domingo, 10 de maio de 2020

Forma indiciária do problema do mal: um exemplo de sofrimento desnecessário e injustificado


William L. Rowe, no livro “Introdução à Filosofia da Religião”, ao discutir o problema do mal apresenta de exemplos de males alegadamente desnecessários e injustificados, nomeadamente o caso de um corço que durante cinco dias sofre dores terríveis provocadas por queimaduras até finalmente morrer num lugar isolado.

É de salientar que também apresenta e discute diversas maneiras de rejeitar o problema do mal.

«A forma indiciária do problema do mal baseiase em exemplos de sofrimento intenso, em seres humanos ou animais, que aparentemente não servem qualquer propósito benéfico. Desenvolvemos aqui o argumento centrandonos num exemplo de sofrimento animal: um corço que fica horrivelmente queimado durante um incêndio provocado pela descarga de um raio, sofrendo terrivelmente durante cinco dias antes de morrer. Ao contrário dos seres humanos, não se atribui livrearbítrio aos corços, pelo que não podemos imputar o terrível sofrimento do corço a um mau uso do livrearbítrio. Por que permitiria então Deus que isto acontecesse quando, se existe, podia têlo impedido com tanta facilidade? Admitese em geral que somos simplesmente incapazes de imaginar um bem superior cuja realização dependa, sob qualquer perspetiva razoável, de Deus permitir que aquele corço sofra terrivelmente. Tãopouco parece razoável supor que há um mal imenso que Deus seria incapaz de impedir se não permitisse que o corço sofresse durante cinco dias. Suponhase que por «mal sem sentido» entendemos um mal que Deus (se existe) poderia ter impedido sem com isso perder um bem superior ou sem ter de permitir um mal igualmente mau ou pior. Será que o sofrimento do corço é um mal sem sentido? Seguramente que o terrível sofrimento do animal durante esses cinco dias não parece do nosso ponto de vista fazer qualquer sentido. Quanto a isto, o consenso é, ao que parece, quase universal. Pois dada a omnisciência e o poder absoluto de Deus, serlheia extremamente fácil ter impedido o incêndio ou ter impedido que o corço fosse apanhado pelas chamas. Além disso, como vimos, é extraordinariamente difícil imaginar um bem superior cuja realização dependa, sob qualquer perspetiva razoável, de Deus permitir que aquele corço sofra terrivelmente. E é igualmente difícil imaginar um mal equivalente, ou até pior, que Deus se visse forçado a permitir caso impedisse o sofrimento do corço. Parece, portanto, perfeitamente razoável pensar que o sofrimento do corço é um mal sem sentido, um mal que Deus (se existe) podia impedir sem com isso perder um bem superior ou ter de permitir um mal equivalente ou pior.
À luz de tais exemplos de males horríveis, podese formular da seguinte maneira o argumento indiciário:

1. Provavelmente, há males sem sentido (por exemplo, o sofrimento do corço).
2. Se deus existe, não há males sem sentido.
Logo,
3. Provavelmente, Deus não existe.»

William L. Rowe, Introdução à Filosofia da Religião, Verbo, 2011, pp. 123-124.

(Tradução de Vítor Guerreiro e revisão científica de Desidério Murcho.)

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