A socióloga Maria Filomena Mónica escreveu um artigo de opinião, publicado no jornal Público de 07/12/2012, intitulado: "O evangelizador de Coimbra".
O interesse, parece-me, prende-se com o facto de em Portugal abundarem "intelectuais" como este que ela critica. Destacam-se por exibirem, entre outras "qualidades", um discurso palavroso que ninguém percebe porque é vazio de ideias. Mas muita gente em Portugal faz de conta que percebe, desculpando-se com a forma, quando na realidade se trata do vazio de ideias, ideias erradas ou deturpadas (e que não são neutras ideologicamente, apesar de serem apresentadas como se fossem). As citações que ela faz falam por si e frontalidade com que expõe casos concretos também.
Vale mesmo, mesmo a pena ler!
«Para evitar polémicas inúteis, começo por uma declaração. Os meus adversários naturais, os poderosos, não suscitam em mim a fúria que dedico a certas franjas da esquerda. Tendo sido educada numa faculdade dominada pela ideologia salazarista e conhecido, no estrangeiro, uma instituição onde a discussão era livre, não suporto a ideia de poder vir a ser obrigada a aturar novas ortodoxias. Nas Humanidades, o risco de se confundir política e ciência é elevado.
Relembro o que anda esquecido. O fim da Universidade não consiste em formar meninos não racistas, não sexistas e não imperialistas, mas em transmitir o saber da forma mais objectiva possível. Jamais poderemos libertar-nos de todos os preconceitos, mas devemos tentar. Há uns anos, visitei a catedral de Christ"s Church em Oxford, onde se encontra um memorial em honra de J. Locke. Eis o que lá está escrito: "Sei que a verdade, por oposição à falsidade, existe e que, se as pessoas quiserem e se pensarem que a busca vale o esforço, pode ser encontrada." É por partilhar esta visão que julgo que, nas salas de aula, os docentes não podem difundir ideais políticos. A instituição académica não é um cantinho de Hyde Park onde cada um monta a sua banca. Claro que, cá fora, podemos falar de política: mas não devemos fazê-lo diante de alunos. Estes não são hereges a converter, mas jovens a quem devemos inculcar a paixão pelo saber.
Tudo isto vem a propósito de uma entrevista que Boaventura Sousa Santos, o evangelizador de Coimbra, deu à Análise Social, nº204. Dirigida por João Pina-Cabral, esta publicação pertence ao meu instituto, o ICS. Fundada por Adérito Sedas Nunes em 1963, tem um passado notável. Mesmo depois do 25 de Abril, quando as suas páginas correram o risco de ser inundadas por escrita panfletária, manteve-se fora da política.
O facto de que hoje me ocupo - a conversa conduzida por Helena Mateus Jerónimo e José Neves, directores adjuntos da revista - é revelador de mudanças profundas na instituição. Tudo começa com a primeira a recordar, em tom reverencial, a autodefinição de Sousa Santos como "um optimista trágico que procura ser um rebelde competente". Depois desta reminiscência nietzscheana, seguem-se uma análise primária sobre os malefícios das "sociedades capitalistas" e a resposta aos que o têm acusado de confundir o papel de sociólogo e o de político. Segundo ele, quem tal escreveu alimentaria no espírito "uma crença serôdia no positivismo", opção que serviria para esconderem a sua "viragem nas convicções políticas, da esquerda para a direita". Tais pessoas, argumenta, revelariam ainda "uma grande ignorância dos debates epistemológicos contemporâneos, sobretudo das epistemologias feministas e pós coloniais". Ser-me-á isto dirigido? Serei eu anti-femininista e pró-imperialista? Ou, pior ainda, de direita? Deixemos este desvio narcísico, para nos concentrarmos no que ele defende, as "epistemologias do sul". De início, imaginei que se estava a referir ao Sul geográfico, que acompanha o sal e o sol, mas não: o seu "sul" é uma entidade etérea localizada algures no firmamento da contracultura.
Passo por cima do seu desprezo pela tradição ocidental e da sua proposta para a criação - imagino que com sede no Equador - de uma Universidade Popular dos Movimentos Sociais, onde a discussão intelectual estaria canalizada para "a eficácia política das lutas sociais". O mais chocante surge quando menciona os actuais governantes portugueses, aos quais nada me liga. Para Sousa Santos, dentro do conceito de povo não cabem pessoas como Vítor Gaspar ou António Borges: "À luz deste conceito, não são parte do "povo" pessoas que têm passaporte português mas nada os vincula a Portugal senão aquilo que lhes é ditado pelos seus patrões internacionais." Será que, nas minhas costas, o Estado criou um SEF ideológico em Coimbra?
À medida que me aproximava do fim, o meu espanto crescia: "O Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, tem passaporte português, mas não tem mais do que isso." A razão é clara: "Realmente, ele está ao serviço do capital financeiro alemão em cujos bancos se educou." E vai por aí fora: "E o mesmo se pode dizer de António Borges, que se tiver oportunidade e poder causará graves danos ao país. Entre ele, Mário Draghi, Mário Monti ou Lucas Papademos não há grandes diferenças. Têm passaportes diferentes, mas a sua lealdade última, o seu verdadeiro país, é a companhia majestático-colonial Goldman Sachs a que todos pertenceram ou pertencem." O objectivo do Governo de Passos Coelho consistiria, por conseguinte, em aproveitar a crise para conseguir que Portugal volte ao 24 de Abril. Os dislates não ficam por aqui: na sua opinião, a rua é a nova esfera pública, os cientistas sociais devem escrever "com" e não "sobre" os oprimidos e é urgente elaborar-se "uma teoria geral sobre a impossibilidade de uma teoria geral". Alguém entende esta última frase?
Desde há alguns anos que uma parte significativa do poder académico tem vindo a ser ocupada por antigos revolucionários. Os novos mandarins não são melhores do que os antigos. A sua obsessão é igualmente com o recrutamento de colaboradores obedientes, com a arregimentação ideológica dos pupilos e, novidade decorrente da globalização, com o uso de redes internacionais de financiamento. É por saber isto que li, sem espanto, as benesses que Sousa Santos foi acumulando, a última das quais um subsídio de 2,42 milhões de euros atribuído pelo European Research Council, para um projecto intitulado "ALICE - Espelhos estranhos, lições imprevistas: definindo para a Europa um novo modo de partilhar as experiências do mundo", a ser executado no seu Centro de Estudos Sociais, onde trabalham 223 investigadores, subsidiados pelo Estado. O novo estudo centrar-se-á em quatro áreas, entre as quais "a democratização da democracia".
Sousa Santos não entende que a liberdade académica não é compatível com a transformação das aulas em comícios. Imagino que tenha lido Max Weber, mas o seu cérebro não integrou o que o nosso famoso antepassado disse sobre a diferença entre a vocação do político e do cientista. Vale ainda a pena reparar como estes advogados da sociedade sem classes estão atentos a questões ligadas ao seu status social. Quem não acredite veja a pose de Sousa Santos na fotografia publicada na revista. Finalmente, a sua defesa de que se deve pensar "com" e não "sobre" as massas populares é meramente retórica, uma vez que não faz a mínima tenção de viver entre os pobres - o seu trabalho de campo sobre as favelas do Rio de Janeiro apenas durou três meses -, aproveitando-se antes da "causa" para a obtenção de confortos materiais. Termino com uma citação de Voltaire, alguém que sabia do que falava: "Aqueles que conseguem fazer com que acrediteis em teses absurdas conseguirão mais tarde que façais atrocidades." Convém estar atento ao que se passa nos meios académicos.»
Maria Filomena Mónica
8 comentários:
Isto quando o Estado começa a faltar com o dinheiro para os departamentos de investigação dá nisto,Boaventura de Sousa Santos já li e concordo com muitas das suas ideias não é por acaso que tem à sua volta Elísio Estanque,Manuel Carvalho da Silva etc, gente com bastante trabalho empírico e pensamento sociológico,esta srª creio que saiu agora da penumbra para defender algumas correntes socialmente de direita,aliás à pouco tempo esta srª apareceu na televisão a comentar algo que tinha a ver com a crise, e não me pareceu bem no retrato(papel)de Socióloga.
Pergunto a esta srª se terá lido (leu com toda a certeza) Karl Max? ou Erik Olin Wright num texto muito interessante "Análise de Classes História e Emancipação".
Todos temos direito à exposição das nossas ideias seja no espaço privado ou no público e associando convicções políticas ou não.
Desta sua crítica a única coisa que concordo é que em sala de aulas o Docente nesse papel deve ser o mais isento possível.
Boa noite
ambém me parece que tem mais palavras do que idéias, estas sendo sempre na mesma direcção, altamente esquerdista, e que não coincidem, na sua expre4ssão, com o gabarito que lhe é atribuído e que até talvez possa ter ( o meu conhecimento da sua obra escrita é muito reduzido e não me aventuro a fazer comentários) dando- me a impressão de que só papagueia asquilo que comnvém aos seus amigos políticos
O Boaventura Sousa Santos tem muito pouco de Sociólogo e muito de instigador das massas depois daquilo que se ouviu no dia 20 de Fevereiro de 2013 na SIC da sua boca, enfim são mais uns sound bites de mais um iluminado alienado. Paz à sua "Alma"
O Boaventura Sousa Santos tem muito pouco de Sociólogo e muito de instigador das massas depois daquilo que se ouviu no dia 20 de Fevereiro de 2013 na SIC da sua boca, enfim são mais uns sound bites de mais um iluminado alienado. Paz à sua "Alma"
para a sara e para a filomena, o fácil e ocidental é que é bom.. se subscreve o vigência é inteligente e positivista, se não percebem é porque é incognoscível e etéreo.
para a sara e para a filomena, o fácil e ocidental é que é bom.. se subscreve o vigência é inteligente e positivista, se não percebem é porque é incognoscível e etéreo.
Em algumas faculdades andam os alunos amorfos, sem espírito crítico que desapareceu, os alunos são apssivos e aceitam obedientemente metodologias e pedagogias ultrapassadas. O mesmo se passa na escola pública básica. Tudo obedece ao currículo que encaminha para a formação mercantilista das crianças e jovens, sem espaço para a filosofia ou para a literatura, para a prendizagem autónoma e crítica. os professores deixaram-se engolir pela tristeza dos seus salários reduzidos e pelo desemprego.
É necessário professores como o professor Boaventura Sousa Santos, para que estes alunos acordem. Depois disso, a libertação académica da Dr.ª Filomena Mónica acontecerá, na consciencia de cada um, ou ela prefere as faculdades zombies tal como estão?
O que eu acho espantoso é que este artista de 5ª ordem ainda tenha quem o defenda ...mas hoje não vale a pena gritar "O rei vai nu". A estupidez cega ...
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