Texto publicado na edição online da Revista Sábado, em 09-03-2015.
Platão e um Ornitorrinco entram num Bar..., de Thomas Cathcart e Daniel Klein
Dom Quixote, Agosto de 2008
244 páginas.
“Uma mulher saía de casa todas as manhãs e exclamava: - Que esta casa esteja protegida dos tigres! Um dia uma vizinha perguntou-lhe: - Para que é aquilo? Não há um único tigre num raio de mil e quinhentos quilómetros. - Estás a ver? Resulta! – respondeu a mulher.”
Esta é uma das anedotas contadas no livro Platão e um Ornitorrinco entram num Bar..., de Thomas Cathcart e Daniel Klein, cujo subtítulo é Filosofia com humor. É contada (na pág. 54) para exemplificar a falácia post hoc: “o erro de presumir que, se uma coisa sucede a outra, essa coisa foi causada pela outra”.
O livro tem dez capítulos (além de um glossário e de uma enigmática conclusão) onde são abordados diversos problemas metafísicos, éticos, lógicos, epistemológicos, etc. Cada capítulo começa e acaba com um pequeno diálogo entre duas personagens: Dimitri e Tasso, respetivamente o discípulo e uma espécie de mestre. A título de exemplo, eis o diálogo que encerra o capítulo dedicado ao relativismo e que visa mostrar que este se autorrefuta (pág. 220):
“Dimitri: Pareces ser uma daquelas pessoas que pensam que não existe uma verdade absoluta, que toda a verdade é relativa.
Tasso: Certo.
Dimitri: Tens a certeza disso?
Tasso: Absoluta.”
O livro inclui também alguns divertidos cartoons e uma não menos divertida cronologia filosófica. Dois exemplos desta última: “1650 – Descartes pára de pensar durante um segundo e morre”; “1900 – Nietzsche morre, Deus morre de desgosto seis meses depois”.
Os autores fazem pequenas introduções aos problemas filosóficos abordados e apresentam anedotas e histórias cómicas para ilustrar ou criticar as ideias em causa (algumas anedotas constituem contraexemplos, outras funcionam como reduções ao absurdo, outras…). O humor não se encontra apenas nas anedotas, mas também na parte explicativa: misturadas com explicações “sérias” surgem muitas vezes afirmações humorísticas. Por exemplo, depois de caracterizarem o utilitarismo como a perspetiva “moral de que os atos corretos são aqueles que trazem mais bem-estar para as pessoas afectadas” que os atos alternativos, acrescentam: a “utilidade limitada desta filosofia moral torna-se evidente quando tentamos agradar à mãe e à sogra no Dia de Acção de Graças” (pág. 241).
Essas pequenas introduções destinam-se a fornecer breves enquadramentos às anedotas e a mostrar que a filosofia pode ser divertida. Não são, nem pretendem ser, apresentações rigorosas e completas dos problemas abordados nem das teorias mencionadas. Não contêm, ainda assim, erros escandalosos – exceto as primeiras linhas da página 49, onde, além de se dizer absurdamente que o silogismo é o principal argumento dedutivo, se repete a célebre asneira de que a “lógica dedutiva raciocina do geral para o particular”.
Platão e um Ornitorrinco entram num Bar... merece ser lido e as suas anedotas contadas aos amigos e até aos inimigos. Mas, pelas razões indicadas, não é o livro certo para estudar filosofia. O que não o impede de ajudar a compreender os problemas filosóficos que aborda, uma vez que o humor, além de nos divertir, pode lançar alguma luz sobre as coisas em que incide. O livro pode ser, por isso, uma fonte de exemplos imaginativos e engraçados, útil para alunos e professores – e até para pessoas interessadas em contar anedotas inteligentes e inesperadas.
“Demonstraremos como os conceitos filosóficos podem ser iluminados por piadas” e que muitas “piadas estão repletas de conteúdos filosóficos fascinantes”, prometem os autores na introdução (pág. 12) e sem dúvida que cumprem essa promessa.
Thomas Cathcart e Daniel Klein justificam o seu projecto alegando existir uma grande afinidade entre a filosofia e o humor. “A construção e reação às piadas e a construção e reação aos conceitos filosóficos são feitas do mesmo material. Estimulam a mente de formas semelhantes. Isto acontece porque a filosofia e as piadas têm origem no mesmo impulso: confundir a nossa perceção das coisas, virar os nossos mundos de pernas para o ar e deslindar as verdades escondidas, e muitas vezes desagradáveis, sobre a vida.” (pág. 10)
Talvez a afinidade não seja tão grande como isso. O humor pode também resultar de outros “impulsos” e a filosofia, embora implique pensamento crítico, não implica necessariamente a rejeição do senso comum pressuposta no “virar os nossos mundos de pernas para o ar”. Contudo, isso não retira valor a esta tentativa de apresentar a filosofia com humor, uma vez que o livro é realmente divertido e faz pensar. Por outro lado, rir de Platão ou Kant talvez contribua para diminuir o respeito acrítico e bacoco pelos “grandes nomes” que tanto mal faz à filosofia e ao pensamento em geral.
Para terminar, uma das várias anedotas acerca de Deus e da religião existentes no livro (pág. 215):
“Um homem está a rezar a Deus.
- Senhor – reza -, gostaria de te fazer uma pergunta.
O Senhor responde:
- Não há problema. Podes perguntar.
- Senhor, é verdade que para ti um milhão de anos é apenas um segundo?
- Sim, é verdade.
- Bem, nesse caso o que é um milhão de dólares para ti?
- Para mim, um milhão de dólares é apenas um cêntimo.
- Ah, nesse caso, Senhor – diz o homem -, podes dar-me um cêntimo?
- Claro – respondeu o Senhor. – Espera só um segundo.”
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