quarta-feira, 4 de março de 2009

Os abraços: realidade ou fantasia? - A importância de refutar o cepticismo

Calvin & Hobbes, de Bill Waterson

As crianças pequenas têm dificuldade em distinguir os seres vivos dos seres inanimados. A diferença entre um tigre e um tigre de peluche para elas não é óbvia. Por isso, ao brincarem com um tigre de peluche tentam dar-lhe comida, falam com ele e imaginam que ele responde, abraçam-no, etc. E acreditam nessas fantasias: para elas são tão reais como uma conversa com a mãe.
Os cépticos radicais sugerem que a nossa representação do mundo pode estar completamente errada. Sugerem também que as coisas podem, afinal, ser muito diferentes da percepção que delas temos. Se esses cépticos tiverem razão, os seres humanos, por idosos e experientes que sejam, não passam de crianças grandes: abraçar a pessoa amada e falar com ela poderá ser tão fantasioso como abraçar e falar com um tigre de peluche.
Abraçar e falar com a pessoa que ama (para não falar nos familiares e amigos) são actividades que a cara leitora ou o caro leitor certamente valoriza. Por isso, não é irrelevante nem indiferente o facto de conseguirmos ou não conseguirmos refutar o cepticismo.

terça-feira, 3 de março de 2009

Relativismo?

Exemplo de divergência de opiniões: a música de Strauss é sublime ou mera gritaria?


Há dias atrás, depois de uma aula em que – para ilustrar o argumento céptico da divergência de opiniões - exemplificámos algumas das teses, argumentos e contra-argumentos envolvidos nos debates acerca do aborto e do casamento dos homossexuais, estava no carro a ouvir as Four Last Songs” de Richard Strauss cantadas por Jessye Norman.

Uma senhora, que estacionou o seu carro ao lado do meu, ao ouvir a música disse para a filha: “Joana, estás a ouvir uma mulher a gritar?”

Deixo ao leitor duas perguntas a propósito de mais esta divergência de opiniões:

Música sublime ou gritaria?
Para responder, clique na imagem, ouça a música e – por favor – não suspenda o juízo!

No post “O argumento céptico da divergência de opiniões” referi que uma possível objecção contra esse argumento é o facto das divergências de opinião – contrariamente àquilo que é sugerido pelos cépticos - não serem insuperáveis.
Se em Portugal existisse um ensino da música digno desse nome, seria ou não provável que existissem mais pessoas a gostar da chamada “música clássica” em vez de a considerar mera gritaria?
(Um elemento factual útil para quem queira responder a essa questão. Tanto quanto sei, a referida senhora é uma pessoa inteligente e tem, até, hábitos culturais diversos e frequentes.)

O argumento céptico da divergência de opiniões

“Em relação a qualquer assunto, tem surgido não só entre as pessoas comuns, mas também entre os filósofos, um conflito interminável, em virtude do qual somos incapazes tanto de escolher uma coisa como de a rejeitar, acabando assim por suspender o juízo.”

Sexto Empírico, Hipóteses Pirrónicas (citação retirada do manual de Filosofia A Arte de Pensar – 11).

Essa divergência de opiniões (supostamente irremediável) tem levado os cépticos mais radicais a afirmar que o conhecimento humano não passa de uma ilusão e que os seres humanos não sabem nada.

Acerca de temas como o aborto, a eutanásia, a existência de Deus ou – entre muitos outros – o casamento dos homossexuais existem diversas teses a favor e contra, bem como teses “intermédias”, e muitos argumentos e contra-argumentos para defender e atacar cada uma delas.

A leitura de um bom livro de Filosofia, ou a participação numa aula de Filosofia pelo menos razoável, permite perceber que essas teses, argumentos e contra-argumentos formam uma espécie de “teia” onde nos podemos enredar em perplexidades e dúvidas. Por isso se diz que a filosofia é uma actividade que pode ser vertiginosa.

De acordo com os cépticos, o facto de haver tais divergências significa que nenhum dos argumentos em causa constitui uma boa justificação da tese defendida.
Um exemplo. O facto de existir o argumento do mal mostra que os argumentos a favor da existência de Deus não conseguem efectivamente justificar a proposição “Deus existe”. O facto de se poder criticar o argumento do mal mostra que este não consegue efectivamente justificar a proposição “Deus não existe”.

Podemos apresentar o argumento da divergência de opiniões sob a forma de um Modus Tollens muito simples:
Se há de facto justificação das nossas crenças, não há divergências relativamente a todos os assuntos. Há divergências relativamente a todos os assuntos. Logo, não há de facto justificação das nossas crenças.

Ora, a justificação é uma condição necessária do conhecimento. Por isso, argumentam os cépticos, não há realmente conhecimento desses temas controversos. Trata-se de outro Modus Tollens:
Se há conhecimento, então há justificação. Não há justificação. Logo, não há conhecimento.

Mas terão os cépticos razão? Vejamos três objecções

1. O argumento da divergência de opiniões (tal como o argumento do erro dos sentidos e o argumento da regressão ao infinito na justificação) pretende justificar a segunda premissa deste segundo Modus Tollens: “Não há justificação”. Ora isso parece envolver uma contradição – se não houvesse justificação então não se poderia justificar a própria ideia de que não justificação.

Esta objecção é uma versão da objecção que acusa o cepticismo radical de se auto-refutar: se fosse verdade que não sabemos nada então não se poderia sequer saber que não sabemos nada.

2. Os cépticos radicais afirmam que há divergências em relação a todos os assuntos: “em relação a qualquer assunto”, diz Sexto Empírico. Mas isso não é verdade. Há diversos contra-exemplos que refutam essa afirmação: muitas ideias da Matemática e da Física são consensuais.

3. Os cépticos radicais sugerem que as divergências de opinião são irremediáveis e insuperáveis: “conflito interminável”, diz Sexto Empírico. Mas isso não é verdade. Há diversos contra-exemplos que refutam essa afirmação. Há assuntos relativamente aos quais já existiu controvérsia e depois deixou de haver. Por exemplo: a causa das marés. E há assuntos que são hoje muitos menos controversos do que já foram. Por exemplo: a igualdade de direitos entre homens e mulheres nas sociedades ocidentais actuais é quase consensual. Por isso, as divergências de opinião não são insuperáveis.

Estas objecções serão mais fortes que o argumento céptico da divergência de opiniões?

segunda-feira, 2 de março de 2009

A coragem e o medo

O "medo" de Jaime Jesus. Praia do Norte, na Nazaré.


domingo, 1 de março de 2009

Escolhas realmente difíceis

Dedicado aos professores que entregaram os objectivos individuais
Nos países onde existem ditaduras há sempre pessoas que são ameaçadas, ou até torturadas, para confessarem delitos ou denunciarem os delitos dos outros. Devia ter escrito a palavra entre aspas, pois normalmente não se trata realmente de delitos, mas apenas de opiniões ou actividades políticas mal vistas pelo poder. Muitas dessas pessoas não resistem, mas algumas resistem e não confessam nada nem denunciam ninguém.
Aconteceu em Portugal antes do 25 de Abril. Aconteceu na Alemanha nazi. Aconteceu na União Soviética e em muitos outros países comunistas. Aconteceu nas ditaduras sul americanas. Acontece na Coreia do Norte. Acontece no Zimbabwe. Acontece no Iraque. Aconteceu e acontece em muitos outros países, pois infelizmente nenhuma dessas duas listas é exaustiva.
Quero endereçar um voto sincero aos professores que, apesar de discordarem do modelo de avaliação que o governo tem tentado impor, ESCOLHERAM entregar os objectivos individuais, devido ao medo de serem penalizados financeira e profissionalmente.
Desejo que nunca precisem – por longa que seja a sua vida – de fazer uma escolha mais difícil do que essa. Por exemplo: espero que nunca precisem de escolher entre a sua integridade física e a denúncia de um vizinho ou de um colega à polícia política.
Se esses professores nunca precisarem de fazer uma escolha mais difícil do que essa, tal significará que em Portugal continuaremos a viver em democracia. Resta é saber se a sua “saúde” continuará tão frágil como agora – em que os governantes e outros representantes do Estado não torturam prisioneiros, mas apreendem livros supostamente pornográficos e tentam fazer reformas tão importantes como a avaliação dos professores através de ameaças e chantagens.