“Existe uma espécie de ceticismo, anterior a qualquer estudo ou filosofia, muito recomendado por Descartes e outros como sendo a soberana salvaguarda contra os erros e os juízos precipitados. Este cepticismo recomenda uma dúvida universal, não apenas quanto aos nossos princípios e opiniões anteriores, mas também quanto às nossas próprias faculdades, de cuja veracidade, diz ele, devemos nos assegurar por meio de uma cadeia argumentativa deduzida de algum princípio original que seja totalmente impossível tornar-se enganador ou falacioso. Mas nem existe qualquer princípio original como esse, dotado de qualquer prerrogativa sobre outros que são evidentes e convincentes; nem, se existisse, poderíamos avançar um passo além dele, a não ser pelo uso daquelas mesmas faculdades das quais se supõe que já suspeitamos. A dúvida cartesiana, portanto, se jamais fosse capaz de ser alcançada por qualquer criatura humana (o que claramente não é), seria totalmente incurável, e nenhum raciocínio poderia alguma vez nos levar a um estado de segurança e convicção acerca de qualquer assunto.
Deve-se todavia confessar que o ceticismo, quando é mais moderado, pode ser entendido num sentido muito razoável, e constitui uma preparação para o estudo da filosofia, preservando uma adequada imparcialidade nos nossos juízos e libertando-nos o espírito de todos os preconceitos de que possamos ter sido impregnados pela educação ou por opiniões precipitadas.”
David Hume, Tratados I: Investigação sobre o Entendimento Humano, tradução de João Paulo Monteiro, Lisboa, INCM, 2002, pp. 161-162.
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