A ideia de que as mulheres - por oposição aos homens - são mais sensíveis ao coração do que à razão, faz parte da nossa cultura e é aplicada por muitas pessoas em diferentes contextos, quer em termos teóricos quer na vida prática. A sua aceitação significa admitir que as pessoas do sexo feminino tendem a revelar, em certas circunstâncias, falta de discernimento e de frieza na análise dos factos porque valorizam mais os aspectos emocionais que os racionais.
Este pretenso retrato da natureza feminina é bastante popular e influente. Basta pensarmos, por exemplo, no carácter de muitas das heroínas dos filmes e dos romances. Como é o caso da personagem Carla Jean, no romance de Cormac McCarthy, referida na passagem do post anterior. Mas também nalguns preconceitos, bastante difundidos: “os homens não choram” (naturalmente por oposição às mulheres para quem esta exteriorização das emoções será um sinal da sensibilidade feminina), “as mulheres não sabem conduzir” entre outros. Neste último caso, tal como no anterior, os dados empíricos – como o número de acidentes rodoviários - até podem demonstrar o contrário. Porém, na prática constatamos a dificuldade em abandonar estes estereótipos, pois isso exigiria que se examinasse a sua justificação racional. Obviamente, a maior parte das pessoas – sejam homens ou mulheres - não o faz, nem o quer fazer. As razões que explicam essa recusa podem ser, além da preguiça mental, sociais ou psicológicas.
Mesmo na discussão de determinados assuntos há homens que argumentam – como já tive a oportunidade de verificar – deste modo: “Estás a ser demasiado sentimentalista, como aliás as mulheres são de um modo geral!” Ironias sexistas à parte, esta forma de refutar opiniões contrárias é desonesta do ponto de vista intelectual porque recorre ao ataque pessoal e à falsa generalização.
Claro que, quando se discutem ideias, o importante é a pertinência das ideias defendidas, a clareza do discurso e não o sexo de quem está a discutir.
No entanto, ainda que o suposto sentimentalismo feminino corresponda a um preconceito, é verdade que em muitas das áreas importantes da nossa vida, em particular as relacionais, estão envolvidos aspectos que escapam, pelo menos em parte, à racionalização. Quando uma pessoa tem de gerir o peso a atribuir aos sentimentos e às razões, é a própria razão a dizer-lhe que, por vezes, o mais “razoável”, paradoxalmente, é deixa-se guiar pelas emoções. Nas relações amorosas podemos encontrar muitas situações em que isto acontece, onde as pessoas guiadas por motivos afectivos, provavelmente, obtêm resultados mais satisfatórios do que teriam recorrendo a meras análises racionais.
Garanto que não é o sentimentalismo feminino que me leva a fazer estas afirmações…
11 comentários:
Pues, estoy de acuerdo contigo!
Te felicito por el texto.
Saludos,
Sergio.
Peço desculpa pelo machismo ;), mas parece-me que se a análise racional falha...é porque estava errada! Pois para ser devidamente inteligente, deve integrar a componente afectiva...
Talvez as mulheres integrem melhor que os homens (de um modo geral, claro).
:)
Boa noite, Sara.
Gostei muito de a ler.
A reflexão é excelente!
Pessoalmente, penso que há um certo preconceito nos homens em exteriorizar sentimentos.
Hoje em dia, fala-se muito de inteligência emocional e eu até gosto do conceito.
Muito interessante seu texto, Sara. Concordo que a visão machista ainda é predominante em muitos lugares, e essa falácia de atacar a pessoa que argumenta é muito comum, não só para o caso de homens a usando contra as mulheres. Porém concordo com o que o Mário disse. Uma análise "realmente" racional tem que levar em consideração os aspectos afetivos, visto que são de extrema importância no que se refere ao ser humano. Porém o entendimento mais comum de um pensamento racional é um pensamento frio e calculista exclusivamente, o que não faz sentido, pois um pensamento que ignora os aspectos afetivos do ser humano é na verdade um pensamento irracional.
um abraço,
André
Sérgio:
Agradeço as suas palavras amáveis.
Cumprimentos.
Obrigada Ana Paula!
Espero que continue a encontrar razões para o fazer :)
Obrigada Helena pelas suas palavras amáveis.
A mim parece que não faz sentido fazermos generalizações quanto aos homens, tal como acontece em relação às mulheres, pois estas expressariam igualmente um preconceito.
É preciso reconhecer, factores sociais que promovem um certo tipo de atitudes e comportamentos em relação à exteriorização dos sentimentos. É provável que estes se reflictam num grande número de pessoas do sexo masculino, mas há excepções, não se pode universalizar.
A “inteligência emocional” é um interessante conceito da psicologia actual. Contudo, creio que se aplica tanto aos homens como às mulheres, ainda que possamos, eventualmente, verificar que são estas últimas que fazem uso desta com mais eficácia. Não possuo informação para afirmar que assim é, apenas a minha experiência e algumas crenças do senso comum, cujo fundamento é duvidoso.
Cumprimentos.
Mário:
Acho que tem razão quando a análise racional se aplica a áreas ou a situações em que a interferência da afectividade pode ser nefasta: aí ter por perto a típica “lucidez” masculina pode dar jeito :)
No entanto, há circunstâncias práticas da vida, para ambos os sexos, em que por mais brilhantes que sejam as análises racionais, uma pessoa pode ser mal sucedida se não souber gerir as suas emoções e avaliar o peso destas nas suas acções e decisões. Não creio que a razão deva estar submetida aos sentimentos, pois esta tem um papel orientador e mostrar-nos porque devemos seguir um certo caminho, ainda que seja por motivos emocionais.
Cumprimentos.
André:
Julgo que, tal como já disse ao Mário, precisamos de ter em conta a especificidade do assunto ou da situação: há circunstâncias em que devemos atender aos aspectos afectivos, há outras em que precisamos pô-los de parte. Dou-lhe um exemplo: eu na minha actividade profissional, ao avaliar os alunos, devo tentar fazê-lo de uma forma rigorosa e objectiva (recorrendo a dados factuais), ainda que eu possa, do ponto de vista pessoal, ter uma maior simpatia por alguns deles.
Assim, um pensamento racional: baseada numa análise rigorosa e imparcial dos factos é desejável em muitas situações.
Há contextos em que ignorar os aspectos não racionais, como as emoções, pode ser desastroso.
Cumprimentos.
Concordo, Sara, generalizar não é o melhor caminho até porque o comportamento humano é determinado por vários factores.
Helena
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