Diversos professores de filosofia têm criticado a lecionação da lógica no 10º ano. Preferiam que fosse lecionada no 11º ano, como sucedia antes da entrada em vigor das Aprendizagens Essenciais. Alguns criticam também o fim da opção entre a lógica proposicional e a lógica aristotélica e a obrigatoriedade de lecionar a lógica proposicional.
Julgo que não têm razão. A lógica deve ser lecionada no 10º ano, pois fornece aos alunos instrumentos críticos indispensáveis ao estudo da filosofia, ou seja, dá-lhes as “ferramentas do ofício”. A obrigatoriedade de lecionar a lógica proposicional também se justifica, pois a lógica aristotélica não consegue dar conta da maior parte da argumentação filosófica e quotidiana. Este e outros argumentos são muito bem desenvolvidos por Aires Almeida no texto “Lógica aristotélica - Insistir porquê?”, cuja leitura recomendo vivamente.
Esses críticos recorrem por vezes a um argumento que, apesar de incorreto, inclui uma ideia verdadeira. Alegam que a experiência mostra que a maioria dos alunos do 10º ano não gosta das aulas de lógica proposicional e que, portanto, esta não devia ser obrigatória nem lecionada no 10º ano.
Duvido muito que os alunos prefiram a lógica aristotélica à proposicional, pois ouvi muitas vezes colegas que a lecionavam confessarem que os seus alunos não só não gostavam como desprezavam essa matéria. Seja como for, mesmo que os alunos por hipótese gostassem da lógica aristotélica esse gosto pesaria menos que as fortes razões que existem contra a sua lecionação.
Contudo, acredito que muitos alunos do 10º ano ficam aliviados quando as aulas de lógica terminam, mesmo que estas tenham sido bem lecionadas. Aliás, isso já sucedia quando a lógica era dada no 11º ano.
O problema não está na lógica, mas no facto desse capítulo incluir demasiados conteúdos e a sua lecionação durar muito tempo. No atual 10º ano isso adia durante demasiado tempo o contacto dos alunos com a discussão dos problemas filosóficos. Os alunos chegam à filosofia com a expetativa de estudar e debater esses problemas, expetativa essa que é estimulada pelas aulas introdutórias em que se dão exemplos de questões cativantes e polémicas, mas depois passam meses a estudar a negação de proposições e a distinção entre vários tipos de argumentos. Mesmo que os professores vão dando exemplos de proposições e argumentos usados nos debates filosóficos, é natural que os alunos fiquem um pouco frustrados e até aborrecidos.
É como se um aprendiz de carpinteiro chegasse à oficina onde vai aprender o ofício e passasse meses a aprender os nomes e funções de dezenas de ferramentas, sem ter a oportunidade de tentar construir uma cadeira ou uma mesa.
Além da frustração e aborrecimento que tal método causaria, é duvidoso que fosse eficaz. Talvez fosse melhor ensinar de início ao aprendiz apenas os nomes e funções de algumas ferramentas imediatamente indispensáveis e sem demora deixá-lo tentar construir cadeiras e mesas. Os nomes e funções das outras ferramentas poderiam ser-lhe ensinados a pouco e pouco, à medida que esse conhecimento se revelasse necessário, nomeadamente quando começasse a construir objetos mais complexos que cadeiras e mesas.
É um pouco assim que a gramática (que, tal como a lógica, é um instrumento necessário para bem pensar, escrever e falar) é ensinada nas aulas de Português: não é dada toda de uma vez, mas sim aos poucos, em articulação com as outras matérias.
Julgo que se devia tentar algo semelhante com o ensino da lógica. O número de “ferramentas lógicas” apresentadas de início aos alunos do 10º ano devia diminuir: menos formas argumentativas, menos argumentos não dedutivos, menos falácias informais… Depois, ao longo das aulas e a propósito das matérias que estivessem a ser lecionadas, os professores poderiam ir introduzindo outras “ferramentas lógicas”.
Para evitar confusões, o programa devia apresentar uma lista de conceitos lógicos, indicando aqueles que deviam ser lecionados logo no início e aqueles que podiam ser lecionados noutra altura (definida pelo programa nuns casos e escolhida pelo professor noutros). Alguns desses conceitos poderiam ser obrigatórios, nomeadamente para efeitos de exame, e outros opcionais.
Julgo que um tal método, além de mais estimulante para os alunos, seria mais eficaz em termos de aprendizagem. E, aspeto não despiciendo, deixaria sem argumentos os “inimigos” da lógica.
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