sábado, 2 de maio de 2020

Morrer de fome


QUARENTENA

Na pior hora da pior estação
do pior ano de todo um povo
um homem saiu do albergue com a mulher
e caminhou- caminharam os dois - para norte.

Ela estava doente com a febre da fome e não o conseguia acompanhar.
Ele levantou-a e colocou-a às costas.
E caminhou assim para oeste, para oeste e para norte,
até ao anoitecer, sob as estrelas geladas.

De manhã, os dois foram encontrados mortos.
De frio. De fome. Das toxinas de toda uma história.
Mas os pés dela apoiavam-se no esterno dele.
O último calor da sua carne foi o último presente para ela.

Que nenhum poema de amor jamais chegue a este limite.
Não há aqui lugar aqui para o impreciso
louvor da elegância e da sensualidade do corpo.
Apenas tempo para este inventário impiedoso:

A sua morte no inverno de 1847.
O que sofreram. E como viveram.
E o que existe entre um homem e uma mulher.
E em que escuridão se pode ver melhor.

Eavan Boland e Dorothea Lange

Eavan Boland foi uma poeta irlandesa: 1944-2020. A tradução é de Jorge de Sousa Braga.

Dorothea Lange foi uma fotógrafa norte-americana, que na década de 30 do século XX fotografou camponeses e outras pessoas pobres para documentar os efeitos da Grande Depressão. É autora de uma das mais célebres fotografias da história: “Mãe Migrante”, de 1936.

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