Será que, tal como
defenderam Lev Tolstói e R. G. Collingwood, a essência da arte reside na
expressão dos sentimentos do artista?
Para testar essa ideia «pensemos
nos quadros do mestre pintor veneziano do século XVIII conhecido como Il Canaletto.
Este pintor foi um mestre da representação de paisagens urbanas da sua cidade,
como a que aqui se reproduz. Que sentimento individual estará supostamente a
ser transmitido de forma intencional neste quadro de Il Canaletto, com uma
imagem do Grande Canal de Veneza?
Dificilmente alguém será
capaz de justificar que o artista visa, de algum modo, exprimir através dele um
dado sentimento individual ou emoção pessoal, seja para contagiar os outros com
o mesmo sentimento, seja para tornar clara a emoção em causa. Algumas pessoas
poderão até associar a paisagem urbana aqui reproduzida a um certo estado de
espírito, mas se há algo claro acerca deste quadro é que se trata simplesmente
de uma representação supostamente fiel do que o pintor tinha diante de si e não
tanto de uma exteriorização do que está dentro de si. Pintar este quadro exigiu
provavelmente muitas horas de trabalho meticuloso e tecnicamente exigente da
parte do mestre veneziano, com vista a reproduzir na tela o que podia ver à sua
frente de modo fiel. Mais do que os sentimentos ou emoções do pintor, o que
parece contar aqui é aquilo que qualquer pessoa pode ver, independentemente do
que o autor tenha sentido. A ser assim [isto é, se a essência da arte residisse
na expressão dos sentimentos do artista], este quadro, reconhecido como uma
importante obra de arte, teria de ser excluído da classe das obras de arte. Mas
se isto nos parece inaceitável, resta concluir que exprimir sentimentos
individuais não é uma condição necessária da arte. Estamos, pois, perante um
contraexemplo tanto à definição de Tolstói como à de Collingwood.»
Aires Almeida, A
definição de arte – O essencial, Plátano Editora, Lisboa, 2019, pp. 41-42.
No 11º ano o capítulo de filosofia
da arte começará brevemente a ser lecionado. Como se pode ver por esta breve
amostra, este pequeno livro de Aires Almeida pode ser uma grande ajuda e contribuir para uma
apresentação estimulante do problema da definição de arte.
A lecionação deste capítulo
esbarra muitas vezes num grande obstáculo: a cultura artística de muitos alunos
é pobre e estes têm, por isso, dificuldade de perceber o problema e, sobretudo,
de se interessar por ele. Uma forma de superar esse obstáculo é, naturalmente,
apresentar exemplos variados e relevantes de obras de arte. Uma das coisas boas
do livro é que apresenta exemplos variados e criteriosamente escolhidos.
Outro aspeto muito positivo
é o equilíbrio conseguido pelo autor entre o rigor filosófico e a clareza da linguagem,
o que torna quase todas as páginas excelentes fontes de textos para fornecer
aos alunos.
Já ouvi muitos colegas
professores de Filosofia queixarem-se de falta de bibliografia relativamente à
teoria institucional e à teoria histórica da arte. Ora, o autor dedica um bom número
de páginas à explicação e discussão dessas duas teorias, debatendo as
principais ideias de ambas e as objeções com que têm sido confrontadas. Como
faz, aliás, relativamente às outras teorias tornadas obrigatórias pelas
Aprendizagens Essenciais.
Tal como o subtítulo sugere,
este livro apresenta de facto as ideias essenciais no que à definição de arte
diz respeito. Julgo por isso que é essencial tê-lo nas bibliotecas escolares e
na mesa de trabalho dos professores e estudantes de Filosofia. E de qualquer
pessoa interessada em arte e em filosofia, pois trata-se de um livro
introdutório e não pressupõe conhecimentos especializados.
Imagem: O Grande Canal Visto
a Partir do Campo San Vio, de Giovanni Antonio Canal, conhecido por Il Canaletto.