“As nossas crenças mais justificadas não têm qualquer outra garantia sobre a qual assentar, senão um convite permanente ao mundo inteiro para provar que carecem de fundamento.”
John Stuart Mill
Esta foto parece um sonho, ou melhor, uma lembrança. Faz-me recordar da minha infância no campo, quando eu vivia na aldeia dos meus avós da Roménia, de onde tenho excelentes recordações. Faz-me lembrar dos dias em que fazia frio, já no fim do Outono, mas não ainda no Inverno. As árvores com os ramos despidos da foto criam um cenário cópia dos campos da minha aldeia. A felicidade e brincadeira das crianças fazem-me lembrar das minhas próprias brincadeiras com os meus vizinhos, de diferentes idades, todos bem incluídos, onde os mais velhos cuidavam dos mais novos e agíamos em grupo, todos criávamos as regras. O nevoeiro e a casa simples são-me familiares. Não há indícios de modernices, nem carros, nem motas... Por momentos esta foto fez-me reviver os bons momentos da minha infância, na minha aldeia, onde o Homem vive a Natureza, onde as árvores são bonitas, e os campos estão cheios de frescas ervas e flores no Verão, estação em que muitas vezes chove no início, mas que também pode fazer tanto calor como cá em Portugal ou até mais. Onde as crianças brincam nos campos, vão atrás dos coelhos tentando apanhá-los, correm atrás das galinhas pelo simples prazer de as afugentar,arreliam os gatos preguiçosose puxam a cauda dos gatos mais ágeis e mal-humorados, vão atrás dos cães e depois fogem deles. Onde um dos grandes medos são as vespas, por isso alguns evitam sítios muito aglomerados em flores. Correm, dançam, rebolam e escorregam pela relva e ligeiramente inclinadas colinas com erva grande. Onde ver o nascer e o por do sol são as coisas mais fantásticas e belas de se contemplar, e que se enquadram muito bem naquele local, por causa do prevalecimento da flora e fauna, pelo que criam um cenário lindo de se ver. Onde o ar é do mais puro e onde as pessoas maioritariamente cultivam os seus próprios vegetais, frutas, etc. sem químicos, 100% biológicos, dos mais saudáveis. No Inverno as pessoas ficam ainda mais próximas, trazem lenha e preparam a lareira. Faz tanto calor dentro de casa que nem é preciso o uso de roupas muito quentes. É muito acolhedor, ter a família reunida, a preparar e a ajudarem-se uns aos outros para festejar o Natal e o Ano Novo. As avós e as mães preparam os bolos e a comida típica da região. Os avôs e pais preocupam-se mais em manter a casa aquecida e vão ajudando na cozinha e tratando dos animas e eventuais plantas. As crianças ora brincam perto da lareira, ora ficam à janela, a contemplar o exterior, com o chão e os ramos das árvores cheios de neve, de um branco tão puro... O mais engraçado é quando começa a nevar pela primeira vez, ver como o chão adquire uma cobertura cada vez mais grossa, até formar um manto único. As crianças que se tentam escapulir para ir brincar lá fora, são apanhadas pelas mães e avós que insistem e as obrigam a vestir algo mais quente. Lá fora, todos ajudam a juntar neve para fazer o maior boneco de neve de sempre. Depois, fazem pequenas bolas e atiram-nas uns aos outros, apanhando alguns desprevenidos dos quais dá mais piada "picar". Pegamos nos nossos trenós e puxamo-nos uns aos outros, ou levamos os nossos cães para nos puxarem, ou até descemos sozinhos por pequenas ladeiras. Fazemos anjos da neve e ajudamo-nos a levantar tentando deixar o mínimo de pegadas naqueles sítios só para ficarem o mais perfeitos possível. No Natal as crianças vão cantar à porta das pessoas. Depois de acabarem de cantar, são convidadas a entrar. E as famílias servem-lhes sumo ou alguns bolinhos ou bolachas, ou até dinheiro, pequenas moedas. No Outono, as crianças brincam, com as folhas secas,coloridas. Inventam brincadeiras e regras, muitas vezes nem precisam de brinquedos, pois esta é uma geração rica em imaginação. E o enorme espaço que o campo lhes oferece promete grandes aventuras.
É muito bela a descrição que faz. Espero que conserve essas memórias pela vida fora e que sejam para si uma fonte de inspiração. Contudo, não lhe parece que tendemos, mesmo inconscientemente, a idealizar e a deturpar um pouco as nossas memórias da infância? A mim parece-me que isso acaba por acontecer, mas posso estar enganada.
Penso que tem razão. No meu caso, o mais certo é dar demasiada atenção àquilo que na minha infância pode não ter tido assim tanta importância, foco-me nisso. Interpreto-a de uma maneira muito idealizada, as memórias parecem-me perfeitas. Isto, talvez, por ter um grande amor em relação ao meu país, ao local onde vivi ou à minha família. Ou então simplesmente são as saudades que me levam a pensar assim. Penso que em certos aspectos tive uma infância muito feliz, o que por vezes me leva a "esquecer" aquilo que foi menos feliz, como as discussões. A minha mente ocultava-me isso, criava uma espécie de escudo àquilo que menos gostei. Como eu era criança, tudo era possível e bonito, não percebia as coisas más, talvez seja essa a razão de não lhes ter dado tanta importância. Por exemplo, raramente via os meus pais, era a única criança da aldeia que não os tinha ao meu lado. (Agora recentemente é que há mais casos como o meu). Eu vivia com os meus avós maternos, e a minha mãe tinha de trabalhar na cidade e viver num apartamento alugado, enquanto o seu casamento com o meu pai estava em "crise". Divorciaram-se ainda eu era demasiado nova para ter lembranças. Raramente via o meu pai. A minha mãe visitava-me quando podia, apesar das complicações e da falta de dinheiro. Sentia muito a falta deles, lembro-me de como chorava pela mãe, mas não imaginei que fossem tantas as vezes (como a minha avó me tem informado nos últimos anos). Ficava muito contente quando ela me telefonava. E como a maior fraqueza do ser humano é o amor, e a minha mãe estava mais que nervosa por causa do divórcio e do facto de outra mulher lhe "roubar" o marido, concluiu que não aguentava ficar mais no meu país. Uns amigos convidaram-na a vir para Portugal pois iriam arranjar-lhe um trabalho que um senhor lhe poderia oferecer (o meu padrasto). Tal como se diz, às vezes o coração tem razões que a própria razão não entende, e a minha mãe voltou ao meu país no inverno de 2002 para se casar com o senhor, que se tornou meu padrasto. Não me lembro bem, mas dizem-me que não fiquei muito contrariada, até porque nem percebia o que se estava a passar, mas também não me sentia muito confortável com a situação. Em janeiro de 2003 viémos os três para Portugal e depois de eu fazer 6 anos comecei cá a escola. A minha avó não aguentou a nossa partida e desde então que tem andado muito depressiva, começando a aparecer-lhe cada vez mais problemas da saúde(até porque já tinha um coração fraco, foi muito perigoso o que lhe fizémos). Cá a vida também não foi muito fácil, eu sempre fui uma criança difícil, por isso não facilitava as coisas à minha mãe. Fazia muitas asneiras, o que originava muitas discussões. Mas apesar disso, vivi bons momentos. E continuo a ver a minha infância como uma fase da minha vida muito feliz, pois apesar de todas as complicações, continuo a vê-la como algo alegre. A minha sorte, foi nessa altura eu ser ainda criança e nem perceber as coisas que se estavam a passar, talvez seja por isso que sempre pensei que fui feliz. Mas isto também é um facto real do dia a dia. De qualquer maneira, a mente do ser humano tem a tendência de "alterar" certos pormenores, com o passar do tempo, de algo que já aconteceu.
Por exemplo, um assalto (isto vi num documentário) que foi simulado. Um homem a assaltar um senhor mais velho (nem me lembro bem). Houve várias testemunhas que assistiram ao roubo. Ao fim de terem sido interrogadas várias vezes em vários dias, ao fim de algumas semanas, todas diziam coisas diferentes sobre alguns pormenores, como a cor do casaco de quem roubou. O roubo simulado foi gravado, e quando as testemunhas voluntárias o viram, ficaram muito impressionadas. Também lhes mostraram a cara de alguns "suspeitos", e todas elas escolheram alguém que não o assaltante. O seu cérebro modificou a imagem que tinha da cara do assaltante. Se o assalto fosse real, estariam a mandar o homem errado para a cadeia. São estas as situações complicadas nos julgamentos, pois, algumas vezes, apesar de as testemunhas pensarem dizer uma verdade aparente para elas, estão de facto a mentir graças ao seu cérebro.
4 comentários:
Esta foto parece um sonho, ou melhor, uma lembrança.
Faz-me recordar da minha infância no campo, quando eu vivia na aldeia dos meus avós da Roménia, de onde tenho excelentes recordações. Faz-me lembrar dos dias em que fazia frio, já no fim do Outono, mas não ainda no Inverno. As árvores com os ramos despidos da foto criam um cenário cópia dos campos da minha aldeia. A felicidade e brincadeira das crianças fazem-me lembrar das minhas próprias brincadeiras com os meus vizinhos, de diferentes idades, todos bem incluídos, onde os mais velhos cuidavam dos mais novos e agíamos em grupo, todos criávamos as regras.
O nevoeiro e a casa simples são-me familiares. Não há indícios de modernices, nem carros, nem motas...
Por momentos esta foto fez-me reviver os bons momentos da minha infância, na minha aldeia, onde o Homem vive a Natureza, onde as árvores são bonitas, e os campos estão cheios de frescas ervas e flores no Verão, estação em que muitas vezes chove no início, mas que também pode fazer tanto calor como cá em Portugal ou até mais. Onde as crianças brincam nos campos, vão atrás dos coelhos tentando apanhá-los, correm atrás das galinhas pelo simples prazer de as afugentar,arreliam os gatos preguiçosose puxam a cauda dos gatos mais ágeis e mal-humorados, vão atrás dos cães e depois fogem deles. Onde um dos grandes medos são as vespas, por isso alguns evitam sítios muito aglomerados em flores. Correm, dançam, rebolam e escorregam pela relva e ligeiramente inclinadas colinas com erva grande. Onde ver o nascer e o por do sol são as coisas mais fantásticas e belas de se contemplar, e que se enquadram muito bem naquele local, por causa do prevalecimento da flora e fauna, pelo que criam um cenário lindo de se ver. Onde o ar é do mais puro e onde as pessoas maioritariamente cultivam os seus próprios vegetais, frutas, etc. sem químicos, 100% biológicos, dos mais saudáveis.
No Inverno as pessoas ficam ainda mais próximas, trazem lenha e preparam a lareira. Faz tanto calor dentro de casa que nem é preciso o uso de roupas muito quentes. É muito acolhedor, ter a família reunida, a preparar e a ajudarem-se uns aos outros para festejar o Natal e o Ano Novo. As avós e as mães preparam os bolos e a comida típica da região. Os avôs e pais preocupam-se mais em manter a casa aquecida e vão ajudando na cozinha e tratando dos animas e eventuais plantas. As crianças ora brincam perto da lareira, ora ficam à janela, a contemplar o exterior, com o chão e os ramos das árvores cheios de neve, de um branco tão puro... O mais engraçado é quando começa a nevar pela primeira vez, ver como o chão adquire uma cobertura cada vez mais grossa, até formar um manto único.
As crianças que se tentam escapulir para ir brincar lá fora, são apanhadas pelas mães e avós que insistem e as obrigam a vestir algo mais quente. Lá fora, todos ajudam a juntar neve para fazer o maior boneco de neve de sempre. Depois, fazem pequenas bolas e atiram-nas uns aos outros, apanhando alguns desprevenidos dos quais dá mais piada "picar". Pegamos nos nossos trenós e puxamo-nos uns aos outros, ou levamos os nossos cães para nos puxarem, ou até descemos sozinhos por pequenas ladeiras. Fazemos anjos da neve e ajudamo-nos a levantar tentando deixar o mínimo de pegadas naqueles sítios só para ficarem o mais perfeitos possível. No Natal as crianças vão cantar à porta das pessoas. Depois de acabarem de cantar, são convidadas a entrar. E as famílias servem-lhes sumo ou alguns bolinhos ou bolachas, ou até dinheiro, pequenas moedas.
No Outono, as crianças brincam, com as folhas secas,coloridas. Inventam brincadeiras e regras, muitas vezes nem precisam de brinquedos, pois esta é uma geração rica em imaginação. E o enorme espaço que o campo lhes oferece promete grandes aventuras.
É muito bela a descrição que faz. Espero que conserve essas memórias pela vida fora e que sejam para si uma fonte de inspiração. Contudo, não lhe parece que tendemos, mesmo inconscientemente, a idealizar e a deturpar um pouco as nossas memórias da infância?
A mim parece-me que isso acaba por acontecer, mas posso estar enganada.
Penso que tem razão. No meu caso, o mais certo é dar demasiada atenção àquilo que na minha infância pode não ter tido assim tanta importância, foco-me nisso. Interpreto-a de uma maneira muito idealizada, as memórias parecem-me perfeitas. Isto, talvez, por ter um grande amor em relação ao meu país, ao local onde vivi ou à minha família. Ou então simplesmente são as saudades que me levam a pensar assim. Penso que em certos aspectos tive uma infância muito feliz, o que por vezes me leva a "esquecer" aquilo que foi menos feliz, como as discussões. A minha mente ocultava-me isso, criava uma espécie de escudo àquilo que menos gostei. Como eu era criança, tudo era possível e bonito, não percebia as coisas más, talvez seja essa a razão de não lhes ter dado tanta importância. Por exemplo, raramente via os meus pais, era a única criança da aldeia que não os tinha ao meu lado. (Agora recentemente é que há mais casos como o meu). Eu vivia com os meus avós maternos, e a minha mãe tinha de trabalhar na cidade e viver num apartamento alugado, enquanto o seu casamento com o meu pai estava em "crise". Divorciaram-se ainda eu era demasiado nova para ter lembranças. Raramente via o meu pai. A minha mãe visitava-me quando podia, apesar das complicações e da falta de dinheiro. Sentia muito a falta deles, lembro-me de como chorava pela mãe, mas não imaginei que fossem tantas as vezes (como a minha avó me tem informado nos últimos anos). Ficava muito contente quando ela me telefonava. E como a maior fraqueza do ser humano é o amor, e a minha mãe estava mais que nervosa por causa do divórcio e do facto de outra mulher lhe "roubar" o marido, concluiu que não aguentava ficar mais no meu país. Uns amigos convidaram-na a vir para Portugal pois iriam arranjar-lhe um trabalho que um senhor lhe poderia oferecer (o meu padrasto). Tal como se diz, às vezes o coração tem razões que a própria razão não entende, e a minha mãe voltou ao meu país no inverno de 2002 para se casar com o senhor, que se tornou meu padrasto. Não me lembro bem, mas dizem-me que não fiquei muito contrariada, até porque nem percebia o que se estava a passar, mas também não me sentia muito confortável com a situação. Em janeiro de 2003 viémos os três para Portugal e depois de eu fazer 6 anos comecei cá a escola. A minha avó não aguentou a nossa partida e desde então que tem andado muito depressiva, começando a aparecer-lhe cada vez mais problemas da saúde(até porque já tinha um coração fraco, foi muito perigoso o que lhe fizémos). Cá a vida também não foi muito fácil, eu sempre fui uma criança difícil, por isso não facilitava as coisas à minha mãe. Fazia muitas asneiras, o que originava muitas discussões. Mas apesar disso, vivi bons momentos. E continuo a ver a minha infância como uma fase da minha vida muito feliz, pois apesar de todas as complicações, continuo a vê-la como algo alegre. A minha sorte, foi nessa altura eu ser ainda criança e nem perceber as coisas que se estavam a passar, talvez seja por isso que sempre pensei que fui feliz. Mas isto também é um facto real do dia a dia. De qualquer maneira, a mente do ser humano tem a tendência de "alterar" certos pormenores, com o passar do tempo, de algo que já aconteceu.
Por exemplo, um assalto (isto vi num documentário) que foi simulado. Um homem a assaltar um senhor mais velho (nem me lembro bem). Houve várias testemunhas que assistiram ao roubo. Ao fim de terem sido interrogadas várias vezes em vários dias, ao fim de algumas semanas, todas diziam coisas diferentes sobre alguns pormenores, como a cor do casaco de quem roubou. O roubo simulado foi gravado, e quando as testemunhas voluntárias o viram, ficaram muito impressionadas. Também lhes mostraram a cara de alguns "suspeitos", e todas elas escolheram alguém que não o assaltante. O seu cérebro modificou a imagem que tinha da cara do assaltante. Se o assalto fosse real, estariam a mandar o homem errado para a cadeia. São estas as situações complicadas nos julgamentos, pois, algumas vezes, apesar de as testemunhas pensarem dizer uma verdade aparente para elas, estão de facto a mentir graças ao seu cérebro.
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