sábado, 25 de setembro de 2021

Ceticismos




«Há vários graus de ceticismo. Um cético pode ser simplesmente alguém que nega a possibilidade de conhecimento genuíno (em algumas ou em todas as áreas de investigação). Um cético deste tipo não precisa de criticar a posse de crenças sobre vários assuntos, se a pessoa que as possui não alegar que essas crenças têm o estatuto de conhecimento. Ele próprio pode muito bem ter crenças, incluindo a crença de que não há conhecimento. Não há aqui qualquer inconsistência desde que ele não alegue saber que não há conhecimento. Arcesilau chegou ao ponto de criticar Sócrates por este ter afirmado saber que nada sabia. 
Um cético mais radical, no entanto, pode questionar não só a possibilidade de conhecimento, mas também a legitimidade da crença. Pode recomendar que nos abstenhamos não só do assentimento resoluto característico da certeza, mas também do assentimento precário característico da opinião. Arcesilau parece ter sido um cético deste tipo: sustentou, diz-nos Cícero, que “ninguém deve declarar ou afirmar algo, ou assentir nisso”.»

Anthony Kenny, Nova História da Filosofia Ocidental – volume 1, Filosofia Antiga, Gradiva, Lisboa, 2010, pág. 192.

Pintura: Caravaggio, A Incredulidade de São Tomé, c.1601–1602.

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Por que razão há filósofos?

«Todas estas questões indescritivelmente esquisitas sobre números, propriedades, indivíduos, espaço, tempo, causalidade, mentes, possibilidade, probabilidade, necessidade, obrigação, razões, leis, Deus… Não só são as questões individualmente esquisitas, como em conjunto não formam mais do que um caos, sendo um desafio a qualquer tentativa de as reduzir a uma sequência racional. E para mais nenhuma das questões parece alguma vez chegar a ser finalmente respondida. É realmente uma cena perturbadora, quando nos afastamos e contemplamos o todo. O mais penoso é o contraste que apresenta relativamente à ciência, tomada como um todo. Na verdade, dificilmente é possível a alguém […] não se perguntar por que razão há-de haver filósofos, de todo em todo (…)

O Professor de História, IJ, nem sempre consegue calar as suas perplexidades sobre a inevitabilidade histórica, e dá consigo a perguntar, como os filósofos, quais são as condições de verdade de uma afirmação como “Hitler teria ganho a guerra se não tivesse atacado a Rússia”. KL, o Professor de Medicina, ainda que nada mais o empurre nessa direção, é levado pela sua nova tecnologia a enfrentar deliberações agonizantes sobre os deveres de um médico para com os seus doentes. E assim por diante. Por outras palavras, as pessoas inteligentes, entregues a si mesmas, acabarão por filosofar, mais tarde ou mais cedo, seja qual for o campo de trabalho intelectual a que se entreguem, ou mesmo que a nenhum se entreguem. O impulso para a filosofia é de facto tão natural e tão forte que nada se conhece, exceto o terror totalitarista, que consiga reprimi-lo em absoluto. Numa sociedade não-totalitarista, pois, a filosofia será feita, e a única questão prática que resta é como haverá melhores hipóteses de ser bem feita, ou por quem.»


David Stove, “Por que razão há filósofos?”, Crítica - https://criticanarede.com/porquehafilosofos.html

Pintura: Gerrit Dou, “Astronomer by candlelight”.

 


domingo, 16 de maio de 2021

Na arte tudo vale, mas nem tudo funciona


A definição histórica da arte (X é uma obra de arte se alguém, com um legítimo direito de propriedade sobre X, tem a intenção não transitória de que X seja encarado do modo como foram tipicamente encaradas obras de arte anteriores) dá-nos “uma explicação poderosa e direta da unidade e continuidade inerentes ao desenvolvimento da arte. Resumidamente, algo ser uma obra de arte num dado momento consiste em esse algo estar intencionalmente relacionado com obras de arte que o precederam – nem mais nem menos. (…) 
A definição histórica da arte lança (…) luz sobre o facto de que na arte tudo vale, mas nem tudo funciona. A razão pela qual tudo vale é que não há limites claros ao género de coisas acerca de que as pessoas podem ter a intenção não transitória de que sejam por nós encaradas como obras de arte. A razão pela qual nem tudo funciona é que encarar algo como obra de arte envolve necessariamente fazer incidir o passado da arte sobre o que no presente é proposto como arte. Não há garantia de que o objeto presente e os modos de encarar pretéritos se irão combinar. A interação de ambos por vezes produzirá satisfação imediata, por vezes só após um intervalo. Por vezes ficamos chocados e perturbados, mas recuperamos e ficamos iluminados. Por vezes somos compelidos a adotar novos modos de encarar, deixando os antigos para trás. Contudo, por vezes ficamos simplesmente perplexos, aborrecidos, incomodados - ou tudo isso ao mesmo tempo – e de tal maneira que nunca o superamos. Nesses casos temos obras de arte, sim, mas essas obras não funcionam.”

Jerrold Levinson, Investigações Estéticas – Ensaios de Filosofia da Arte, Edições Afrontamento, Porto, 2020, pp. 39-40.

Este excerto pode encontrar-se no ensaio “Definir historicamente a arte”. 

O livro contém vários outros ensaios. Por exemplo: “Reagir com emoção à arte”, “Intenção e interpretação na literatura”, “O conceito de humor”, “Arte erótica e imagens pornográficas”…

As imagens apresentam dois exemplos dados por Levinson:

Rembrandt: A ronda da noite, 1642.
Carl Andre: Lever, 1996.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Os direitos garantidos pela justiça são inegociáveis


«A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, tal como a verdade o é para os sistemas de pensamento. Uma teoria, por mais elegante ou parcimoniosa que seja, deve ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira; da mesma forma, as leis e as instituições, não obstante o serem eficazes e bem concebidas, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas. Cada pessoa beneficia de uma inviolabilidade que decorre da justiça, a qual nem sequer em benefício do bem-estar da sociedade como um todo poderá ser eliminada. Por esta razão, a justiça impede que a perda da liberdade para alguns seja justificada pelo facto de outros passarem a partilhar um bem maior. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos sejam compensados pelo aumento das vantagens usufruídas por um maior número. Assim sendo, numa sociedade justa a igualdade de liberdades e direitos entre os cidadãos é considerada como definitiva; os direitos garantidos pela justiça não estão dependentes da negociação política ou do cálculo dos interesses sociais. (…) Sendo as virtudes primeiras da atividade humana, a verdade e a justiça não podem ser objeto de qualquer compromisso.»

John Rawls, Uma teoria da justiça, Ed. Presença, Lisboa, 2013, pp. 27-28. 

quinta-feira, 8 de abril de 2021

O universo não é a universidade

Eis o vídeo do webinar “O universo não é a universidade”. 

Apesar da nossa falta de jeito para o “cinema”, esperamos que fiquem com vontade de conhecer as quase trezentas páginas do Manual, bem como o Dossier do Professor e o Caderno de Atividades do aluno. Oxalá gostem e vos sejam úteis!

segunda-feira, 29 de março de 2021

Poderemos imaginar um regime político melhor do que a democracia?

Henry David Thoreau

«A evolução de uma monarquia absoluta para uma [monarquia] limitada e desta para uma democracia é o progresso do respeito pelos indivíduos. (…) Será a democracia, tal como a conhecemos, o último melhoramento possível do ato de governar? Não será possível dar-se mais um passo no reconhecimento e na organização dos direitos do homem? (…) Dá-me prazer imaginar um Estado que possa finalmente fazer justiça aos homens e tratar os indivíduos com respeito, como os vizinhos entre si.»

Henry Thoreau, A desobediência civil / Defesa de John Brown, Editora Antígona, Lisboa, 2015, pág. 49.

terça-feira, 23 de março de 2021

Subjetivismo estético



O subjetivismo estético é a «Doutrina acerca da justificação dos juízos estéticos, de acordo com a qual juízos como “x é belo” exprimem apenas os nossos sentimentos ou emoções pessoais acerca de x, independentemente de quaisquer características de x. Assim, o juízo estético, sendo subjetivo, nada mais é do que um juízo de gosto, uma vez que se limita a exprimir as nossas preferências.»

Dicionário Escolar de Filosofia, organizado por Aires Almeida, Plátano Editora, Lisboa, 2009, pág. 237.




Fernando Botero: En el parque.

Alberto Giacometti: Grande donna.

(Desconheço o autor do cartoon.)




segunda-feira, 8 de março de 2021

Webinar 'O universo não é a universidade'

Manual Dúvida Metódica autores Sara Raposo Carlos Pires

O objetivo do webinar é mostrar – usando exemplos do manual Dúvida Metódica – que é vantajoso relacionar a Filosofia com áreas não filosóficas, como as ciências, a literatura, as artes, o direito, o jornalismo e até o senso comum. 

Como é sabido, aplicar as ideias filosóficas à realidade e às vivências dos alunos facilita a compreensão e promove o interesse e a atenção. Isso pode ser feito quando se explica e discute os temas e na própria avaliação. 

O título foi inspirado por estas luminosas palavras:
"Alguns filósofos acreditam que a filosofia é uma investigação ‘pura’ que pode ser desenvolvida à margem das ciências. Não partilho esta ideia. A melhor forma de abordar os problemas da filosofia é usar todos os recursos disponíveis. W. V. Quine observou uma vez que ‘O universo não é a universidade’. A divisão da investigação humana em disciplinas distintas pode ser útil para organizar os departamentos académicos, mas tem pouco interesse quando estamos a tentar descobrir como é o mundo. (…)".

James Rachels, Problemas da Filosofia, Gradiva, Lisboa, 2009, pág. 12.

A inscrição pode ser feita AQUI.

Uma vez que não será possível oferecer ovos da Páscoa, ofereceremos alguns recursos didáticos aos participantes. 

domingo, 14 de fevereiro de 2021

Um novo manual para o 10º ano


Mensagem enviada pela Editora aos professores de Filosofia anunciando o nosso projeto: 

«Somos a equipa de autores do novo projeto escolar da TEXTO para o 10.º ano de Filosofia intitulado Dúvida Metódica. Lecionamos no Agrupamento de Escolas Dr.ª Laura Ayres. Aceitámos o desafio de fazer um novo projeto escolar pela motivação de poder partilhar práticas pedagógicas que resultam da nossa experiência de ensino, que é já longa, e pelo desejo de motivar os alunos para a Filosofia e de contribuir para que alcancem uma aprendizagem efetiva.»

Oxalá gostem do projeto e este possa ser útil!