sábado, 18 de janeiro de 2020

A definição de arte



Será que, tal como defenderam Lev Tolstói e R. G. Collingwood, a essência da arte reside na expressão dos sentimentos do artista?

Para testar essa ideia «pensemos nos quadros do mestre pintor veneziano do século XVIII conhecido como Il Canaletto. Este pintor foi um mestre da representação de paisagens urbanas da sua cidade, como a que aqui se reproduz. Que sentimento individual estará supostamente a ser transmitido de forma intencional neste quadro de Il Canaletto, com uma imagem do Grande Canal de Veneza?
Dificilmente alguém será capaz de justificar que o artista visa, de algum modo, exprimir através dele um dado sentimento individual ou emoção pessoal, seja para contagiar os outros com o mesmo sentimento, seja para tornar clara a emoção em causa. Algumas pessoas poderão até associar a paisagem urbana aqui reproduzida a um certo estado de espírito, mas se há algo claro acerca deste quadro é que se trata simplesmente de uma representação supostamente fiel do que o pintor tinha diante de si e não tanto de uma exteriorização do que está dentro de si. Pintar este quadro exigiu provavelmente muitas horas de trabalho meticuloso e tecnicamente exigente da parte do mestre veneziano, com vista a reproduzir na tela o que podia ver à sua frente de modo fiel. Mais do que os sentimentos ou emoções do pintor, o que parece contar aqui é aquilo que qualquer pessoa pode ver, independentemente do que o autor tenha sentido. A ser assim [isto é, se a essência da arte residisse na expressão dos sentimentos do artista], este quadro, reconhecido como uma importante obra de arte, teria de ser excluído da classe das obras de arte. Mas se isto nos parece inaceitável, resta concluir que exprimir sentimentos individuais não é uma condição necessária da arte. Estamos, pois, perante um contraexemplo tanto à definição de Tolstói como à de Collingwood.»

Aires Almeida, A definição de arte – O essencial, Plátano Editora, Lisboa, 2019, pp. 41-42.

No 11º ano o capítulo de filosofia da arte começará brevemente a ser lecionado. Como se pode ver por esta breve amostra, este pequeno livro de Aires Almeida pode ser uma grande ajuda e contribuir para uma apresentação estimulante do problema da definição de arte.
A lecionação deste capítulo esbarra muitas vezes num grande obstáculo: a cultura artística de muitos alunos é pobre e estes têm, por isso, dificuldade de perceber o problema e, sobretudo, de se interessar por ele. Uma forma de superar esse obstáculo é, naturalmente, apresentar exemplos variados e relevantes de obras de arte. Uma das coisas boas do livro é que apresenta exemplos variados e criteriosamente escolhidos.
Outro aspeto muito positivo é o equilíbrio conseguido pelo autor entre o rigor filosófico e a clareza da linguagem, o que torna quase todas as páginas excelentes fontes de textos para fornecer aos alunos.
Já ouvi muitos colegas professores de Filosofia queixarem-se de falta de bibliografia relativamente à teoria institucional e à teoria histórica da arte. Ora, o autor dedica um bom número de páginas à explicação e discussão dessas duas teorias, debatendo as principais ideias de ambas e as objeções com que têm sido confrontadas. Como faz, aliás, relativamente às outras teorias tornadas obrigatórias pelas Aprendizagens Essenciais.
Tal como o subtítulo sugere, este livro apresenta de facto as ideias essenciais no que à definição de arte diz respeito. Julgo por isso que é essencial tê-lo nas bibliotecas escolares e na mesa de trabalho dos professores e estudantes de Filosofia. E de qualquer pessoa interessada em arte e em filosofia, pois trata-se de um livro introdutório e não pressupõe conhecimentos especializados.

Imagem: O Grande Canal Visto a Partir do Campo San Vio, de Giovanni Antonio Canal, conhecido por Il Canaletto.

quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Não existe “A Filosofia”



Ao «contrário do que acontece noutras disciplinas, não há “A Filosofia” para ser estudada. Há apenas os problemas filosóficos e as diferentes teorias e argumentos que os filósofos apresentam, não havendo uma “síntese” ou um consenso que se possa estudar como “A Filosofia”. Na filosofia, está-se quase desde o início nas fronteiras do conhecimento. Por isso, é necessário aprender a filosofar e não aprender uma ou outra filosofia – a preferida dos professores ou dos autores dos programas (…). E aprender a filosofar é aprender a discutir os problemas, as teorias e os argumentos apresentados pelos filósofos – e não aprender a repetir as ideias dos filósofos.»

Desidério Murcho, O Lugar da Lógica na Filosofia, Plátano, Lisboa, 2003, pág. 29.