos razoavelmente que a marcha do progresso continue; esperamos que a ciência venha a dada altura descobrir as causas de tudo.
A ameaça à liberdade vem quando nos apercebemos de que esta marcha acabará por nos apanhar. Do ponto de vista científico, as escolhas e os comportamentos humanos são apenas uma parte do mundo natural. Como as estações, os planetas, as plantas e os animais, as nossas acções são estudáveis, previsíveis, explicáveis, controláveis. É difícil dizer quando terão os cientistas aprendido o suficiente sobre o que faz os seres humanos funcionar, de modo a prever tudo o que fazemos, se é que se chegará aí. Mas independentemente de quando se irá descobrir as causas do comportamento, o determinismo garante-nos que essas causas existem.
É difícil aceitar que as nossas próprias escolhas estão sujeitas a causas. Suponhamos que fica sonolento e se sente tentado a pousar este livro. As causas tentam fazê-lo dormir. Mas resiste-lhes! É forte e continua a ler mesmo assim. Terá frustrado as causas e refutado o determinismo? Claro que não. O continuar a ler tem a sua própria causa. Talvez o seu amor pela metafísica supere a sonolência. Talvez os seus pais o tenham ensinado a ser disciplinado. Ou talvez seja apenas teimoso. Seja qual for a razão, houve uma causa.
Pode responder: «Mas não senti qualquer compulsão de ler ou de não ler; simplesmente decidi fazer uma outra coisa. Não senti qualquer causa.» É verdade que não sentimos que muitos pensamentos, sentimentos e decisões são causados. Mas, na verdade, isso não põe em causa o determinismo. Por vezes as causas das nossas decisões não são conscientemente detectáveis, mas existem ainda assim. Algumas causas do comportamento são funções pré-conscientes do cérebro, como ensina a Psicologia contemporânea, ou talvez mesmo desejos subconscientes, como pensava Freud. Outras causas de decisões podem nem sequer ser mentais. O cérebro é um objecto físico incrivelmente complicado, e pode «desviar-se» para esta ou aquela direcção em resultado de certos movimentos das suas partes mais minúsculas (…). Não podemos esperar ser capazes de detectar todas as causas das nossas decisões apenas por introspecção (…).
Duas das nossas crenças mais arreigadas, a nossa crença na ciência e a nossa crença na liberdade e na moralidade, parecem contradizer-se. Temos de resolver este conflito.”
Theodore Sider, Livre arbítrio e determinismo, (capítulo 6), págs. 145 à 151.
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