domingo, 16 de maio de 2021

Na arte tudo vale, mas nem tudo funciona


A definição histórica da arte (X é uma obra de arte se alguém, com um legítimo direito de propriedade sobre X, tem a intenção não transitória de que X seja encarado do modo como foram tipicamente encaradas obras de arte anteriores) dá-nos “uma explicação poderosa e direta da unidade e continuidade inerentes ao desenvolvimento da arte. Resumidamente, algo ser uma obra de arte num dado momento consiste em esse algo estar intencionalmente relacionado com obras de arte que o precederam – nem mais nem menos. (…) 
A definição histórica da arte lança (…) luz sobre o facto de que na arte tudo vale, mas nem tudo funciona. A razão pela qual tudo vale é que não há limites claros ao género de coisas acerca de que as pessoas podem ter a intenção não transitória de que sejam por nós encaradas como obras de arte. A razão pela qual nem tudo funciona é que encarar algo como obra de arte envolve necessariamente fazer incidir o passado da arte sobre o que no presente é proposto como arte. Não há garantia de que o objeto presente e os modos de encarar pretéritos se irão combinar. A interação de ambos por vezes produzirá satisfação imediata, por vezes só após um intervalo. Por vezes ficamos chocados e perturbados, mas recuperamos e ficamos iluminados. Por vezes somos compelidos a adotar novos modos de encarar, deixando os antigos para trás. Contudo, por vezes ficamos simplesmente perplexos, aborrecidos, incomodados - ou tudo isso ao mesmo tempo – e de tal maneira que nunca o superamos. Nesses casos temos obras de arte, sim, mas essas obras não funcionam.”

Jerrold Levinson, Investigações Estéticas – Ensaios de Filosofia da Arte, Edições Afrontamento, Porto, 2020, pp. 39-40.

Este excerto pode encontrar-se no ensaio “Definir historicamente a arte”. 

O livro contém vários outros ensaios. Por exemplo: “Reagir com emoção à arte”, “Intenção e interpretação na literatura”, “O conceito de humor”, “Arte erótica e imagens pornográficas”…

As imagens apresentam dois exemplos dados por Levinson:

Rembrandt: A ronda da noite, 1642.
Carl Andre: Lever, 1996.

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Os direitos garantidos pela justiça são inegociáveis


«A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, tal como a verdade o é para os sistemas de pensamento. Uma teoria, por mais elegante ou parcimoniosa que seja, deve ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira; da mesma forma, as leis e as instituições, não obstante o serem eficazes e bem concebidas, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas. Cada pessoa beneficia de uma inviolabilidade que decorre da justiça, a qual nem sequer em benefício do bem-estar da sociedade como um todo poderá ser eliminada. Por esta razão, a justiça impede que a perda da liberdade para alguns seja justificada pelo facto de outros passarem a partilhar um bem maior. Não permite que os sacrifícios impostos a uns poucos sejam compensados pelo aumento das vantagens usufruídas por um maior número. Assim sendo, numa sociedade justa a igualdade de liberdades e direitos entre os cidadãos é considerada como definitiva; os direitos garantidos pela justiça não estão dependentes da negociação política ou do cálculo dos interesses sociais. (…) Sendo as virtudes primeiras da atividade humana, a verdade e a justiça não podem ser objeto de qualquer compromisso.»

John Rawls, Uma teoria da justiça, Ed. Presença, Lisboa, 2013, pp. 27-28.