Um dos muitos defeitos do atual programa de Filosofia para o ensino secundário é ser enorme. Mesmo depois de depurado pelas Orientações para efeitos de avaliação sumativa externa das aprendizagens na disciplina de Filosofia continua a ser demasiado grande. O facto de, em muitas escolas, a carga horária da disciplina ter diminuído agrava o problema.
Com a depuração feita pelas Orientações é possível “cumprir” o programa, ou seja, lecionar todos os conteúdos obrigatórios. Infelizmente fica pouco tempo para coisas muito importantes. Não me refiro a filmes e visitas de estudo, embora não negue a importância dessas atividades e seja um facto que elas são prejudicadas pela falta de tempo. Refiro-me a algo mais essencial em termos filosóficos e sem o qual ensino da filosofia não faz muito sentido: pôr os alunos a pensar por eles próprios.
Para conseguir isso não basta o professor apresentar a filosofia de um modo crítico e não dogmático, procurando confrontar os filósofos e as teorias com objeções e contraexemplos, pois há sempre alunos que mesmo assim se mantêm passivos e encaram tanto Kant como as objeções contra Kant como coisas que não lhes dizem respeito e que é preciso decorar. Para conseguir isso é necessário realizar diversas atividades suscetíveis de tornar a filosofia uma coisa prática e realmente argumentativa.
Alguns exemplos. Confrontar os alunos com os problemas filosóficos (antes de apresentar as teorias filosóficas que os tentam resolver) e deixá-los discutir demoradamente esses problemas. Analisar e discutir exemplos concretos, dados pelo professor e solicitados aos alunos. Ir colocando, oralmente e por escrito, questões que levem os alunos a questionar as teorias e os seus argumentos e contra-argumentos. Promover muitos pequenos debates em certos momentos das aulas e por vezes debates planeados e organizados. Etc.
Todas essas atividades ocupam bastante tempo e não é possível realizá-las com um programa sobrelotado de temas. Um programa de Filosofia não deve ser tão extenso que dificulte a vida aos professores que tentam ensinar a filosofia de um modo… filosófico.
Oxalá a revisão do programa de Filosofia que está a ser feita tenha em conta essa necessidade e origine um programa mais pequeno.
E que, já agora, corrija outros defeitos do atual programa – como, por exemplo, a desorganização, a linguagem vaga e obscura e a irrelevância filosófica de alguns tópicos. Outro aspeto a precisar de uma revisão drástica é este: exceto o capítulo introdutório (que se quer breve, pois o que interessa não é caracterizar a filosofia mas sim mostrar e praticar a filosofia) e a lógica, todos os capítulos de um programa de Filosofia devem apresentar problemas filosóficos e as teorias mais relevantes acerca dos mesmos (duas ou três). O atual programa tem alguns capítulos em que existe uma mistura confusa de assuntos e em que não é claro qual é problema filosófico em causa.
Por fim, o programa deve ter uma linguagem imparcial e não tendenciosa. Dois exemplos, tirados do atual programa, do que deve ser evitado: expressões como “reconhecer a ação como um campo de possibilidades - espaço para a liberdade do agente” e “reconhecer a necessidade de encontrar critérios trans-subjetivos de valoração” (usadas nos objetivos a atingir pelo aluno) tomam partido por uma das teorias em confronto – o que é obviamente errado e incompatível com a intenção de promover a liberdade de pensamento dos alunos.
Critiquei há meses o modo como o processo de revisão do programa foi implementado, mas teria muito gosto em dar o braço a torcer e reconhecer que me enganei – caso essa revisão originasse, afinal, um bom programa de Filosofia.
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