quarta-feira, 31 de março de 2010

Bertrand Russell: Não sou religioso porque…

 

Perguntaram a Bertrand Russell porque é que não é era cristão e ele explicou porque é que não era religioso. 

Russell nasceu em 1872 e morreu em 1970. Um dos dos seus livros mais célebres é “Porque não sou cristão”. Entre muitas outras obras relevantes, escreveu também “The Principles of Mathematics” e “Os problemas da Filosofia”. Recebeu o prémio Nobel da Literatura em 1950 e várias outras distinções e reconhecimentos pelo seu trabalho filosófico (nomeadamente na Lógica). 

Um dos reconhecimentos que recebeu foi este: A City University de Nova Iorque recusou dar-lhe emprego, argumentando que as suas obras eram "devassas, libidinosas, luxuriosas, venéreas, erotomaníacas, afrodisíacas, irreverentes, mesquinhas, falsas e destituídas de fibra moral".

(Mais pormenores aqui.)

domingo, 28 de março de 2010

O valor do esforço e da disciplina

Excerto da entrevista de Américo Baptista, psicólogo clínico e professor da Universidade Lusófona, ao jornal Público  (22.03.2010).

Que consequências terá este clima [de indisciplina e violência] na formação dos alunos?

Não há transmissão de conhecimentos sem uma aula relativamente ordeira. Há uma perspectiva de educação pela positiva exagerada. A greve aos trabalhos de casa, em 2004, é um exemplo de como se está a ensinar as crianças a desobedecerem e a ficarem sem hábitos de trabalho. E as regras, por vezes, têm de ser impostas de forma repressiva. Sempre que um aluno tem um comportamento desadequado, este deve vir acompanhado de uma consequência desagradável. Não pode persistir a ideia de que as coisas acontecem sem esforço. Estamos a formar uma geração que queremos que se sinta sempre bem... Mas sentir-se bem não é o mesmo que fazer bem. Fazer bem implica esforço e estes alunos quando um dia tiverem uma dificuldade não vão saber lidar com a frustração.

De que forma pode a escola reverter a situação? A solução passa por reforçar o poder dos directores das escolas?

É fundamental discutir e estabelecer estratégias em grupo. Se a cultura de uma escola for a "tolerância zero" a este tipo de situações, os conflitos vão diminuindo. O apoio de toda a comunidade educativa e um clima de protecção são essenciais para que os professores exerçam o seu trabalho. Deve haver suporte entre pares e o limite do aceitável deve ser bem definido. Os medos não desaparecem sem o apoio da escola e sem ser dada aos professores uma sensação verdadeira de segurança e controlo. De dizer que se vai dar autoridade aos directores a concretizá-lo vai um grande passo. Quanto aos alunos, é importante trabalhar a inteligência emocional, isto é, fazer com que compreendam as emoções e que consigam sentir o que é estar na pele do outro.”

Clique aqui para ler mais, pois vale a pena. É pena que a maioria dos psicólogos que falam publicamente sobre educação não se exprima com a lucidez de Américo Baptista, preferindo a conversa fiada do “eduquês”.

Haverá aqui uma contradição?

“Dimitri: Então, Tasso, pareces ser uma daquelas pessoas que pensam que não existe uma verdade absoluta, que toda a verdade é relativa.

Tasso: Certo.

Dimitri: Tens a certeza disso?

Tasso: Absoluta.”

Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco entram num Bar..., Dom Quixote, Lisboa, 2008, pág. 220.

Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco entram num Bar...     Clique aqui para saber mais sobre este livro.

 

Isso, afinal, não é relativo

Diz-se “isso é relativo” para sugerir que em relação ao assunto X ou Y não há uma verdade objectiva e igual para todas as pessoas. Talvez seja assim em relação a algumas coisas (gostos alimentares, por exemplo). Porém, no que respeita a muitas outras coisas a crença na relatividade da verdade deriva da falta de dados e de reflexão sobre a situação em apreço. Quando se considera a situação de modo mais completo torna-se evidente que a verdade acerca dela é objectiva e partilhável por todas as pessoas. Eis um exemplo irónico:

“Um homem está preocupado porque pensa que a mulher está a ficar surda e, por isso, vai ao médico. O médico sugere-lhe que experimente um simples teste em casa: parar atrás dela e fazer-lhe uma pergunta, primeiro a seis metros, depois a três metros e, por fim, mesmo atrás dela.
O homem vai para casa e vê a mulher na cozinha, virada para o fogão. Da porta, pergunta:
- Que vamos jantar esta noite?
Nenhuma resposta.
Três metros atrás dela, repete:
- Que vamos jantar esta noite?
Continua sem resposta.
Por fim, mesmo atrás dela, pergunta:
- Que vamos jantar esta noite?
A mulher volta-se e diz:
- Pela terceira vez… frango!"

Thomas Cathcart e Daniel Klein, Platão e um Ornitorrinco entram num Bar..., Dom Quixote, Lisboa, 2008, pp. 73-74.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Aprender implica tornar nosso o saber dos outros

Recentemente dediquei-me à correcção de mais de uma centena de testes. A leitura de algumas respostas imaginativas (para não dizer reveladoras de falta de conhecimentos e de um total distanciamento em relação às matérias) sobre a ética de Kant e a filosofia cartesiana fez-me relembrar algumas afirmações contidas nos três ensaios que Montaigne escreveu sobre a actividade de ensinar e de aprender (traduzido em português por Agostinho da Silva e intitulados: “Do professorado. Da educação das crianças e da arte de discutir”):

Sabemos dizer: Cícero diz assim; eis o que fazia Platão; são as próprias palavras de Aristóteles. Mas nós, que fazemos nós? Um papagaio diria o mesmo. Isto faz-me lembrar aquele rico romano que tivera o cuidado de, à força de dinheiro, recrutar homens capazes em toda a espécie de ciências e os tinha sempre à sua volta para, quando se oferecesse ocasião de falar de qualquer coisa com os seus amigos, o substituírem e estarem sempre prontos a fornecer-lhes um, pensamentos, outro versos de Homero, cada qual segundo a sua especialidade; e julgava que o saber era seu porque estava na cabeça dos seus homens; assim fazem aqueles cujas capacidades moram nas suas esplêndidas livrarias (…).

Guardamos as opiniões e o saber dos outros e pronto. É preciso torná-los nossos.”(1)

A aquisição do conhecimento na disciplina de Filosofia resulta de um processo laborioso onde é necessária não só a compreensão dos problemas e dos argumentos, como também um esforço de apropriação pessoal. Sem esse esforço de percebermos por nós próprios os assuntos em causa e de discutirmos a verdade ou falsidade das ideias filosóficas,  não podemos ter uma compreensão adequada.

Estudar Filosofia passando os olhos pelas palavras, sem reflectir sobre o significado do que está a ser dito tem como consequência a incompreensão e a escrita das tais frases incongruentes que li em alguns dos testes dos meus alunos.

Pergunto-me: de que serviu a estes alunos (felizmente não todos!), que estudaram no dia anterior e sem querer compreender, terem ouvido falar sobre as ideias de Kant e Descartes?

Nada, foi uma total perda de tempo! Pois, não é assim que se aprende.

(1) Montaigne, Três ensaios, tradução de Agostinho da Silva, 2ª edição, Lisboa 1993, edições Vega, págs. 14-15.

terça-feira, 23 de março de 2010

Cuidado com as generalizações!

"Convém não confundir o Manuel Germano com o género humano."

Mário de Carvalho

(Mário de Carvalho é um escritor português nascido em 1944. É autor de diversos romances e contos. Desconheço em que obra terá feito esta afirmação, que lhe é publicamente atribuída.)

A utilidade da matemática… e de um pouco de raciocínio

estatatística mal compreendida

Imagem encontrada aqui, no blogue Biogeonorte, sem referência ao autor.

segunda-feira, 22 de março de 2010

A chegada de uma nova vida

Ruy Belo escreveu, cito de memória, “Espero pelo Verão como quem espera por uma outra vida”.

Eu teria dito a Primavera.

domingo, 21 de março de 2010

Primavera

“Take Five” de Dave Brubeck. O próprio ao piano, Paul Desmond no saxofone, Eugene Wright no contrabaixo e Joe Morello na bateria. Ao vivo, em 1966, na Alemanha. Outra versão de “Take Five”, talvez melhor, aqui.

“Take Five”, além de ser uma bela descrição da Primavera, é o acompanhamento musical perfeito para corrigir testes ou mesmo estudar.

sábado, 20 de março de 2010

A ignorância das moscas

«Uma mosca efémera nasce às nove horas da manhã nos grandes dias de Verão, para morrer às cinco horas da tarde; como é que ela podia compreender a palavra ‘noite’?»

Stendhal, O Vermelho e o Negro.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Um poema de Matsuo Bashô

Admirável aquele
cuja vida é um contínuo
relâmpago

Matsuo Bashô, O gosto solitário do orvalho, antologia poética, versões de Jorge de Sousa Braga, Lisboa, 1986, Assírio e Alvim, pág. 51.

o gosto solitario do orvalho

Esta é a edição actual onde pode encontrar este e outros poemas. Para saber mais sobre este livro.

Matsuo Bashô

Matsuo Bashô  

Para saber mais sobre o autor do poema ver aqui.

 

quarta-feira, 17 de março de 2010

Mudam-se os tempos mudam-se os alunos e os problemas

“Há uns tempos li nos jornais que um grupo de professores encontrou por acaso um inquérito que foi enviado nos anos trinta a um certo número de escolas de todo o país. Incluía um questionário sobre quais os problemas mais graves que aconteciam nas escolas. E encontraram também os formulários de respostas, que tinham sido preenchidos e devolvidos dos quatro cantos do país. E os problemas mais graves que os professores apontavam eram coisas como conversar nas aulas e correr pelos corredores. Mascar pastilha elástica. Copiar os trabalhos de casa. Coisas desse género. Então eles policopiaram uma data de exemplares e enviaram-nos para as mesmas escolas. Passados quarenta anos. Bom, algum tempo depois receberam as respostas. Violações, fogo posto, homicídio. Drogas. Suicídios. E eu ponho-me a pensar nisto. Porque muitas das vezes que eu digo que o mundo está a ir direitinho para o Inferno ou alguma coisa do género, as pessoas limitam-se a fazer-me um sorriso e dizem-me que eu estou a ficar velho. Que este é um dos sintomas. Mas cá no meu entender, se alguém não vê a diferença entre violar e assassinar pessoas e mascar pastilha elástica é porque tem um problema muito mais grave do que o meu. Quarenta anos também não é assim tanto tempo. Talvez os próximos quarenta anos façam acordar algumas pessoas da anestesia em que caíram. Se não for demasiado tarde.”

Cormac McCarthy, Este País não É para Velhos.

O livro de  Cormac McCarthy repousa na estante à espera de oportunidade para ser lido. Esta passagem foi encontrada no blogue De Rerum Natura. Qualquer semelhança com a realidade portuguesa não é mera coincidência.   

terça-feira, 16 de março de 2010

Ver para além do imediato

Contrariando o ambiente em que se valoriza o imediatismo mediático e o vazio das ideias, o historiador José Mattoso escreveu na revista Ípsilon a propósito da "História de Portugal" coordenada por Rui Ramos e editada pela Esfera dos Livros, uma elogiosa recensão crítica em que afirma o seguinte:

“A obra foi apresentada em Dezembro com grande relevo publicitário, mereceu um rasgado e incondicional elogio do Prof. António Barreto, conseguiu vendas suficientes para suscitar quatro edições e chamou a atenção do público como uma notável novidade editorial. Já não se fala dele; mas isso não quer dizer nada: a importância de um acontecimento não se mede pelo sucesso imediato, mas pela duração das suas repercussões. Creio que esta obra continuará durante muito tempo a ser tomada como obra de referência, não só pela quantidade e pela pertinência das suas informações, mas também pelo papel que atribui à História no plano do pensamento e da cultura.” 

E se os actuais responsáveis políticos aplicassem esta ideia às políticas implementadas no domínio da educação em Portugal?

sábado, 13 de março de 2010

De quem é a culpa?

Uma criança de 12 anos vítima de violência (bullying) por parte de colegas debullying escola suicidou-se. Um professor vítima de insultos, agressões e outras atitudes desrespeitosas por parte de alguns alunos suicidou-se. Com um intervalo de poucos dias ambos se atiraram ao rio e morreram afogados.

Segundo a maioria dos políticos, jornalistas, psicólogos, sociólogos e diversos outros especialistas que se têm pronunciado publicamente sobre o assunto, a responsabilidade de tais acontecimentos deve ser dividida entre as famílias, as instituições, nomeadamente as escolas, e as próprias vítimas, por serem - diz-se - psicologicamente frágeis. Da responsabilidade dos agressores, presumivelmente por serem menores, não se tem falado. (Escrevi acerca desse facto aqui.)

O desfilar dessas opiniões fez-me recordar uma página, lida há anos, do filósofo espanhol Fernado Savater.

«Nas minhas aulas de ética costumo apresentar o seguinte exemplo prático (…). Suponhamos uma mulher cujo marido empreende uma larga viagem. A mulher aproveita essa ausência para se juntar com um amante. Inesperadamente, o marido desconfiado anuncia o seu regressa e exige que a esposa o espere no aeroporto. Para chegar ao aeroporto a mulher tem de atravessar um bosque onde se esconde um terrível assassino. Assustada, pede ao seu amante que a acompanhe, mas este nega-se porque não deseja confrontar-se com o marido. Pede então protecção ao único guarda que há na aldeia, que também lhe diz que não pode ir com ela, pois tem de atender com zelo idêntico ao resto dos seus concidadãos. Recorre a vários vizinhos e vizinhas obtendo apenas recusas, umas por medo e outras por comodismo. Por fim, empreende a viagem sozinha e é assassinada pelo criminoso do bosque. Pergunta: quem é o responsável pela sua morte? Costumo obter respostas para todos os gostos (…). Existem os que culpam a intransigência do marido, a covardia do amante, o pouco profissionalismo do guarda, o mau funcionamento das instituições que nos prometem segurança, a falta de solidariedade dos vizinhos ou até a má consciência da assassinada… Poucos costumam responder o óbvio: que o Culpado (...), o responsável principal do crime, é o próprio assassino que mata.»

Fernando Savater, As perguntas da vida, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1999, pp. 155-156.

Que teria o leitor respondido a Savater se estivesse na sua aula? E quanto aos acontecimentos referidos: de quem é a responsabilidade? O facto dos alunos que insultaram e agrediram o rapaz e o professor serem menores de idade diminui ou anula a sua responsabilidade? Que devem as autoridades fazer em relação a eles: castigá-los ou apenas providenciar para que tenham apoio psicológico?

A defesa dos direitos humanos e do relativismo cultural serão compatíveis?

Desidério Murcho escreveu na Crítica (revista de Filosofia online) um interessante e informativo artigo sobre ética e direitos humanos de que a seguir transcrevo algumas passagens. Este artigo pode ser lido na íntegra aqui.

Aconselho a sua leitura, sobretudo aos alunos do 10º ano.

«(…) A ética não é um mero conjunto mais ou menos arbitrário de códigos de conduta; entre outras coisas, é o estudo cuidadoso das razões a favor ou contra a nossa conduta. Isto significa que em ética se dá muita importância à argumentação: queremos saber que razões há para agir ou não agir de determinada maneira, por exemplo.

O relativismo cultural, em ética, distingue-se da mera diversidade cultural. A diversidade cultural é apenas a existência de diversas culturas, eventualmente com diferentes códigos de comportamento. O relativismo cultural é uma tese ética: um tipo particular de relativismo moral. O relativismo moral é qualquer posição que defenda que as acções são correctas ou incorrectas, e os estados de coisas são bons ou maus, relativa e não absolutamente. Relativamente a quê? Depende do tipo de relativismo moral. Quando se defende que são relativos ao tempo histórico, trata-se de relativismo histórico; quando se defende que são relativos a cada pessoa em particular, trata-se de subjectivismo; quando se defende que são relativos a culturas ou mentalidades, trata-se de relativismo cultural. Estes são três tipos de relativismo moral, e podem ser combinados entre si.

(…) Quem se opõe ao relativismo moral considera que as acções nem sempre são correctas ou incorrectas em função do que as pessoas consideram, e portanto que a maior parte das pessoas de uma dada cultura pode considerar que, por exemplo, excluir as mulheres e negros seja moralmente correcto, apesar de na realidade isso não ser moralmente correcto (…).

Assim, o relativismo cultural é a ideia de que todas acções são correctas ou incorrectas consoante são consideradas correctas ou incorrectas numa dada cultura. A negação disto é a ideia de que nem todas as acções são correctas ou incorrectas em função do que as pessoas pensam. O relativista nunca vê diferença entre considerar-se numa dada cultura que algo é moralmente correcto e algo ser moralmente correcto, ao passo que o seu opositor defende que pelo menos em alguns casos existe tal diferença.

O relativista moral tem de defender que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pelas Nações Unidas no dia 10 de Dezembro de 1948, não exprime princípios éticos universais em qualquer sentido robusto do termo. Apesar de esta declaração ter sido aprovada por unanimidade nas Nações Unidas (com a abstenção de alguns países, como a União Soviética, a Polónia e a África do Sul), o relativista cultural terá de defender que a violação de qualquer dos direitos consagrados na Declaração é eticamente permissível desde que seja permissível numa dada cultura. Assim, se numa dada cultura se considera que é correcto discriminar as pessoas com base na origem étnica ou no sexo, violando o artigo segundo da Declaração, o relativista tem de aceitar que nessa cultura é correcto fazer tal coisa e que a Declaração se limita a exprimir uma convicção diferente.

Muitas pessoas que aceitam o relativismo cultural rejeitam a ideia de que é eticamente permissível violar qualquer um dos direitos humanos consagrados na Declaração. Mas estas duas ideias são incompatíveis. O relativismo cultural é incompatível com a ideia de direitos humanos universais.

(…) o debate ético não é factual, nem diz respeito à verificação de factos. Diz respeito, antes, à argumentação, à apresentação de razões, cuidadosamente pensadas e pesadas. E por isso é largamente irrelevante que existam desacordos morais entre culturas — porque as pessoas enganam-se ao raciocinar. Pior: muitos desses enganos são mal-intencionados, pois são interesseiros. Como comecei por dizer, não acredito que algum alemão pudesse honestamente pensar que os judeus eram sub-humanos — mas era proveitoso pensar tal coisa e por isso tudo o que parecesse justificar tal ideia era aceite sem mais discussão.

Assim, perante a diversidade de comportamentos tidos como morais em diferentes sociedades, devemos perguntar que razões há a favor ou contra tais comportamentos. E a procura dessas razões não pode ser meramente a reafirmação dos preconceitos culturais da nossa própria cultura. É preciso procurar essas razões com probidade epistémica, procurando genuinamente saber que razões há para aceitar ou rejeitar que um dado comportamento é imoral. A cada passo temos de ver se não estamos a fazer confusões ou apenas a defender o que nos interessa defender, por qualquer motivo injustificável abertamente. E temos de fazer distinções conceptuais cuidadosas, como as seguintes:

1. Os comportamentos não se dividem todos entre moralmente obrigatórios e moralmente impermissíveis; também há actos permissíveis mas que não são obrigatórios. Por exemplo, é moralmente permissível comer maçãs com a mão esquerda, mas não é obrigatório fazer tal coisa. Quando não se tem formação filosófica há tendência para confundir estas categorias e condenar como moralmente impermissível comportamentos diferentes dos nossos só por serem diferentes. Os comportamentos sexuais dos nativos brasileiros, ou a sua nudez, eram muito diferentes dos europeus, e isso levou os europeus a condenar moralmente tais comportamentos; mas seria preciso mostrar primeiro que tais comportamentos têm alguma coisa a ver com a moralidade e não apenas com costumes moralmente neutros. Com certeza que andar nu e andar a matar pessoas na rua são coisas muito diferentes. A primeira pode ser culturalmente chocante, mas daí não se segue que seja imoral. A reflexão filosófica cuidadosa é um bom antídoto para o preconceito provinciano.

2. Os comportamentos prescritos ou condenados por uma dada religião não são sempre moralmente obrigatórios ou impermissíveis. Quando se justifica um dado comportamento ou proibição apelando a um dado texto sagrado, estamos já a excluir todas as pessoas que não pertencem a essa religião nem a consideram uma religião verdadeira. Se quisermos viver moralmente com pessoas que não partilham a nossa religião temos de encontrar uma base comum de entendimento moral, e essa base comum não pode obviamente ser a religião, porque pessoas diferentes professam religiões diferentes e algumas nenhuma. Tem de ser o simples facto de sermos agentes morais a fornecer uma base comum de entendimento moral.

3. A natureza raramente é um bom guia moral. Isto significa que o facto de um dado comportamento ser mais ou menos natural é geralmente irrelevante moralmente. Condenar moralmente comportamentos por não serem naturais é geralmente falacioso, além de ocultar geralmente uma mentira. Vejamos dois exemplos. A homossexualidade é um comportamento comum entre muitos animais; quem condena a homossexualidade por não ser natural ou mente ou é ignorante. Matar os filhos dos outros é um comportamento comum entre leões; mas dificilmente alguém quereria defender a moralidade de tal prática aplicada a nós com base na sua naturalidade. O objecto da moral não é o que é ou deixa de ser natural, mas o que é ou não justificável — e como os leões e outros animais inumanos são incapazes de justificação, não são os melhores guias morais.»                      

Desidério Murcho.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Valores do século XXI

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                                                                                                                       Quino

Uma caricatura do presente ou uma descrição fiel da realidade?

 Nota: Agradeço à minha colega Cláudia Benedito o envio destes cartoons do genial Quino.

Objectivismo Moral

Muitos filósofos defendem que a ética é objectiva e que o valor de verdade dos juízos morais é independente quer das preferências e sentimentos pessoais quer dos costumes sociais. Defendem também que a ética é independente da religião e que a verdade ou falsidade dos juízos morais não deriva da vontade de Deus. Discordam portanto do Subjectivismo Moral, do Relativismo Moral Cultural e da Teoria dos Mandamentos Divinos.

Mas, se os juízos morais são independentes dos sentimentos, dos costumes sociais e da vontade divina, baseiam-se em quê? Segundo os objectivistas morais, baseiam-se na razão, ou seja, na capacidade humana de “raciocinar, compreender, ponderar, ajuizar, etc.” (1) - numa palavra, na capacidade de pensar. Ao pensar sobre questões morais como o aborto, a mentira ou a pena de morte, não nos limitamos a emitir juízos, tentamos também justificar esses juízos através das melhores razões que conseguirmos descobrir.

Nas palavras do filósofo James Rachels:

«Um juízo moral - ou qualquer outro tipo de juízo de valor - tem de ser apoiado em boas razões. Se alguém disser que uma determinada acção seria errada, pode-se perguntar porque razão seria errada e, se não houver uma resposta satisfatória, pode-se rejeitar esse conselho por ser infundado. Neste aspecto, os juízos morais são diferentes de meras expressões de preferência pessoal. Se alguém diz “Eu gosto de café”, não necessita de ter uma razão para isso; poderá estar a declarar o seu gosto pessoal e nada mais. Mas os juízos morais requerem o apoio de razões, sendo, na ausência dessas razões, meramente arbitrários. (…)

As verdades morais são verdades da razão; isto é, um juízo moral é verdadeiro se for sustentado por razões melhores que os juízos alternativos.

Assim, se quisermos entender a natureza da ética, devemos atentar nas razões. Uma verdade em ética é uma conclusão apoiada em razões: a resposta correcta a uma questão moral é simplesmente a resposta que tem do seu lado o peso da razão. Tais verdades são objectivas no sentido em que são verdadeiras independentemente do que possamos querer ou pensar. Não podemos tornar algo bom ou mau pelo simples desejo de que seja assim (…). Isto explica igualmente a nossa falibilidade: podemos enganar-nos sobre o que é bom ou mau porque podemos estar enganados sobre o que a razão recomenda. A razão diz o que diz, alheia às nossas opiniões e desejos.» (2)

(No post Subjectivismo moral (3): Haverá provas em ética? pode encontrar – num texto de James Rachels - um exemplo ilustrativo da ideia de que um juízo moral verdadeiro é um juízo sustentado por melhores razões que os juízos alternativos, bem como a refutação da ideia de que não há provas em ética.)

De acordo com os objectivistas morais, existem critérios transubjectivos e transculturais de valoração. Esses critérios ultrapassam a perspectiva de cada pessoa e de cada sociedade, proporcionando uma forma de avaliar com imparcialidade as acções e as práticas sociais. Podem ser compreendidos e aplicados por todos os indivíduos racionais, independentemente das suas motivações e interesses particulares, bem como da cultura em que foram educados. (3) São culturalmente neutros e independentes dos sentimentos pessoais dos indivíduos.

Um desses critérios é o de a acção individual ou a prática social em questão ser benéfica ou prejudicial para as pessoas que são afectadas por ela. As boas acções e as boas práticas sociais beneficiam as pessoas; as más acções e as más práticas sociais prejudicam as pessoas. (4)

Se avaliarmos práticas como a violação e a excisão à luz desse critério concluiremos que elas são más, pois prejudicam as pessoas. Esse juízo é verdadeiro pois pode ser justificado com boas razões e essa verdade é objectiva: pode ser compreendida, e eventualmente aceite, pelas pessoas envolvidas, independentemente dos seus sentimentos, interesses pessoais e costumes sociais.

Mas é claro que nem todas as pessoas reconhecerão a verdade desse juízo moral. Por exemplo: um violador e um executante da excisão poderão considerá-lo falso. Na sua opinião, essa possibilidade é suficiente para mostrar que esse juízo (e qualquer outro juízo moral) afinal não é objectivo?

 

(1) Dicionário Escolar de Filosofia.

(2) James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, tradução de F. J. Azevedo Gonçalves, Lisboa, 2004, Gradiva, pp. 65-67.

(3) Aires Almeida e outros, A Arte de Pensar – 10º ano, vol. 1, Didáctica Editora, Lisboa, 2007, pp. 131-132.

(4) James Rachels, Problemas da Filosofia, tradução de Pedro Galvão, Gradiva, Lisboa, 2009, pág.243.

sábado, 6 de março de 2010

Desresponsabilização

 
Nas notícias e comentários que tenho lido acerca do suicídio do rapaz de 12 anos que se atirou ao rio Tua devido ao facto de ser vítima de agressões por parte de colegas da escola, as opiniões dividem-se: algumas pessoas querem responsabilizar os pais e outras querem responsabilizar a escola. Quase ninguém fala em responsabilizar os agressores.
 
É provável que um caso como este só tenha atingido estas proporções porque os pais e a escola se demitiram de alguns dos seus deveres. É também provável que, por detrás da demissão daquela escola de Mirandela, esteja a demissão do Ministério da Educação, que há muitos anos  tem (por oportunismo político, mas também devido à influência do ‘eduquês’) uma atitude autista em relação à violência nas escolas. Mas terá algum sentido omitir a culpa dos rapazes e raparigas que decidiram, livremente e sem que ninguém os obrigasse, agredir um colega mais novo e mais fraco? Um rapaz ou uma rapariga com mais de dez anos (a idade com que se começa a frequentar as escolas do 2º e 3º Ciclos) não consegue perceber que é errado, ainda por cima quando isso é feito em grupo e de modo repetido, insultar e bater num colega?
 
Omitir essa culpa é injusto (como se sentirão os familiares e amigos do rapaz que se suicidou ao tomarem conhecimento da campanha de desresponsabilização dos agressores que está em marcha?), mas também ineficaz, pois não dissuade (pelo contrário, reforça) outros rapazes e raparigas de agredir colegas mais fracos.

quinta-feira, 4 de março de 2010

O mal deve-se a Deus ou ao homem?





Deus existe? Em resposta a esta questão filosófica já foram apresentados inúmeros argumentos. Um deles relaciona-se com inegável existência do mal no mundo. Não só os seres humanos praticam, de forma voluntária, actos imorais que provocam sofrimento (mal moral) como há catástrofes naturais e doenças (mal natural), por exemplo.
Como é, então, possível compatibilizar a existência do mal com a perfeição do criador? Isto é: como pode Deus, entendido nas religiões teístas como um ser sumamente bom, que sabe tudo (omnisciente) e pode tudo (omnipotente), permitir que o mal exista? Ou será que Deus não existe?
Os teístas tentam refutar este argumento dizendo que Deus dotou os seres humanos de livre-arbítrio: podemos escolher praticar acções boas ou más e, portanto, somos moralmente responsáveis pelas consequências dos nossos actos. Mas será que o livre-arbítrio existe mesmo? E, supondo que existe, como se explica, então, o mal natural?
No vídeo, o aluno baseia-se numa analogia com o que acontece nalguns fenómenos naturais para explicar a existência do mal. Será um bom argumento? Ou constituirá antes uma falácia informal, designada por falsa analogia?
Nota: Agradeço aos meus alunos André Wallace, Cristina Soares e João Manhita o facto de me terem dado a conhecer este vídeo.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Carpe diem!

Esta tarde, enquanto observava o meu filho a brincar no escorrega, assisti a uma zaragata motivada por divergências acerca do futebol. Empurrões e murros utilizados como “argumentos” a favor e contra a qualidade do plantel de um certo clube. A atenção fanática que é dedicada ao futebol pode suscitar considerações muito diversas, mas naquele momento a mim ocorreu-me que, não havendo certamente uma vida depois desta, perder tempo desse modo é um desperdício insensato. E veio-me à memória o célebre poema   em que Horácio nos aconselha  a  “carpe diem” - expressão que David Mourão-Ferreira  traduziu por “colher o dia”.

"Não procures, Leuconoe, - ímpio será sabê-lo -
que fim a nós os dois os deuses destinaram;
não consultes sequer os números babilónicos:
Melhor é aceitar! E venha o que vier!
Quer Júpiter te dê ainda muitos Invernos,
quer seja o derradeiro este que ora desfaz
nos rochedos hostis ondas do mar Tirreno,
vive com sensatez destilando o teu vinho
e, como a vida é breve, encurta a longa esp'rança.
De inveja o tempo voa enquanto nós falamos:
trata pois de colher o dia, o dia de hoje,
que nunca o de amanhã merece confiança."

Horácio, Odes, I.

Devemos mentir para salvar a vida de um amigo? – Não, diz Kant (1)

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Immanuel Kant (1724-1804).

Um filósofo francês, Benjamin Constant, criticando a teoria ética de Kant, referiu:

«O princípio moral “é um dever dizer a verdade”, se se tomasse incondicionalmente e de um modo isolado, tornaria impossível qualquer sociedade. Temos disso a prova nas consequências muito imediatas que desse princípio tirou um filósofo alemão, o qual chega ao ponto de afirmar que a mentira dita a um assassino que nos perguntasse se um amigo nosso e por ele perseguido não se refugiou em nossa casa seria um crime

Kant respondeu-lhe do seguinte modo:

«(…) Se, por exemplo, mediante uma mentira, a alguém ainda agora mesmo tomado de fúria assassina, o impediste de agir és responsável, do ponto de vista jurídico, de todas as consequências que daí possam surgir. Mas se ativeres fortemente à verdade, a justiça pública nada pode contra ti, por mais imprevistas que sejam as consequências. É, pois, possível que após teres honestamente respondido com sim à pergunta do assassino, sobre a presença em tua casa da pessoa por ele perseguida, esta se tenha ido embora sem ser notada, furtando-se assim ao golpe do assassino e que, portanto, o crime não tenha ocorrido; mas se tivesses mentido e dito que ela não estava em casa e tivesse realmente saído (embora sem o teu conhecimento) e, em seguida, o assassino a encontrasse a fugir e levasse a cabo a sua acção, com razão poderias ser acusado como autor da sua morte, pois se tivesses dito a verdade, tal como bem a conhecias, talvez o assassino ao procurar em casa o seu inimigo fosse preso pelos vizinhos que ocorreram e ter-se-ia impedido o crime. Quem, pois mente, por mais bondosa que possa ser a sua disposição deve responder pelas consequências, mesmo perante um tribunal civil, e por ela se penitenciar, por mais imprevistas que possam também ser essas consequências; porque a veracidade é um dever que tem de considerar-se como base de todos os deveres (…).

Ser verídico (honesto) em todas as declarações é, portanto, um mandamento da razão que ordena incondicionalmente e não admite limitação por quaisquer conveniências.

(…) o dever de veracidade (do qual apenas aqui se fala) não faz qualquer distinção entre pessoas – umas em relação às quais poderíamos ter este dever, outras a propósito das quais dele nos poderíamos dispensar – mas porque é um dever incondicionado, que vale em todas as condições

Kant, “Sobre um suposto direito de mentir por amor à humanidade” em Paz perpétua e outros opúsculos, tradução de Artur Morão, Lisboa, 1992, Edições 70. pp 173-177.

Devemos mentir para salvar a vida de um amigo? – Não, diz Kant (2)

Kant defende que a proposição “deve-se dizer a verdade” deve ser posta em prática em qualquer circunstância. De acordo com a primeira formulação do imperativo categórico – que é um critério distintivo do que é moralmente certo e do que é moralmente errado -, dizer a verdade é uma acção universalizável; e, de acordo com a segunda formulação desse imperativo, trata-se de uma acção que não instrumentaliza as pessoas e em que estas são consideradas fins em si mesmas e não apenas meios.

Deste modo, a norma: “deves dizer a verdade” é um princípio moral objectivo, independente da situação, dos desejos particulares do agente e das consequências possíveis da sua aplicação.

Esta ideia do valor moral da acção depender da obediência a uma regra vinculativa para todas as pessoas, aplicada de modo imparcial, pode também ser encontrada no senso comum, por exemplo na expressão: “agir sem segundas intenções”. Significa isto que ser honesto apenas por interesse, para receber algo em troca, pode ser sinónimo, na linguagem comum, de instrumentalizar as outras pessoas, de realizar uma acção incorrecta ou pelo menos de valor duvidoso.

Na perspectiva kantiana, a moralidade da acção depende da intenção ou motivo. Os seres humanos, por serem racionais, são dotados de consciência moral e, por isso, podem compreender que determinados princípios morais (como não mentir, não matar, dizer a verdade) são deveres incondicionais e absolutos. Há também a possibilidade de, enquanto seres sensíveis que somos, seguirmos os nossos sentimentos e inclinações sensíveis. Contudo, cabe à vontade, em vez de se orientar por desejos ou necessidades particulares, subordinar-se apenas a motivações racionais e agir exclusivamente por respeito ao dever, praticando o bem pelo bem.

Que razões poderão justificar que não se minta, mesmo para salvar a vida de um amigo?

O contra-exemplo apresentado, conhecido como a pergunta do assassino, é uma situação concreta que pretende mostrar que a proposição “deve-se dizer sempre a verdade” não é verdadeira, ao contrário do que Kant diz.

Este argumenta que, mesmo nessa circunstância extrema, o princípio moral universal não deve ser posto em causa, pois o dever da verdade é o fundamento de muitos outros deveres. Estes deixariam de fazer sentido se a mentira fosse moralmente admissível. Por exemplo: que sentido faria a exigência, em termos morais, de sermos justos ou leais se não considerássemos a verdade como um valor fundamental?

Na perspectiva kantiana, a responsabilidade moral deve depender apenas de aspectos racionais que se encontram ao alcance da vontade – como é o caso da intenção. Quando se faz depender o valor moral da acção do sentimento de compaixão ou das consequências consideram-se factores que não são controláveis pelo agente.

Assim, devemos dizer a verdade ao assassino, pois não é possível prever se as consequências da mentira serão, de facto, boas como desejaríamos. Kant salienta que, por mais bem-intencionada que seja a mentira, nada nos garante que conseguiremos alcançar os efeitos desejados. Por outro lado, caso as consequências da mentira sejam negativas, teremos de assumi-las moral e juridicamente.

Todavia, este contra-exemplo (e outros de natureza semelhante em que existe um conflito de deveres) constitui uma forte objecção à ética kantiana. Sentimos como “imoral” considerar o dever de dizer a verdade como mais importante que o dever de salvar uma vida. A aplicação cega de um princípio moral abstracto – dizer a verdade – sem ter em conta as consequências possíveis – pôr fim à vida de alguém – faz-nos colocar a questão de saber se, caso a morte do nosso amigo ocorra por dizermos a verdade, não teremos igualmente responsabilidade moral?

No entanto, Kant parece não considerar a existência de responsabilidade moral pelas consequências de dizer a verdade.

Face à resposta kantiana, experienciamos uma dificuldade comparável, julgo eu, à constatação feita por um amigo meu (aquando da morte de um familiar próximo): há uma enorme diferença entre o que lemos nos livros sobre a perda e o facto de perdermos alguém de quem gostávamos muito. As teorias podem-nos ajudar a compreender os factos, mas estes não se deixam encerrar nelas.

Porém, apesar da eficácia maior ou menor dos contra-exemplos enquanto meios de refutação, uma perplexidade subsiste: como é possível defender uma teoria ética onde se admitam excepções a princípios morais, como o dever de não mentir, salvaguardando a sua aplicação a certas situações particulares? A exigência de universalidade dos princípios morais não será, como salienta Kant, incompatível com a existência de excepções? Como poderemos saber se numa dada situação aquilo que nos leva a mentir é um “suposto amor à humanidade” e não o nosso amor-próprio?

Como conciliar estas duas ideias, aparentemente, contraditórias: a exigência da moralidade depender da aplicação imparcial de determinados princípios universais e a necessidade de, em termos práticos, admitirmos excepções a esses princípios?