“As nossas crenças mais justificadas não têm qualquer outra garantia sobre a qual assentar, senão um convite permanente ao mundo inteiro para provar que carecem de fundamento.” John Stuart Mill
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
Qual é o critério da moralidade?
Kant responde:
“(…) o valor moral da acção não reside, portanto, no efeito (consequências) que dela se espera. Não pode residir em mais parte alguma senão no princípio da vontade (na intenção), abstraindo dos fins que possam ser realizados por tal vontade”.
“Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne lei universal”.
“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio.”
Kant, Fundamentação da metafísica dos costumes, Edições 70
E Stuart Mill contra-argumenta:
“Desde os primórdios da filosofia, a questão do fundamento da moralidade tem sido considerada o principal problema do pensamento especulativo (…).
A doutrina que aceita como fundamento da moral a utilidade, ou o princípio da maior felicidade, defende que as acções são correctas na medida em que tendem a promover a felicidade, e incorrectas na medida em que tendem a gerar o contrário da felicidade. Por felicidade entendemos o prazer, e a ausência de dor; por infelicidade a dor, e a privação do prazer.
(…) Tem de se admitir, no entanto, que os autores utilitaristas defenderam em geral a superioridade dos prazeres mentais sobre os corporais (…). É perfeitamente compatível com o princípio de utilidade reconhecer o facto de alguns tipos de prazer serem mais desejáveis e valiosos do que outros. Seria absurdo que a avaliação dos prazeres dependesse apenas da quantidade, dado que ao avaliar todas as outras coisas consideramos a qualidade a par da quantidade.
Segundo o princípio da maior felicidade, o fim último, por referência ao qual e em virtude do qual todas as coisas são desejáveis (quer estejamos a considerar o nosso próprio bem ou o das outras pessoas), é uma existência tanto quanto possível isenta de dor e tão rica quanto possível em prazeres, tanto em quantidade como em qualidade (…).
Quem salva um semelhante de se afogar faz o que está moralmente correcto, quer o seu motivo seja o dever, ou a esperança de ser pago pelo seu incómodo (…).
John Stuart Mill, Utilitarismo, págs. 43, 52, 57 e 65, Edições Gradiva
Quem terá razão?
domingo, 30 de janeiro de 2011
Três minutos com Kant
Lamento que este vídeo não esteja legendado em português, mas vale a pena ouvir e ver. As imagens ajudam a perceber e, para os alunos, o estudo e compreensão da matéria dada nas aulas também.
Para saber mais acerca da teoria ética de Kant, pode ver aqui.
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011
Um livro de Filosofia com o jornal Público
Amanhã, dia 27, ao comprar o jornal Público pode também adquirir o livro Filosofia em directo, da autoria de Desidério Murcho.
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
Julgar que se sabe
Cartoon de Mordillo.
Uma das dificuldades com que os professores se confrontam diariamente é o facto de alguns alunos revelarem lacunas ao nível dos conhecimentos básicos e, sobretudo, falta de apetência por superá-las. Esses alunos sentem-se pouco incomodados com aquilo que não sabem e não estudam ou estudam de modo inadequado: decoram em vez de compreender e discutir as ideias. Neste ponto de vista provinciano, despreza-se o conhecimento porque não se tem consciência de que quem não o possui está preso mesmo sem o saber.
domingo, 23 de janeiro de 2011
Criticar não é o mesmo que arrotar
A falácia ad hominem (atacar pessoalmente os indivíduos de quem discordamos em vez de discutir as suas ideias, aludindo a aspectos pessoais irrelevantes para o argumento) é frequente, nomeadamente na política e na vida profissional. Mas, felizmente, a sua utilização é muitas vezes denunciada.
Contudo, essa denúncia nem sempre é justificada. Algumas pessoas, incomodadas com o facto de alguém questionar as suas ideias, declaram-se ofendidas na sua honra. Confundem as críticas com insultos e consideram como um ataque pessoal o desafio que lhes foi feito para debater e argumentar.
Por vezes essa atitude constitui apenas uma fuga oportunista ao trabalho de argumentar e à possibilidade de refutação. Mas outras vezes é sincera: as pessoas sentem-se mesmo atacadas pessoalmente e ficam mesmo aborrecidas.
Sincera ou não, essa atitude é favorecida por uma tradição cultural como a portuguesa, onde a discussão e a crítica não são vistas como tentativas de chegar à verdade e à clareza, mas sim como algo negativo e desagradável. Por isso, em Portugal quando alguém – por exemplo numa reunião de professores – apresenta uma objecção ao que foi dito é frequente instalar-se algum mal-estar: a pessoa cuja opinião foi criticada manifesta incómodo e este é partilhado por muitos dos ouvintes. Como se discordar de modo claro e frontal fosse indelicado e tão socialmente inadequado como arrotar ruidosamente.
Claro que nesses ambientes se admite que as pessoas não estejam de acordo. Contudo, considera-se que o desacordo não deve ser expresso através de um frontal “a tua opinião é falsa: X não é Y”, mas sim através de frases mais relativistas e capazes de tornar o desacordo inócuo: “na minha perspectiva X não é Y, mas é só a minha opinião, a minha maneira de ver, eu respeito todas as opiniões”. A cantilena repetitiva do “na minha perspectiva” destina-se a tornar claro que não se está a contestar a outra opinião e que se considera todas as opiniões legítimas e respeitáveis – já que, supostamente, tudo é uma questão de perspectiva. Parece que assim ninguém se sente pessoalmente atacado.
Infelizmente, esse procedimento não exclui apenas a falácia ad hominem, mas também a possibilidade de debater realmente ideias.
Escusado será dizer que criticar os comportamentos ou a competência (por exemplo profissional) de alguém sem ser acusado de estar a praticar um ataque pessoal é ainda mais difícil do que quando se tenta apenas discutir ideias.
sábado, 22 de janeiro de 2011
Não se segue que…
ShapeShifter from Charlex on Vimeo.
É, sem dúvida, um magnífico anúncio publicitário. Mas a argumentação é, obviamente, falaciosa. Porquê?
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
Prazer
“Defendemos que o prazer é o começo e o fim de uma vida abençoada. Reconhecemo-lo como o nosso bem natural e fundamental. O prazer é o nosso ponto de partida sempre que escolhemos ou evitamos algo, e fazemos dele o nosso objectivo, usando o sentimento como critério para avaliar todas as coisas boas.”
Epicuro
Fonte da citação de Epicuro:
Anthony Kenny, Filosofia Antiga: Nova História da Filosofia Ocidental, volume 1, Gradiva, 2010, Lisboa, pág. 295.
Fotografia, encontrada não sei onde: mulher soldado americana, no Afeganistão.
quinta-feira, 20 de janeiro de 2011
Colóquio Internacional sobre Sophia de Mello Breyner, na Gulbenkian
Num deserto sem água
numa noite sem luar
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua
Sophia de Mello Breyner
Para mais informações ver aqui. Agradeço à minha colega Fátima Borralho o envio desta informação.
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
A teoria ética de Kant
Para os alunos, em particular do 10º ano, os posts disponíveis no Dúvida Metódica relacionados com a ética kantiana.
1. Cumprir o dever pelo dever: um exemplo
2. Agir bem para evitar problemas
3. Quais são as acções que têm valor moral?
4. Qual dos personagens, o Calvin ou a Susie, está a agir de acordo com o princípio kantiano da moralidade?
5. As pessoas não são instrumentos
6. Como se formula, na linguagem de Kant, o princípio que o Manelinho encontra escrito no livro?
7. Devemos mentir para salvar a vida de um amigo? – Não, diz Kant (1)
8. Devemos mentir para salvar a vida de um amigo? – Não, diz Kant (2)
9. Ser ou não ser digno de admiração
10. “Mentiras boas” e outras objecções à ética kantiana
11. Um dilema moral
12. Um dilema moral (continuação)
13. Devemos dizer a verdade? Sim ou talvez não...
14. Enganar por amor
15. Bem-vindos à discussão dos problemas filosóficos :)
16. Valores do século XXI
Para conhecer melhor o conhecimento
Para os alunos, em particular do 11º ano, os textos disponíveis no Dúvida Metódica sobre o problema: O que é o conhecimento?
1. Algumas relações entre os vários tipos de conhecimento
2. O conhecimento por contacto facilita as cunhas
3. Ficha de trabalho: identificação dos diferentes tipos de conhecimento
4. O carácter factivo do conhecimento
5. O tempo até pode ser relativo, mas a verdade não
6. Informação “útil” para adolescentes sobre a hora de deitar
7. Uma crença pode ser útil mas falsa
8. Previsão certeira de sismo em Itália: crença verdadeira, mas não justificada
9. Crenças
9. Obviamente!
10. O Deco não percebe nada de Epistemologia
11. Dois contra-exemplos à chamada definição tradicional de conhecimento
domingo, 16 de janeiro de 2011
Mente aberta
"Devemos manter a mente aberta, mas não tão aberta que o cérebro caia".
Carl Sagan (citado de memória)
(Receio que muitos crentes na astrologia tenham uma mente tão aberta, tão aberta que lhes escape o significado de notícias como esta.)
sábado, 15 de janeiro de 2011
Como um pessegueiro
Fotografia de Márcia Mitsi, tirada daqui.
Como um pessegueiro que tivesse florido no fundo de um poço
para quem posso olhar ou sorrir?
A lua brilha no firmamento
Olhou-me mas não tardou a desaparecer
A espada com a lâmina mais fina
Não pode fazer com que a água de um rio deixe de fluir
Como a água do rio assim o meu pensamento
não cessa de te perseguir
Li Po
Este poema foi retirado do livro de poemas chineses: “Sono de Primavera”, versões de Jorge de Sousa Braga, Edições Litoral, Porto, 1986, pág. 29. Para ler outros poemas deste livro, ver aqui.
quinta-feira, 13 de janeiro de 2011
Fichas de Filosofia sobre a acção e os valores
Disponibilizo as fichas que apliquei nas aulas do 10º ano sobre os temas:
A acção e os valores. O problema da justificação dos juízos morais: as teorias do subjectivismo moral e relativismo moral e cultural.
Espero que possam ser úteis aos leitores do Dúvida Metódica, a quem agradeço as críticas e sugestões.
2010-11 Ficha de trabalho 10º sobre o problema da justificação dos juízos morais
terça-feira, 11 de janeiro de 2011
L******** de e********?
Hoje, numa aula do 11º ano, fiz algo que nunca tinha feito numa aula: utilizei a expressão “foder o juízo”. Nunca tinha utilizado esse verbo, nem nenhuma palavra da família, numa aula.
Quando disse “foder o juízo” não estava a falar de educação sexual, mas sim de liberdade de expressão e de um livro: este.
Terei agido mal?
Agirei mal se, na próxima aula, ao discutir quais devem ser os limites à liberdade de expressão, em vez de apresentar casos relacionados com a privacidade dos políticos e com a segurança do Estado, apresentar o vídeo seguinte e perguntar aos alunos se utilização de palavrões em obras de ficção é ou não defensável?
No vídeo: o actor Miguel Guilherme lê um texto (“Gosto de palavrões”) de Miguel Esteves Cardoso em que este elogia – com muito humor e inteligência – os palavrões.
(Há dois anos fiz uma pergunta semelhante a estas, aqui no Dúvida Metódica.)
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
O bem e o mal dizem apenas respeito à sociedade e à cultura?
Exemplo 1 – A excisão genital feminina.
Para saber mais sobre este filme, pode ver aqui.
Exemplo 2 – Lapidação.
Outros exemplos: aqui, aqui e aqui.
Sobre a defesa dos direitos humanos veja aqui e aqui.
O respeito pela diversidade cultural de um povo pode confundir-se, como é frequente, com a defesa do relativismo cultural moral e cultural?
Se admitíssemos um dos pressupostos fundamentais desta teoria: o que é moralmente certo ou errado depende dos padrões culturais aprovados pela maioria das pessoas pertencentes a uma determinada sociedade, poderíamos criticar os costumes referidos nos exemplos anteriores?
Não, embora seja evidente que constituem uma violação de direitos humanos fundamentais.
Portanto, nem todos os valores morais são relativos, nem todas as tradições culturais são respeitáveis.
Para refutar a teoria do relativismo moral e cultural e defender a tese de que há tradições e práticas intoleráveis, independentemente da cultura e da sociedade a que se referem, pode encontrar argumentos nos seguintes textos:
1. A defesa dos direitos humanos e do relativismo cultural serão compatíveis?
Responda às questões a partir da leitura dos textos
1. A verdade dos juízos morais depende da opinião pessoal?
2. Será a ética subjectiva?
3. Haverá provas em ética?
Nota: Não esquecer que, além de ler, é necessário pensar!
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011
Um livro para quem se interessa por medicina e seres humanos
Sugeri à minha aluna Ana Marta Nunes (do 11º ano, turma C) a leitura deste livro. Ela escreveu um texto onde apresenta várias razões para, também nós, lermos esta obra. Ei-lo:
Durante estas férias de Natal, tive a oportunidade de ler Confissões de uma cirurgiã, escrito por Gabriel Weston. Agradeço à professora Sara Raposo por esta sugestão de leitura e relato aqui a experiência que foi ler este livro.
Apesar de apreciar o tema, esta obra não se enquadra no tipo de leitura que normalmente prefiro. Como tal, devido ao carácter pseudo-biográfico do livro, posso dizer que estava, no início, um pouco receosa de não vir a ter prazer em lê-lo. Felizmente, aconteceu o contrário.
O livro é, segundo a própria autora, um misto de ficção e realidade, as personagens são fictícias mas inspiram-se em situações reais vividas pela Dr.ª Weston. É um relato, feito na primeira pessoa, de experiências marcantes vividas pela autora. Está escrito de uma forma surpreendentemente envolvente. Cada um dos catorze capítulos, que pode conter mais do que uma história, contribui para a construção de uma reflexão sobre um determinado tema (por exemplo: Sexo; Morte; Beleza; Hierarquia; Ajuda e Aparências). Estas reflexões demonstram o impacto que as situações descritas tiveram na vida e na forma de pensar da autora, assim como nas suas opções profissionais.
Mas o aspecto que talvez considere o mais interessante no livro, é a forma como retrata o mundo da medicina, em particular da cirurgia. Ao longo da leitura, podemos saltar entre a perspectiva de Gabriel Weston como estudante de Medicina, como estagiária, interna de primeiro ano e também numa fase um pouco mais avançada da sua carreira. Apesar de visto pela mesma pessoa, esse mundo parece-nos diferente a cada capítulo desta narrativa não-linear, o que talvez se prenda com as experiências relatadas; estas foram, algumas vezes, pontos de viragem na forma de pensar da autora. No entanto, em qualquer uma destas diferentes perspectivas, transparece o realismo das situações retratadas.
O livro não tenta convencer ninguém a tornar-se cirurgião. Pelo contrário, acredito que muitos possam perceber, ao lê-lo, que esta não é a sua profissão ideal. As histórias clínicas dos doentes nem sempre terminam da melhor maneira. Aliás, nem sempre terminam sequer, visto que muitas vezes não é o mesmo médico que continua a acompanhar um doente. Na descrição do trabalho dos médicos existe um equilíbrio entre experiências gratificantes e desconcertantes com, creio eu, a balança a pender para esta última categoria. A autora foi capaz de transmitir, com clareza, os seus conflitos emocionais provocados, por exemplo, pelos primeiros contactos com a morte, pela por vezes necessária supressão de sentimentos, pelo dilema entre fazer o melhor para o doente ou o melhor para a carreira e, por último, pela indecisão entre privilegiar a sua vida profissional ou privada.
Além do tema principal incidir na cirurgia, podemos considerar como um tema secundário do livro, a luta de uma mulher para progredir na carreira no seio de uma profissão, já de si competitiva, que é ainda hoje dominada pelos homens.
Pessoalmente, fiquei surpreendida com os mais diversos aspectos da cirurgia, pois tinha desta área da medicina uma imagem completamente diferente. Posso dizer que este livro me deu uma visão mais realista e que é, em muitos aspectos, completamente diferente da que nos entra todos os dias por via da caixinha mágica nas séries televisivas como o Doutor House ou a Anatomia de Grey. Mesmo os factos relatados de forma semelhante ao que eu imaginara foram capazes de me impressionar, nomeadamente a dureza emocional requerida em certas situações e o facto da formação de um médico exigir um longo período de tempo, que vai muito para além dos anos de estudo e do estágio. Para além disso, adquiri alguns conhecimentos (ainda que poucos) de índole científica.
No final, cheguei à conclusão que este livro foi indubitavelmente merecedor do meu tempo. Esta é uma leitura que recomendo a qualquer pessoa que esteja interessada neste tema. Apesar do ocasional recurso a uma gíria hospitalar, o livro é bastante acessível, utilizando um vocabulário e um discurso claro, objectivo e de fácil compreensão. Para quem queira saber mais acerca do mundo da medicina, esta é uma leitura envolvente e esclarecedora. Imagino que mesmo para outros, que não se interessem por medicina, esta possa ser uma leitura agradável, embora não possa apelar à minha experiência para o afirmar.
Ana Nunes, 11ºC