Numa aula do 3º período, os alunos das turmas B, D, E e F do 10º ano dispuseram de aproximadamente 60 minutos para redigirem um ensaio defendendo a sua opinião acerca da eutanásia. O melhor ensaio a favor da eutanásia foi da aluna Roxane Shahbazkia, do 10º D. O melhor ensaio contra a eutanásia foi do aluno Paulo Figueiredo, do 10º F. Ei-los.
I
A eutanásia pode ser activa ou passiva e cada um destes tipos pode subdividir-se em voluntária, não voluntária e involuntária. (Para perceber as diferenças clique aqui.)
Apenas irei defender a eutanásia activa voluntária e a eutanásia activa não voluntária.
Sou completamente contra a eutanásia involuntária. A eutanásia involuntária, seja ela passiva ou activa, não é realmente eutanásia, é assassínio. A eutanásia deve ter o consentimento do paciente ou de um familiar. Discordo também da eutanásia passiva, como explicarei depois.
Os agentes racionais têm o direito de tomar as suas próprias decisões de forma autónoma e nós devemos respeitá-las. Logo, se um paciente diz, repetidamente, desejar a eutanásia para acabar com o seu sofrimento devemos aceitar e respeitar o seu pedido. Por exemplo: um homem muito doente e com dores horríveis, luta durante meses contra a doença, mas dá-se conta que isso não lhe serve de nada e que mesmo que sobrevivesse teria de estar sempre de cama e não poderia voltar a ser feliz. Se esse homem pedisse a eutanásia ao seu médico, conhecendo o seu estado e sendo o que ele deseja, seria errado não respeitar essa decisão.
Este argumento é conhecido como o argumento da autonomia e permite defender a eutanásia voluntária.
O sofrimento intenso é imoral. Os médicos devem agir, em relação aos pacientes, tendo em mente que o tratamento tem de proporcionar mais bem-estar do que incómodo. Por isso, se o objectivo for aliviar a dor, os médicos devem aumentar a dose de narcóticos, analgésicos, etc., mesmo que isso resulte na morte do paciente. Por exemplo, como poderá um medico não aumentar as doses de analgésico de alguém que sofre atrozmente depois de queimaduras muito graves? Não fazê-lo seria incorrecto e seria considerar o paciente como um objecto, ignorando o seu sofrimento.
Este argumento permite defender a eutanásia voluntária e a eutanásia não voluntária.
A eutanásia não voluntária é por vezes considerada como errada mesmo por pessoas que defendem a eutanásia voluntária. Penso que essa opinião está errada. Há diversas doenças que afectam bebés e adultos e os impedem de dizer se querem continuar ou não a viver, mas algumas dessas pessoas sentem imensas dores e não aproveitam nada da vida. Logo, penso que alguém com responsabilidade legal por elas tem o direito de autorizar a eutanásia. Não o fazer seria apenas dar continuação a esse sofrimento e gastar dinheiro e energia sem nenhum resultado positivo.
Existem muitas pessoas que aprovam a eutanásia passiva, pois consideram que isso não é matar, mas apenas deixar morrer. Contudo, moralmente, fazer algo ou deixar que aconteça não terá o mesmo valor? Por exemplo: uma pessoa que não gosta do seu vizinho quer furar os pneus de seu carro; quando lá chega vê um grupo de jovens a fazê-lo e fica só a olhar, não os impedindo nem avisando o dono ou a polícia. Nem furar os pneus nem deixar que alguém os fure é correcto. Por isso, o comportamento dessa pessoa não é mais defensável que o comportamento dos jovens. Sendo assim, matar ou deixar morrer não será moralmente equivalente? Parece-me lógico que, se as pessoas aceitam a eutanásia passiva, devem aceitar a eutanásia activa.
Existe outro argumento que mostra que a eutanásia activa é melhor que a eutanásia passiva: ao deixarmos uma pessoa morrer ela vai quase sempre sofrer intensamente; por isso, ao provocarmos a sua morte poupamos-lhe um grande e inútil sofrimento. Por exemplo: um paciente que tem dificuldades respiratórias pede a eutanásia; se os médicos suspenderem o seu tratamento, desligando o ventilador, o paciente irá passar horas de agonia e sofrerá imenso, caso esteja consciente; mas se os médicos decidirem injectar-lhe uma dose de uma substância que abrande os batimentos cardíacos, o paciente morrerá a dormir, pacificamente, sem dor ou com muito pouca dor.
Os críticos da eutanásia, como o filósofo J. Gay-Williams, usam o argumento da natureza para defenderem o seu ponto de vista. Eles dizem que a eutanásia violenta o nosso objectivo primordial, que é a sobrevivência, e que isso é contrário à natureza. Logo - concluem -, a eutanásia é incorrecta.
No entanto, eu penso que nem todas as pessoas têm o mesmo instinto de sobrevivência e que este não é algo assim tão fundamental e natural. Isso é demonstrado nomeadamente pelos casos de suicídio. Existem pessoas com um instinto de sobrevivência mais “fraco” e com uma capacidade de resistência ao sofrimento menor e estas têm direito, caso a sua situação clínica o justifique, à eutanásia.
Outro argumento contra a eutanásia é o dos efeitos práticos, segundo o qual, se a eutanásia fosse legalizada, a possibilidade de recorrer a ela levaria a um decréscimo da qualidade dos serviços de saúde. Isto porque os médicos tenderiam a tratar apenas dos casos menos graves, deixando os outros serem mortos por eutanásia. Para reforçar esse argumento, os críticos também dizem que outras pessoas se achariam com o direito de prescreverem a eutanásia a certos pacientes mesmo sem o acordo destes e que pouco a pouco haveria uma derrapagem, com casos cada vez menos graves a serem objecto de eutanásia.
Discordo desse argumento, pois os médicos e enfermeiros, devido às regras profissionais a que obedecem e à vocação que geralmente têm, não costumam deixar alguém morrer sem terem feito tudo o que estava ao seu alcance. Acresce que a eutanásia só é praticável em casos terminais, graves e sem cura. Por isso, nunca haveria um decréscimo tão grande na qualidade dos serviços de saúde.
Se a eutanásia for legalizada terá de ter algumas regras. O paciente terá de pedir a eutanásia repetidamente, deverá haver acordo entre os médicos responsáveis e, se o paciente não estiver consciente, terá de haver o acordo dos familiares. Logo, não será possível, ou pelo menos não será fácil nem provável, haver alguém a pedir a eutanásia para outra pessoa sem boas razões e apenas por interesses egoístas.
A eutanásia é uma decisão difícil para os pacientes, familiares, amigos, médicos, mas tem por vezes de ser levada em conta, pois é moralmente correcta.
Roxane Shahbazkia
II
Na minha opinião, a eutanásia é errada em todas as suas formas. São diversas as razões que me levam a defender essa tese.
1. A eutanásia contraria a natureza e o instinto de sobrevivência que parecemos ter. Com efeito, os seres humanos quando estão numa situação de perigo tentam sempre ou fugir ou atacar a ameaça para se defender dela. Quando nos ferimos o nosso corpo também dá uma resposta favorável à sobrevivência: coagula o sangue e cicatriza a ferida. Estamos sempre prontos a sobreviver e a lutar para o conseguirmos. Logo, ao praticarmos a eutanásia estamos a agir contra a natureza.
2. Esta prática de tirar a vida deliberadamente poderá nalguns casos servir apenas os interesses egoístas dos familiares do doente. Imaginemos o caso de uma pessoa que está em coma há muito tempo. Os médicos perguntam aos familiares o que querem que se faça e estes pedem que se faça a eutanásia para ficarem com os bens do doente. Casos como esse seriam frequentes se a eutanásia fosse legalizada.
3. Uma pessoa que esteja tetraplégica ou que tenha outro problema de saúde grave e incurável, poderia - contra o seu próprio interesse - decidir morrer, pois não quer dar trabalho e despesa, nem empatar as vidas das pessoas que tomam conta dela (poderia também suceder que fossem os familiares a convencerem-na a querer morrer, por esta dar trabalho). Casos como esse seriam igualmente frequentes se a eutanásia fosse legalizada.
4. Por vezes, são feitos diagnósticos errados e uma pessoa até pode ter boas hipóteses de cura mas convencer-se que tem uma doença incurável. Se se recorrer à eutanásia perde-se a possibilidade de descobrir o erro clínico e de salvar a pessoa.
5. Se a eutanásia fosse uma prática corrente os médicos e as enfermeiras poderiam começar a executar o seu trabalho de modo menos profissional e dedicado. Por exemplo, se houvesse um doente com cancro num estado bastante avançado e com várias ramificações, com poucas hipóteses de sobreviver, o que poderia acontecer era que os profissionais de saúde tomassem aquele caso como um caso de eutanásia e não se esforçassem por tratar o doente, dando-o como “um caso perdido”. Este processo com o tempo poderia entrar em derrapagem: de cada vez que aparecesse alguém com uma doença mais grave os médicos já não se esforçariam tanto, pois havia a opção da eutanásia. Por fim, passariam apenas a ser tratados os casos menos graves e com elevadíssimas hipóteses de cura.
Os defensores da eutanásia sublinham que antes de se realizar a eutanásia haveria um conjunto de procedimentos que seria necessário efectuar: os médicos teriam que se certificar que a pessoa queria mesmo morrer e não estava apenas numa altura especialmente desesperada, o pedido teria que ser realizado várias vezes, a pessoa teria que ter consciência do seu estado clínico e este teria que ser irrecuperável. Consideram, por isso, que os riscos referidos são improváveis.
No entanto, esses riscos não são de modo nenhum improváveis, sobretudo se a eutanásia for legalizada em países com uma má organização do sistema de saúde. Num país como Portugal, por exemplo, em que o sistema é um pouco confuso e desorganizado, o resultado poderia ser desastroso.
Os defensores da eutanásia argumentam que o sofrimento muito intenso, em casos terminais e sem esperança de cura, é imoral e que a eutanásia alivia a dor da pessoa e mata-a sem que esta sofra. E consideram, portanto, que é moralmente certo praticar a eutanásia. Contudo, hoje em dia com cuidados paliativos um doente pode viver até aos últimos minutos da sua vida com poucas dores, através de analgésicos e outros tratamentos. A eutanásia não é a única opção no que diz respeito ao combate ao sofrimento. Por outro lado: o sofrimento não fará parte da vida?
Paulo Figueiredo