segunda-feira, 13 de julho de 2015

A balada de uma juíza

A Balada de Adam Henry, de Ian McEwan.
Gradiva, Abril de 2015 (2ª edição).
190 páginas.

 

Enquanto enfrenta uma crise no seu casamento de trinta e tal anos, a Meritíssima juíza Fiona Maye tem de julgar alguns casos delicados que chegam ao Tribunal de Família. Pelo meio recorda casos passados e preocupa-se com a execução de certas peças musicais, pois é também pianista amadora e grande apreciadora de música.

Que fazer quando dois gémeos siameses não podem sobreviver ambos e os pais não autorizam a sua separação cirúrgica? Um dos gémeos tornar-se-á provavelmente uma criança normal e saudável se for separado, mas o outro é inviável e morrerá de qualquer modo; se não forem separados morrerão os dois.

Que fazer quando o pai e a mãe de duas meninas discutem o direito de as educar de acordo com princípios muito diferentes? O pai é um haredi, um judeu ultraortodoxo, e pretende que as filham vivam de acordo com os seus rígidos costumes: não quer que convivam com pessoas exteriores a essa comunidade nem que continuem a estudar após a escola primária, de modo a que um dia possam casar com outros haredis, ter muitos filhos e ser boas donas de casa. A mãe é também judia e, embora não renegue o judaísmo, saiu da comunidade haredi após o divórcio e pretende que as filhas continuem a estudar, convivam com pessoas diferentes e possam mais tarde escolher o rumo das suas vidas.

Que fazer quando um hospital pede autorização ao tribunal para realizar uma transfusão de sangue contra a vontade do paciente (o Adam Henry que dá nome ao livro) e de seus pais? Todos eles são Testemunhas de Jeová e acreditam que as transfusões de sangue são contrárias à vontade de Deus e portanto erradas. Adam Henry está a poucos meses de fazer 18 anos. Se já tivesse atingido a maioridade a sua recusa da transfusão seria soberana, mas assim tem de ser a juíza a decidir. Caso a transfusão não seja rapidamente feita Adam Henry morrerá em poucos dias.

Ian McEwan é demasiado bom escritor para colocar as personagens a desbobinar artificialmente teorias filosóficas. Contudo, nas reflexões e sentenças da juíza Fiona Maye não deixam de aparecer diversos tópicos filosóficos: a diferença entre a ética e o direito; o confronto entre a abordagem deontológica e a abordagem consequencialista dos problemas éticos; a dificuldade de conciliar diferentes direitos, como por exemplo a autonomia pessoal, a protecção das crianças e a liberdade religiosa. Esses tópicos são introduzidos naturalmente no livro, na medida em que são requeridos pelos casos em julgamento e pela justificação das decisões da juíza.

O que, além da mestria de Ian McEwan, ilustra a centralidade e até a inevitabilidade das questões filosóficas. Quer se queira quer não, estas estão envolvidas nas situações fundamentais da nossa vida.

A Balada de Adam Henry é, portanto, um livro que vale a pena ler por razões literárias, mas também por razões filosóficas.

balada-de-adam-henry-CAPA de Ian McEwan

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