No inico da Ética a Nicómaco, Aristóteles defende que não devemos procurar o mesmo grau de rigor no estudo de todos os assuntos. Segundo ele, é próprio de uma pessoa instruída requerer em cada investigação “apenas tanto rigor quanto a natureza do tema em tratamento admitir. Na verdade, parece um erro equivalente aceitar conclusões aproximadas a um matemático e exigir demonstrações a um orador.” 1
Aristóteles conclui que na ética não é possível um rigor matemático, mas podemos aplicar essa conclusão à filosofia em geral (exceto, talvez, à lógica).
Contudo, o facto de na filosofia não ser possível alcançar o rigor matemático não significa que não seja possível algum rigor nem que não valha a pena tentar alcançá-lo. Por isso, o facto de a filosofia não poder ser tão rigorosa como a matemática não é desculpa para os autores de alguns manuais de filosofia para o ensino secundário cometerem certas imprecisões e incoerências.
Dois exemplos.
Alguns manuais definem a ação humana como sendo essencialmente livre e logo a seguir, na discussão do problema do livre-arbítrio, apresentam a teoria conhecida como Determinismo Radical, que defende (com argumentos poderosos) que nenhuma ação humana é livre. Ora, se se discute filosoficamente a existência ou não de ações livres, então não tem sentido começar por dizer – como se fosse algo consensual e estabelecido – que “a ação humana é livre”.
Nesses manuais define-se os juízos de valor como sendo essencialmente subjetivos e pouco depois, a propósito da discussão da natureza dos juízos de valor morais, apresentam-se teorias que defendem (com plausibilidade) que esses juízos não são subjetivos (o Relativismo defende que são culturalmente relativos e o Objetivismo ou Realismo Moral defende que são objetivos). Ora, se se discute filosoficamente se esses juízos são ou não subjetivos, então não tem sentido começar por dizer – como se fosse algo consensual e estabelecido – que “os juízos de valor são subjetivos”.
1 Aristóteles, Ética a Nicómaco, 1094b11, tradução de António Caeiro, Quetzal Editores, Lisboa, 2004, pp. 20-21.
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