Mostrar mensagens com a etiqueta Persuasão racional. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Persuasão racional. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Para além da argumentação

manipulação retórica

Se a excisão faz as mulheres sofrerem desnecessariamente, então não deve ser realizada.
A excisão faz as mulheres sofrerem desnecessariamente.
Logo, a excisão não deve ser realizada.

Se existem rochas com milhões de anos, então o mundo não começou há cerca de seis mil anos como diz a Bíblia.
Existem rochas com milhões de anos.
Logo, o mundo não começou há cerca de seis mil anos como diz a Bíblia.

A lógica diz-nos que estes argumentos são válidos. Serão sólidos? A reflexão ética dá-nos boas razões para pensar que o primeiro é sólido. A ciência mostra que o segundo é sólido.

Ainda assim, há pessoas que os rejeitam e acham as suas premissas e conclusões falsas.

Será possível persuadir essas pessoas? Além de argumentos sólidos que recursos temos para convencer uma pessoa acerca da verdade de uma tese?

Segundo Aristóteles, um orador tem à sua disposição três meios de persuasão: os argumentos (logos) com que defende a sua tese, o seu próprio carácter (ethos) e o estado emocional (pathos) do auditório que pretende convencer.

«As provas de persuasão fornecidas pelo discurso são de três tipos: umas residem no carácter moral do orador; outras, no modo como se dispõe o ouvinte; outras, no próprio discurso, naquilo que ele demonstra ou parece demonstrar. Persuade-se pelo carácter quando o discurso é proferido de modo a deixar a impressão do orador ser digno de confiança. Acreditamos mais e mais depressa em pessoas honestas (…). Persuade-se pela disposição dos ouvintes, quando estes são levados a sentir emoção por causa do discurso, pois os juízos que emitimos variam conforme sentimos tristeza ou alegria, amor ou ódio. […] Persuadimos, enfim, pelo raciocínio quando mostramos a verdade ou o que parece verdade, a partir do que é persuasivo em cada caso particular.»

Aristóteles, Retórica

Nos posts Ethos, logos, pathos, Ethos, Logos, Pathos & pizza e Como usar a retórica para conseguir o que queremos? encontra diversos exemplos.

A retórica ocupa-se dos aspetos da persuasão que vão além da argumentação. A retórica é muitas vezes definida como a arte de bem falar, ou seja, a arte de convencer através do discurso.

Os especialistas em retórica estudam a melhor forma de persuadir as pessoas. Dão atenção a muitos aspetos, além da qualidade dos argumentos – que por vezes pode até ser considerada secundária.

A ideia central é que é preciso adequar a mensagem aos destinatários – ou seja, ao auditório. Para isso é preciso conhecer as suas características: idade, nível educacional, interesses, gostos, preocupações, opiniões, etc. O pathos aristotélico é um aspeto entre outros.

Para ser eficaz, o discurso do orador deve ser construído em função dessas características. Por exemplo: a escolha de palavras mais ou menos simples deve ser feita em função da idade e nível educacional do auditório, dar mais ou menos atenção a certos temas depende do que se conhece dos interesses, preocupações e opiniões do auditório, etc.

Imagine um médico que tem de dar palestras acerca de uma doença nova e muito contagiosa. Se falar para ouvintes pouco escolarizados deve usar ou evitar termos técnicos da medicina?

Se esse médico falar para pessoas que, presumivelmente, não têm grande capacidade de concentração (como crianças ou idosos), deve fazer um discurso longo ou breve? E como deve organizar as ideias: dizer o mais importante no princípio ou no final?

Imagine que um político português durante uma campanha eleitoral visita uma aldeia onde recentemente um imigrante assassinou uma pessoa. Seria prudente esse político dar grande relevância à questão dos refugiados e defender que Portugal deve receber muitos refugiados?

Imagine que um político durante uma campanha eleitoral visita uma aldeia onde recentemente várias pessoas morreram num grave acidente de viação. Seria adequado esse político falar em tom muito inflamado e entusiasmado? Ou seria preferível falar de maneira mais calma, grave e séria?

A retórica surgiu na Grécia, quando no século V a. C. a democracia surgiu em Atenas. Os políticos democráticos precisavam de falar bem para conseguir convencer os cidadãos nas Assembleias e votações. Muitos desses políticos recorreram aos serviços dos sofistas.

Os sofistas eram professores itinerantes que, entre outras coisas, ensinavam (a troco de dinheiro) retórica. Foram acusados por diversos filósofos, nomeadamente Platão, de fazer um mau uso da retórica – um uso não ético. Mais precisamente, foram acusados de promoverem a manipulação e não a persuasão racional.

Persuadir racionalmente consiste em tentar convencer as pessoas sem as enganar, sem usar mentiras e falácias. Manipular consiste em persuadir irracionalmente, tentando convencer as pessoas a todo o custo e sem olhar a meios, enganando-as se necessário.

Segundo Platão, os sofistas ensinavam as pessoas a vencer as discussões mesmo que não tivessem razão, recorrendo a mentiras e a qualquer outro artifício que fosse persuasivo. Devido a isso, ainda hoje a palavra “sofista” designa alguém engandor, alguém que usa sofismas – ou seja, argumentos propositamente falaciosos.

Para Platão esse comportamento era indigno de um filósofo. Para ele a retórica devia ser apenas uma defesa da verdade.

Leituras:

Aires Almeida e Desidério Murcho, 50 Lições de Filosofia – 11º ano, Didáctica Editora, Lisboa, 2014.

Paula Mateus e outros, Cogito – 11º ano, Asa, 2014.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Lincoln: será correto mentir para defender a verdade?

Um argumento bom ou cogente é um argumento que – além de ser válido e ter premissas verdadeiras – tem premissas mais plausíveis que a conclusão. A importância desta última característica prende-se com a necessidade de persuadir alguém: se as premissas não forem mais aceitáveis que a conclusão as pessoas que discordam desta não encontrarão no argumento razões para mudar de posição.

Vamos supor que não conhecemos razões que sejam simultaneamente verdadeiras e aceitáveis para um auditório X de modo a convencê-lo acerca de uma tese Y. Contudo, somos capazes de apresentar razões falsas mas plausíveis e aceitáveis para X. Vamos supor também que Y é uma ideia verdadeira – por exemplo, que a escravatura é errada e deve ser abolida.

Será correto persuadir X acerca de Y recorrendo a falsidades? Persuadir através de falsidades é uma forma de persuasão irracional ou manipulação. Será correto, portanto, manipular uma pessoa para a convencer de uma verdade  (caso ela seja incapaz de se deixar convencer através das verdadeiras razões)?

O filme Lincoln, de Steven Spielberg, leva o espetador a pensar nessa questão, na medida em que apresenta alguns defensores da abolição da escravatura perante o dilema de assumir publicamente todas as suas ideias e assustar eventuais apoiantes ou apresentar apenas algumas dessas ideias e suavizá-las (deturpando-as um pouco) para tentar conquistar mais apoiantes para a sua causa.

Essa questão é uma especificação de uma questão ética mais geral que atravessa o filme do princípio ao fim: será que os fins justificam os meios? Por exemplo: será correto alcançar um fim moralmente bom (como a proibição da escravatura) através de meios moralmente reprováveis (como a corrupção)?

As personagens não citam Kant nem Stuart Mill, mas decerto o argumentista do filme pensou neles e no debate entre a deontologia e o consequencialismo ao escrever a história.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Meios de persuasão

image

O texto que se segue, da autoria de Aristóteles, é citado a partir do manual de Filosofia “Logos”, (na imagem, pág. 86).

«Entendamos por Retórica a capacidade de descobrir o que é adequado a cada caso com o fim de persuadir. Esta não é seguramente a função de nenhuma outra arte¸ pois cada uma das outras apenas é instrutiva e persuasiva nas áreas da sua competência; por exemplo a Medicina sobre a saúde e a doença, a Geometria sobre as variações que afectam a grandeza e a Aritmética sobre os números; e o mesmo se passa com todas as outras artes e ciências. A Retórica parece ter, por assim dizer, a faculdade de descobrir os meios de persuasão sobre qualquer questão. E por isso se afirma que, como arte, as suas regras não se aplicam a nenhum género específico de coisas. […]

As provas de persuasão fornecidas pelo discurso são de três tipos: umas residem no carácter moral do orador; outras, no modo como se dispõe o ouvinte; outras, no próprio discurso, naquilo que ele demonstra ou parece demonstrar.

Persuade-se pelo carácter quando o discurso é proferido de modo a deixar a impressão do orador ser digno de confiança. Acreditamos mais e mais depressa em pessoas honestas, em todas as coisas em geral, mas sobretudo nas de que não há conhecimento exacto e que deixam margem para dúvida. Porém, é necessário que a confiança seja o resultado do discurso e não de uma opinião prévia sobre o carácter do orador; não se deve considerar sem importância para a persuasão a probidade de quem fala, como alguns autores propõem, e quase se poderia dizer que o carácter é o principal meio de persuasão.

Persuade-se pela disposição dos ouvintes, quando estes são levados a sentir emoção por causa do discurso, pois os juízos que emitimos variam conforme sentimos tristeza ou alegria, amor ou ódio. […]

Persuadimos, enfim, pelo raciocínio quando mostramos a verdade ou o que parece verdade, a partir do que é persuasivo em cada caso particular.»

Aristóteles, Retórica

domingo, 25 de janeiro de 2009

Ligações políticas

Todos os anos verifico que a grande maioria dos meus alunos acha a política uma grande chatice. Acreditam também que é algo que pouco ou nada tem a ver com eles.
Por outro lado, ninguém lhes tira da cabeça que os políticos são todos mentirosos e corruptos. A análise lógica e filosófica de falácias indutivas como a generalização precipitada e a amostra tendenciosa diminui drasticamente o número de alunos dispostos a dizer “Todos os X são ladrões” ou “Todos os Y traficam droga”. Mas os recursos da Lógica revelam-se sempre insuficientes para convencer esses alunos a serem mais cuidadosos com as generalizações acerca dos políticos.
É preciso reconhecer que as figuras tristes que muitos políticos costumam fazer, nomeadamente na televisão, não ajudam esses alunos (nem muitos outros portugueses) a desfazer os seus preconceitos. Nas aulas de Filosofia aprendem que o argumento ad Hominem e a falácia do Homem de Palha são característicos da chamada persuasão irracional ou manipulação, mas quase todos os dias vêem alguns políticos a atacarem-se pessoalmente e a distorcerem as ideias uns dos outros, sem se preocuparem minimamente com a validade dos seus argumentos nem com a verdade das suas afirmações.
Para tentar mostrar que o argumento “alguns políticos são corruptos, mentirosos e manipuladores, logo todos os políticos são corruptos, mentirosos e manipuladores” é falacioso e que a sua conclusão é falsa, o Dúvida Metódica passará a incluir algumas “Ligações políticas”.
Numa sociedade democrática o confronto racional de ideias diferentes é salutar e útil. Por isso, das “Ligações políticas” constarão – além do velho e pouco alinhado Abrupto – 2 blogues de esquerda (Arrastão e Rui Tavares) e 2 blogues de direita (Blasfémias e O cachimbo de Magritte).
Boas leituras. E votos de pouca manipulação.