«- Foi sempre fiel ao Martin? – perguntou Carrie (…).
- Claro – diz Helen, mostrando-se ligeiramente ofendida. – Se assim não fosse não me sentiria agora tão magoada [Helen, uma romancista célebre, descobriu que o marido a enganava meses depois da sua morte]. Não teria esse direito.
- Com certeza – diz Carrie. – Não quis insinuar… É só que, bem, os seus romances têm bastante infidelidade.
Helen ri-se, algo envergonhada (…). – Bem, como a maioria dos romances, na verdade. Não há grande potencial narrativo no casamento estável e monogâmico.
- Pois é. Como Tolstoi diz no início de Anna Karenina, “Todas as famílias felizes se assemelham…”
- “Mas as infelizes são diferentes à sua maneira.” Francamente não sei se a primeira parte corresponde à verdade – diz Helen, franzindo o sobrolho. – As famílias felizes não são todas iguais. O problema é que não são muito interessantes – a não ser que por acaso se pertença a uma delas. A ficção alimenta-se da infelicidade. Precisa de conflitos, desilusões, transgressões. E já que os romances tratam sobretudo da vida pessoal e emocional, de relacionamentos, não admira que a maioria seja sobre o adultério. Ou melhor, a infidelidade, porque imensos casais não se casam hoje em dia – mas isso não parece fazer grande diferença para a sensação de se ser traído, pois não, quando um parceiro engana outro?
- Não.»
David Lodge, Pensamentos secretos, Edições Asa, Porto, 2002, pág. 229.
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